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VIDAS

A VIDA É FEITA DE ESCOLHAS. A VIDA ETERNA, DE RENÚNCIAS!

quarta-feira, 24 de julho de 2013

PURIFICAÇÃO E CONFISSÃO

A maneira de Deus lidar com os pecados dos cristãos 

Depois que uma pessoa crê no Senhor Jesus, todos os seus pecados passados são perdoados pela obra redentora do Senhor. Mas que deve ela fazer, se pecar novamente depois de crer e ter sido salva? Não é correto pecar, mas pecar é um fato que ocorre na vida. É uma vergonha um cristão pecar, mas também é um fato inegável que os cristãos pecam. Sabemos que não devemos falhar nem cometer erros. Mas devemos admitir que realmente temos momentos de fracasso e de fato cometemos erros. Então, que faremos com esses pecados? Para sermos mais específicos, o que Deus fará com esses pecados? Já mencionamos a punição temporária. Deus nos adverte que, se nos tornarmos apóstatas, seremos punidos no reino milenar. Mas se quisermos lidar com nossos pecados e ser purificados deles, que devemos fazer? Como podem nossos pecados ser lavados e perdoados? Embora em toda a Bíblia haja somente três ou quatro lugares que mencionam esse problema, eles nos proporcionam uma clara luz. A fim de sabermos como lidar com esse problema, tudo o que temos de fazer é ler essas poucas passagens.

UMA ÚNICA PURIFICAÇÃO POR MEIO DO SANGUE

Comecemos pelo princípio. Sabemos que quando o Senhor Jesus foi crucificado na cruz, Ele verteu Seu sangue para lavar todos os nossos pecados. Depois de lavar nossos pecados, Ele assentou-se à direita de Deus (Hb 1.3). Se, depois de sermos salvos e purificados de nossos pecados, nós pecarmos e nos corrompermos de novo, o sangue do Senhor Jesus lavará nossos pecados novamente? O homem pensa que se pecar, o sangue do Senhor Jesus terá de purificar os seus pecados novamente. Mas não há tal verdade na Bíblia. O sangue purifica os nossos pecados somente uma vez; nunca purifica duas vezes. Não há repurificação dos pecados do homem.

O livro de Hebreus mostra-nos claramente que há somente uma purificação de pecados. Hebreus 10.1-14 diz: “Ora, visto que a lei tem sombra dos bens vindouros, não a imagem real das coisas, nunca jamais pode tornar perfeitos os ofertantes, com os mesmos sacrifícios que, ano após ano, perpetuamente, eles oferecem. Doutra sorte, não teriam cessado de ser oferecidos, porquanto os que prestam culto, tendo sido purificados uma vez por todas, não mais teriam consciência de pecados? Entretanto, nesses sacrifícios faz-se recordação de pecados todos os anos, porque é impossível que sangue de touros e bodes remova pecados. Por isso, ao entrar no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste; antes, corpo me formaste; não te deleitaste com holocaustos e ofertas pelo pecado. Então, eu disse: Eis aqui estou (no rolo do livro está escrito a meu respeito), para fazer, ó Deus, a tua vontade. Depois de dizer, como acima: Sacrifícios e ofertas não quiseste, nem holocaustos e oblações pelo pecado, nem com isto te deleitaste (coisas que se oferecem segundo a lei), então, acrescentou: Eis aqui estou para fazer, ó Deus, a tua vontade. Remove o primeiro para estabelecer o segundo. Nessa vontade é que temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas. Ora, todo sacerdote se apresenta, dia após dia, a exercer o serviço sagrado e a oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca jamais podem remover pecados; Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus, aguardando, daí em diante, até que os seus inimigos sejam postos por estrado dos seus pés. Porque, com uma única oferta aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados”.

Vemos que o Senhor Jesus ofereceu a Si próprio uma vez como oferta pelo pecado por nossos pecados. Ele efetuou a redenção eterna uma vez por todas. Pela Sua obra única estamos eternamente aperfeiçoados. O versículo 2 mostra que os que foram purificados, não mais têm consciência dos pecados. Por isso, há somente uma oferta do Senhor Jesus. Não há uma segunda oferta. Se alguém rejeitar esta oferta pelo pecado, não haverá outra oferta pelo pecado para ele. Este é o motivo de o versículo 26 dizer que, se pecarmos deliberadamente, já não restam mais sacrifícios pelos pecados. Os pecados de um pecador são perdoados por meio da cruz de Cristo. Depois que um cristão é salvo, mesmo que ele peque, o Senhor Jesus não pode morrer por seus pecados novamente. A Sua realização passada consumou tudo eternamente. Tudo está incluído Nele.

Leiamos agora alguns versículos do capítulo 9. Os versículos 25, 26 e 28 dizem: “Nem ainda para se oferecer a si mesmo muitas vezes, como o sumo sacerdote cada ano entra no Santo dos Santos com sangue alheio. Ora, neste caso, seria necessário que ele tivesse sofrido muitas vezes desde a fundação do mundo; agora, porém, ao se cumprirem os tempos, se manifestou uma vez por todas, para aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o pecado (...) assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o aguardam para a salvação”. Sua vinda pela segunda vez não terá nada que ver com seus pecados; antes, será para a salvação deles. Os versículos 12 a 14 dizem: “Não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção. Portanto, se o sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne, muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas para servirmos ao Deus vivo!” O versículo 9, falando do primeiro tabernáculo, diz que ele é “uma alegoria para o tempo presente” (VRC). Nesse tabernáculo “se oferecem assim dons como sacrifícios, embora estes, no tocante à consciência, sejam ineficazes para aperfeiçoar aquele que presta culto”.

Lendo os capítulos 9 e 10 vemos que os sacrifícios do Antigo Testamento diferem do sacrifício do Novo. Se eu estivesse no Antigo Testamento e cometesse um pecado, haveria somente uma maneira de lidar com ele. Se eu tivesse bastante dinheiro, compraria um touro; se não tivesse o suficiente, compraria um bode e se não tivesse recursos para nenhum deles, compraria uma rola. Depois eu pediria a um sacerdote que ofertasse o sacrifício por mim para expiação do meu pecado. Quando visse o touro ou o bode, meu coração se alegraria, porque saberia que a oferta servira como substituto para minha punição. Por ser o sangue de touro ou bode semelhante ao meu, Deus me perdoaria. Eu iria para casa satisfeito e com júbilo no coração, e seria a pessoa mais feliz da terra, porque os meus pecados teriam sido perdoados; eu não teria mais meus pecados. As trevas em minha consciência seriam removidas, e eu não mais sofreria. Mas, dois dias depois, eu poderia começar a pensar: “E se não valer aquele sacrifício oferecido outro dia? E se o sacerdote não houver feito o serviço corretamente?” Por causa desses pensamentos, eu ficaria preocupado e sofreria novamente. Finalmente, eu decidiria comprar outro touro ou bode, levá-lo-ia ao sacerdote e diria a ele que a oferta de pecado do outro dia não fora bem feita, e pediria para refazer a oferta. O sacerdote, então, sacrificaria o touro ou o bode, e oferecê-lo-ia mais uma vez a Deus, e eu me certificaria de que o touro ou o bode havia sido oferecido pelos meus pecados.

No Antigo Testamento, quando a consciência incomodava, podia-se sempre trazer outro touro ou bode como oferta pelos pecados por intermédio do sacerdote. Isso é o que Hebreus 9 nos mostra. Ele diz que o sangue de touros e bode não faz uma obra completa. O capítulo 10 diz que, se uma obra completa tivesse sido feita, não haveria mais consciência de pecados. Deus considerava incompleta a obra de animais no tocante à consciência, porque cada vez que uma pessoa perdesse a paz em sua consciência, ela sentiria que seus pecados ainda não haviam sido plenamente tratados, e haveria necessidade de mais ofertas.

Entretanto, o apóstolo mostra-nos que um cristão não deve agir da mesma forma. O sacrifício propiciatório que Deus estabeleceu no Novo Testamento não é um touro ou um bode, mas o Seu próprio Filho. Quando Seu Filho veio à terra, Ele disse claramente que Deus não desejava touros e bodes nem se agradava deles. Em vez disso, Deus preparou um corpo para Ele, a fim de que Ele pudesse morrer para completar a obra da eterna redenção. O Senhor cumpriu na cruz o sacrifício pela redenção eterna. Agora podemos obter essa redenção eterna. Ele ofereceu um sacrifício pela redenção eterna, consumando assim a eterna redenção. Por causa desta redenção eterna, estamos eternamente aperfeiçoados. Ele é o Filho de Deus. Por causa de Sua obra eterna uma vez consumada, não precisamos mais fazer ofertas pelo pecado. Não mais podemos fazer oferta pelo pecado para o mesmo pecado, porque o Senhor Jesus consumou toda a obra.

O Filho de Deus não pode novamente ser crucificado pelos nossos pecados. Ninguém pode pisar o sangue do Filho de Deus e torná-lo algo comum. E se algo é o único do gênero, é precioso. Mas se houver duas coisas do mesmo gênero, elas são comuns. Tratar o sangue do Filho como algo comum significa considerá-lo igual ao sangue de touros e bodes. Mas se honrar Seu sangue e considerá-lo como algo único, ele lhe será precioso. A oferta pelo pecado, consumada por Ele, está aqui. Depois que o Senhor realizou Sua obra, Deus disse que não pode haver nenhuma outra obra. O Filho de Deus não pode morrer novamente. Sua obra está consumada. Se você a quiser, terá de crer Nele. Você não pode acrescentar nada a ela. Ou você depende Dele ou nada tem. Depois que alguém recebe a luz por meio da verdade, para ele não há mais sacrifício pelos pecados. Há somente uma oferta pelo pecado. Isso é o que pregamos. Aqueles que vêm adorar por meio desse único sacrifício terão sua consciência purificada; eles não mais terão consciência dos pecados. Todos os pecados deles foram lavados e eles não terão mais consciência dos pecados. Além disso, não há necessidade de outra purificação. A Bíblia nunca ensina a doutrina de uma segunda purificação. O sangue do Senhor Jesus não pode purificar-nos novamente. Uma vez purificados, estamos purificados para sempre.

RECEBER A PURIFICAÇÃO ININTERRUPTA DEPOIS DE CRER

A questão agora é esta: Que devemos fazer, se pecarmos novamente? Que faremos, se ficarmos imundos novamente? Todos os pecados que cometemos antes de sermos salvos foram lavados pelo sangue do Senhor Jesus. Mas, que fazer com os pecados que cometemos depois de salvos? Não queremos ser punidos. Não queremos perder o reino. Não queremos sofrer o dano da segunda morte. Que fazer diante de Deus? Consideremos 1 João 2.1: “Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis”. Um dos objetivos do cristão é não pecar. João escreveu-nos essas palavras para que não pecássemos. Segundo a posição, é possível um cristão não pecar. Infelizmente, segundo sua história real, ele peca com freqüência. Posicionalmente falando, não deveríamos pecar. Mas, falando da experiência, de fato pecamos com frequência. Não há necessidade de pecar. O pecado, contudo, é um fato inabalável.

João continua: “Se, todavia, alguém pecar”. Aqui estamos tratando do problema de um cristão que peca. Ele é um pequenino de Deus; pertence ao Senhor. Se ele pecar, que deve fazer? “Temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo”. Não diz que temos Advogado junto a Deus; antes, é-nos dito que temos Advogado junto ao Pai. Portanto, esse versículo refere-se aos filhos de Deus. Refere-se aos que foram salvos. Se alguém entre os salvos, os filhos de Deus, pecar, ele tem um Advogado junto ao Pai. Isso não é um debate num tribunal de justiça, mas é um assunto de família.

A palavra advogado na língua original é paracletos. Para significa ao lado de; estar ao lado quer dizer que você está em algum lugar e outra pessoa também está ali. Você está em Xangai e essa pessoa também está em Xangai. Quando você vai para Cantão, ela também vai para Cantão. É semelhante aos trilhos de um trem. Você não pode ter um trilho em São Paulo e outro em Maceió. Cletos significa auxiliador. Um paracletos, portanto, é alguém que está ao lado, auxiliando. Você pode fugir, mas para onde quer que corra, o paracletos também estará lá. Os que ajudam são muito bons, mas muitas vezes eles chegam tarde demais. Pode haver bastante arroz no Sul, mas os famintos no Norte não poderão obtê-lo, porque o arroz não está ao lado. Os gregos usavam a palavra paracletos para referir-se ao advogado de defesa no tribunal. Suponha que você não entenda a lei, e alguns o acusem; eles podem processá-lo ou tirar vantagem de você, mas você não tem como defender-se. Agora há um paracletos para responder por você. As pessoas acusam-no de ter pecado. Mas o seu paracletos dirá que você não possui pecado. Ele o defenderá como um advogado de defesa. O significado aqui é ter alguém próximo de si para falar por você. Se um cristão pecar, há Alguém junto ao Pai falando por ele.

Satanás não desiste de fazer acusações contra os cristãos. Apocalipse 12.10 nos diz que ele acusa os irmãos dia e noite. Dia e noite somos os réus e ele é o acusador. Mas temos um Advogado que é Jesus, o Justo. Aqui diz que Ele é o Advogado; não o que tem a graça, mas o justo. Por que não diz que Ele é o que tem a graça? Porque no tribunal de justiça celestial não se fala a respeito da graça, da mesma forma que não se fala a respeito da graça nos tribunais terrenos. Qualquer juiz que queira perdoar aos outros é um juiz injusto. Somente os que são a favor da justiça podem ser juízes. Deus é a favor da justiça. Ele não perdoa nossos pecados injustamente. Ele não faz pouco caso de nossos pecados, não encobre nossos pecados, nem nos deixa passar despercebidos com nossos pecados. Pelo contrário, Ele julgou nossos pecados com justiça.

O Senhor não nos defende dizendo que a tentação foi muito forte, que, como criancinhas, não poderíamos lidar com ela, e, portanto, Deus tem de nos conceder graça. O Senhor Jesus não diz que os cristãos são pequenos demais, que o conhecimento deles é pequeno demais, que a carne é fraca demais e a atração do mundo é forte demais. Ele não diz que as artimanhas de Satanás são astutas demais e não há como rejeitar Satanás. Não é dessa maneira que o Senhor Jesus nos defende. Ele não apela para a graça, nem está ali como despenseiro da graça. João diz que Jesus Cristo é o justo. Ele diz a Deus que, por causa Dele e do que Ele fez, Deus tem de nos perdoar.

Como esse Advogado nos defende? É-nos dito no versículo seguinte: “Ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro” (1 Jo 2.2). O Senhor Jesus faz Sua defesa por nós baseado em Sua obra consumada, ou seja, em Sua propiciação na cruz por nós. Como resultado, podemos achegar-nos a Deus. Esse é um sacrifício propiciatório completo. Inclui todos os pecados de todos os cristãos no tempo e no espaço. Quando esse sacrifício propiciatório é mostrado a Deus, Ele não tem mais razão para punir os cristãos. O sacrifício propiciatório do Senhor não é apenas para os pecados do passado, mas também para todos os pecados do presente e do futuro. O verbo em 1 João 2.2 está no presente e não no pretérito. Deus não pode condenar-nos baseado nas acusações de Satanás, porque a obra redentora de Cristo, consumada na cruz, inclui todos os pecados de hoje e todos os que serão cometidos até o dia de Sua volta. Todos os nossos pecados foram incluídos em Sua obra. Deus tem de nos perdoar. Ele não pode agir de outra forma, porque esse perdão tem uma base.

O SENHOR JESUS COMO ADVOGADO DOS CRISTÃOS

A obra do Senhor Jesus como Salvador é para os pecadores. A obra do Senhor Jesus como Advogado é para os cristãos. Como Salvador, o Senhor Jesus consumou a obra da cruz. Como Advogado, o Senhor Jesus aplica a obra da cruz. Os pecados dos pecadores são perdoados por meio da redenção da cruz. Os pecados dos cristãos são perdoados por meio da defesa que é baseada na redenção da cruz. Essa defesa apresenta a obra da cruz a Deus. Ela mostra a Deus o que o Senhor Jesus fez, para que Ele não castigue o homem por seus pecados. Nós temos um Advogado diante de Deus. A morte do Senhor Jesus é a prova apresentada a Deus.

O Senhor Jesus tornou-se Advogado para todo cristão que peque, da mesma forma como se tornou Salvador para todo pecador. Não é que primeiro nos arrependemos, cremos, somos regenerados e depois o Senhor morre por nós; antes, foi enquanto ainda éramos pecadores que Cristo se tornou nosso Salvador (Rm 5.8). Da mesma forma, não é que primeiramente nos arrependemos, e depois Ele se torna nosso Advogado. Pelo contrário, mesmo enquanto estamos pecando, Ele se torna nosso Advogado. Não é que Ele se torna nosso Advogado quando confessamos nossos pecados diante de Deus; mas, mesmo enquanto estamos pecando, Ele se torna nosso Advogado. Essa é a razão de João dizer que, se algum homem pecar, temos um Advogado junto ao Pai. Ele não diz para primeiro nos arrepender, confessar os pecados e pedir perdão, para que, então, Ele se torne nosso Advogado diante de Deus. Em vez disso, João diz que, se alguém pecar, já temos Advogado junto ao Pai. Sempre que pecar, naquele momento o Senhor Jesus já é seu Advogado diante de Deus. Naquele exato momento, o Senhor Jesus mostrará a Deus Sua obra na cruz, e Deus terá de deixar passar nossos pecados. Um cristão pode confessar e arrepender-se, porque Jesus é seu Advogado. Por termos o Senhor Jesus como nosso Advogado, defendendo e falando por nós enquanto pecamos, nós, por fim, nos arrependemos, confessamos os nossos pecados e pedimos perdão. A obra de defesa do Senhor não acontece no momento em que nos arrependemos; antes, ela acontece enquanto estamos pecando. Quando pecamos, o Senhor Jesus já é nosso Advogado. Posteriormente somos levados ao arrependimento e à confissão. Ele cumpriu toda a obra em um dia e tudo está incluído naquela obra. Hoje, o Senhor pode apresentar essa obra a Deus. Deus não pode mais castigar-nos, porque todo o débito foi pago. Todos os débitos, passados e futuros, foram pagos. Todos os nossos pecados foram lavados pelo sangue de Jesus.

ANDAR NA LUZ COMO ELE ESTÁ NA LUZ

Ele é o Advogado. Mas, de nossa parte, que devemos fazer? Leiamos 1 João 1.7: “Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado”. Que significa estar na luz? O homem acha que estar sem pecado e ser santo é estar na luz. Mas não é este o significado aqui. João não diz que devemos andar na luz como Deus anda na luz. Não é dito aqui que Deus anda. Se assim fosse, o significado seria totalmente diferente. Diz aqui que devemos andar na luz como Ele está na luz.

Que significa essa diferença? Por exemplo, neste salão de reunião há muitas lâmpadas, mas nós as chamamos de luz. Estamos agora sentados na luz. Por outro lado, quase sempre, enquanto estamos reunidos, muitas pessoas sentam-se nas escadas junto à porta. Elas estão no escuro. Elas podem não ter pecado; podem não ter roubado os outros lá fora; talvez sejam até melhores e mais santas que nós. Mas os que estão sentados na luz conseguem ver, enquanto os que estão sentados no escuro não conseguem ver. Para Deus, estar na luz significa que Deus agora pode ser visto.

No Antigo Testamento, no Santo dos Santos, Deus estava no escuro e o homem não podia vê-Lo. No Lugar Santo havia uma lâmpada e no átrio exterior havia o sol, mas no Santo dos Santos não havia nenhuma luz. Deus, ali, era um Deus desconhecido. O homem podia somente fazer suposições sobre Ele. Mas graças ao Senhor, pois hoje Deus foi manifestado em Jesus de Nazaré. Deus agora está na luz; Ele não está mais na escuridão. Hoje, Deus é um Deus conhecido, um Deus revelado. Quando você vê Deus hoje, você sabe que Ele é Deus. O evangelho sobre Jesus de Nazaré é a revelação de Deus. O resplandecer da luz do evangelho é o resplendor de Deus. Quando a luz do evangelho resplandece, nós vemos Deus. Não estou dizendo que não devamos ser santos ou que não devamos rejeitar o pecado. Estou dizendo que esse versículo nos diz que por Deus estar na luz, devemos, portanto, andar na luz. Já que Deus se manifestou na luz do evangelho, por isso mesmo devemos ver Deus na luz do evangelho. Não mais buscamos a Deus no Antigo Testamento. Hoje Deus manifestou a Si mesmo. Se Ele não tivesse se manifestado, estaríamos sem esperança, desnorteados, sem saber que tipo de Deus Ele é. Ainda teríamos que fazer suposições sobre Ele. Graças a Deus que Ele foi manifestado. Hoje nosso Deus não é mais um Deus de “bastidores”. Ele agora está no “palco”, é o Deus revelado. A palavra revelação, em grego, é apocalypsis. Apo significa fora, e calypsis, significa véu. Assim apocalypsis significa tirar o véu. Eu costumava assistir apresentações teatrais. No palco havia sempre uma cortina grossa. Você não sabe o que está atrás da cortina. O apocalypsis é o abrir da cortina.

Hoje Deus está na luz. Ele é um Deus exposto. Que devemos fazer então? Devemos andar na luz. Isso significa que veremos Deus e conheceremos Deus na luz. Não conhecemos Deus por suposição como faziam os que viviam no Antigo Testamento. Hoje Deus tem falado. Não há mais necessidade de fazer suposições. Hoje Deus já está na luz. Ele já se revelou no evangelho. Se andarmos nessa revelação, o resultado é a comunhão. Haverá comunhão entre os cristãos e comunhão com Deus.

Desde que Deus e nós sejamos participantes no evangelho, o sangue de Seu Filho Jesus nos limpa de todo pecado. Se você verdadeiramente conhece a Deus no evangelho, verá que o sangue de Seu Filho Jesus está contínua e eternamente nos purificando de todo pecado (1 Jo 1.9). Na língua original, esse versículo nos diz que o sangue de Jesus, Seu Filho, está continuamente purificando-nos de todo pecado. A Bíblia jamais nos mostra que o sangue do Senhor Jesus faz uma segunda obra de purificação. Ela nos mostra que o sangue de Jesus purifica-nos o tempo todo. Não há múltiplas purificações. Há somente uma purificação contínua. A Bíblia nunca traz a ideia de múltiplas purificações. A verdade bíblica é a purificação contínua.

O sangue do Filho de Deus continuamente nos purificando de nossos pecados é a obra do Advogado. A obra da cruz é uma vez por todas. Mas a obra de Seu sangue e da purificação é contínua. A cruz lidou com os nossos pecados e purifica-nos de nossos pecados uma única vez. Contudo, ela é eficaz para sempre. Por que ela é eficaz para sempre e nos purifica continuamente? É porque o Filho está continuamente apresentando a Deus a obra consumada. Não é uma repurificação, mas uma demonstração contínua a Deus de que Ele já morreu e todos os pecados foram tratados. Hoje Ele está continuamente nos purificando de todos os nossos pecados. Todos os nossos pecados estão incluídos aqui. A eficácia de Seu sangue dura para sempre, porque o Senhor Jesus é nosso Advogado no céu continuamente. Sua obra como Advogado é uma continuação e extensão de Sua obra como Salvador. A obra do Salvador aconteceu somente uma vez, mas ela tem prosseguimento na obra do Advogado. Essa é a parte de Deus na obra.

O PERDÃO POR MEIO DA CONFISSÃO

Nunca devemos negligenciar a parte de Deus. Entretanto, nós também jamais devemos esquecer a nossa parte. É verdade que o Senhor Jesus está apresentando Seu sangue e Sua obra diante de Deus continuamente. Mas se pecarmos deliberada e continuadamente e sem arrependimento, repúdio ou disposição para lidar com os nossos pecados, a obra do sangue do Senhor perderá seu efeito e sua eficácia em nós. A obra da crucificação não é apenas para nós, mas também para o mundo inteiro. A obra do Senhor Jesus incluiu a todos. Mas essa obra do Senhor pode ser realizada somente naqueles que creem Nele. A obra de defesa de Cristo em princípio é a mesma coisa; ela é contínua. Quer um cristão confesse e se arrependa de seus pecados, quer não, a obra de Cristo de purificação é continuamente eficaz. Mas como tal obra pode ser realizada nos cristãos é outra questão.

A Primeira Epístola de João (1.7) nos diz que um cristão tem seus pecados perdoados diante de Deus por causa da obra de Cristo. Por outro lado, o versículo 9 nos mostra o que devemos fazer de nossa parte. “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça”. Em 1 João 2.1 é-nos dito que o Senhor Jesus é nosso Advogado, mas 1 João 1.9 nos diz que de nossa parte temos de confessar nossos pecados. Isso não significa que é a nossa confissão que nos concede o perdão. Se a confissão por si só pudesse obter perdão, o perdão seria injusto. Suponha que eu roube cem dólares de um irmão, vá a ele e confesse meu pecado. Se ele me perdoar por causa da confissão, ele seria justo? Se esse fosse o caso, eu roubaria outros cem dólares e confessaria novamente. Se a confissão sozinha pudesse conceder-nos perdão, essa seria a coisa mais injusta que existe. Se esse fosse o caso, nós não poderíamos dizer que Deus é fiel e justo. Teríamos que dizer que Deus é um Deus injusto e desleixado, que não leva em conta nossos pecados.

Por que João diz que Deus é justo para perdoar? Porque o Senhor Jesus se tornou nosso Advogado. Seu sangue purificou-nos de todos os nossos pecados. Nossos pecados foram julgados e condenados em Cristo. Portanto, quando confessamos nossos pecados, Deus é fiel e justo para nos perdoar. Se eu tivesse roubado dinheiro de um irmão e alguém o tivesse devolvido por mim, então a confissão, certamente me traria perdão. Sem o sangue do Filho de Deus, o perdão de Deus seria injusto. O sangue do Filho de Deus foi derramado. O Filho de Deus tornou-se o Advogado diante de Deus. Deus agora tem de nos perdoar. Se não perdoar, Ele será injusto. Hoje quando confesso meus pecados, Deus é fiel e justo para me perdoar os pecados. A Palavra de Deus nos diz que o Senhor Jesus morreu. Deus tem de ser fiel à Sua própria Palavra. Ele também tem de ser justo com relação à obra do Senhor Jesus. É por essa razão que Ele tem de perdoar nossos pecados e nos purificar de toda injustiça.

O perdão de nossos pecados por Deus está totalmente baseado no sangue do Senhor Jesus. Os pecados dos pecadores são perdoados por meio do sangue do Senhor. Os pecados dos cristãos também são perdoados por intermédio do sangue do Senhor Jesus. Por ser o Senhor Jesus o Salvador, Deus pode perdoar os pecados dos pecadores. E por ser o Senhor Jesus o Advogado, Deus pode perdoar os pecados dos cristãos. Pelo fato de o Senhor Jesus ser tanto o Advogado quanto o Salvador é que Seu sangue nos concede perdão de nossos pecados e justificação.

CONFISSÃO

Então, que é confissão? O apóstolo não disse que confissão é orar para que Deus perdoe os nossos pecados. Muitas orações e súplicas a Deus por perdão não são confissões. Tampouco disse o apóstolo que confissão é apenas falar algo com a nossa boca. O que o apóstolo disse foi que temos de reconhecer o pecado e tratá-lo como pecado. Confissão significa colocarmo-nos no mesmo lugar que Deus está, admitindo diante de Deus que o que fizemos é, sem dúvida, um pecado. No momento em que você confessar o seu pecado, você será perdoado. Confessar não é suplicar por perdão. O perdão é tarefa do Senhor Jesus. O que você deve fazer é julgar o pecado como pecado. Você deve julgá-lo, reconhecê-lo e confessar que ele é errado. Você tem de tomar o pecado como pecado e tratá-lo como pecado. O que você deve confessar diante de Deus é que um pecado é, sem dúvida, um pecado. Se você confessar, Deus é fiel e justo para perdoar todos os seus pecados e injustiças. Assim como um pecador recebe o perdão de pecados por meio da obra do Senhor Jesus, um cristão recebe da parte de Deus o perdão dos pecados, por intermédio da obra de Cristo e por julgar seu pecado como pecado. Resumindo: confissão é nossa declaração de que alguma coisa é pecado, porque Deus diz que isso é pecado. Por exemplo, suponha que o filho de um irmão saia à rua para brincar com algumas crianças más. Por ele adquirir linguagem suja e fazer travessuras, o irmão reúne as crianças que levaram seu filho a fazer essas coisas e diz a elas que estão erradas e não devem mais brincar com seu filho. Ele também diz ao seu filho para não mais brincar com elas. A criança diz que ela quer confessar que está errada e pede perdão. Mas, embora ela diga isso com sua boca, em seu coração ela está pensando em uma forma de fugir pela porta dos fundos e brincar novamente. Ela não se posiciona junto com seu pai. A questão aqui não é o perdão, mas se reconhecemos ou não algo como pecado.

Confissão significa que tudo o que Deus considera como pecado, eu também considero como pecado. Significa que eu digo a mesma coisa que Deus disse. Se Deus diz que isso está errado, eu também digo que está errado. A confissão é o nosso reconhecimento e declaração do pecado. Quando você confessa, Deus perdoa seus pecados e o purifica de toda injustiça. Ele não está perdoando você por causa de sua confissão; Ele o está perdoando por causa da obra do Senhor Jesus. Seu sangue é a base de tudo nesta questão. Mas por meio da confissão, o sangue produz o perdão. A salvação é pelo sangue por meio da fé. Mas o perdão é pelo sangue por intermédio da confissão. É como se dissesse que a água da torneira vem pelo depósito de água através dos encanamentos. Da mesma forma, o perdão vem pelo sangue por meio da confissão.

A FIGURA DA NOVILHA VERMELHA NO ANTIGO TESTAMENTO

Há um tipo de purificação no Antigo Testamento que é um tipo do perdão dos cristãos no Novo Testamento. As palavras em 1 João 1 e 2 estão tipificadas no Antigo Testamento. Leiamos aquela que pode ser considerada como a única parte no Antigo Testamento que trata com o perdão dos pecados dos cristãos.

Números 19.1-13 diz: “Disse mais o Senhor a Moisés e a Arão: Esta é uma prescrição da lei que o Senhor ordenou, dizendo: Dize aos filhos de Israel que vos tragam uma novilha vermelha, perfeita, sem defeito, que não tenha ainda levado jugo. Entregá-la-eis a Eleazar, o sacerdote; este a tirará para fora do arraial, e será imolada diante dele. Eleazar, o sacerdote, tomará do sangue com o dedo e dele espargirá para a frente da tenda da congregação sete vezes. À vista dele será queimada a novilha; o couro, a carne, o sangue e o excremento, tudo se queimará. E o sacerdote, tomando pau de cedro, hissopo, e estofo carmesim, os lançará no meio do fogo que queima a novilha. Então, o sacerdote lavará as vestes, e banhará o seu corpo em água, e, depois entrará no arraial, e imundo será até à tarde. Também o que a queimou lavará as suas vestes com água, e em água banhará o seu corpo, e imundo será até à tarde. Um homem limpo ajuntará a cinza da novilha, e a depositará fora do arraial, num lugar limpo, e será ela guardada para a congregação dos filhos de Israel para a água purificadora; é oferta pelo pecado. O que apanhou a cinza da novilha, lavará as vestes, e será imundo até à tarde: isto será por estatuto perpétuo aos filhos de Israel e ao estrangeiro que habita no meio deles. Aquele que tocar em algum morto, cadáver de algum homem, imundo será sete dias. Ao terceiro dia e ao sétimo dia, se purificará com esta água, e será limpo; mas, se ao terceiro dia e ao sétimo não se purificar, não será limpo. Todo aquele que tocar em algum morto, cadáver de algum homem, e não se purificar, contamina o tabernáculo do Senhor; essa pessoa será eliminada de Israel; porque a água purificadora não foi espargida sobre ele, imundo será: está nele ainda a sua imundícia”.

Em Números 19 um sacrifício é descrito. Esse sacrifício é único no Antigo Testamento. O livro de Números não é um livro sobre ofertas. O livro sobre ofertas é Levítico. Mas esse sacrifício não é mencionado em Levítico, e sim, em Números. Sabemos que o cordeiro pascal foi morto no Egito. Isso tipifica a morte do Senhor Jesus pelos nossos pecados. No monte Sinai, Deus mostrou-nos novamente o que é o cordeiro pascal. As cinco ofertas em Levítico são o cordeiro pascal examinado e partido. Elas nos mostram os diferentes aspectos do Senhor Jesus e como Ele satisfaz as exigências de Deus ao redimir os pecados do homem. Todas elas são para os pecadores e foram citadas no monte Sinai. O livro de Números, entretanto, é um livro sobre o deserto; é a história dos filhos de Israel, vagueando no deserto de Parã, onde os filhos de Israel viviam como peregrinos. Eles eram uma nação, peregrinando no mundo. Ali, Deus lhes deu outro sacrifício, que é o sacrifício da novilha vermelha.

Todas as ofertas são para Deus, e assim sendo o sangue delas devia ser vertido. Este é o único sacrifício cujo sangue é primeiramente espargido diretamente diante do tabernáculo, e em seguida queimado. A maioria das ofertas é composta de touros e bodes, mas apenas este sacrifício é uma novilha, uma fêmea. A maioria dos sacrifícios não tem especificação de cor. Mas este sacrifício tem de ser de uma cor específica; ele deve ser uma novilha vermelha. A maioria dos sacrifícios é oferecida no altar; somente este sacrifício é queimado fora do arraial. Outros sacrifícios são para o perdão de pecados; todavia, a segunda metade deste sacrifício é para purificação. As cinco ofertas de Levítico descrevem o cordeiro pascal. Elas são preparadas para os pecadores. É por isso que elas estão registradas em Êxodo e Levítico. Esse sacrifício, entretanto, é preparado para o povo de Deus. Essa é a razão de estar registrado em Números. É um sacrifício para a experiência do povo de Deus no caminho do deserto. Os outros sacrifícios são para pecado. Somente este sacrifício é para a impureza no deserto. Os outros sacrifícios são de animais machos; este sacrifício é de fêmea. Tudo o que está relacionado com os pecadores é macho, e tudo o que está relacionado com o povo de Deus é fêmea (Dt 21.3-9). Levítico 5.6 diz que uma cabra pode ser oferecida como oferta pela transgressão. A oferta pela transgressão não é apenas para pecadores, mas frequentemente é para cristãos. Não é como a oferta pelo pecado, que é estritamente para pecadores. A oferta pela transgressão é tanto para pecadores como para cristãos. Quando alguma coisa é oferecida pelo povo de Deus, pode ser fêmea. Essa é a ordenança no Antigo Testamento.

Esse sacrifício, embora lide com as ofensas do homem para com Deus, é, na verdade, oferecido pelos cristãos. A cor vermelha significa redenção diante de Deus. Esse sacrifício não é oferecido no altar, porque não é por pecadores; um pecador tem de passar pelo altar antes de poder vir a Deus. Esse sacrifício é queimado fora do arraial, que é o lugar onde o povo de Deus está. Por isso, o arraial é um tipo da igreja. Estar fora do arraial é ser cortado da comunhão. Entretanto, se você está cortado da comunhão, há um sacrifício esperando por você. Esse sacrifício é para tratar com os pecados dos cristãos. É para a restauração da comunhão.

Vamos agora considerar o sacrifício em si. Esse sacrifício é composto de duas partes. Na primeira parte, o sangue do sacrifício é oferecido; na segunda, o sacrifício é queimado. A primeira parte começa na segunda metade de Números 19.2: “Dize aos filhos de Israel que te tragam uma novilha vermelha sem defeito, que não tenha mancha, e sobre a qual não se tenha posto jugo” (IBB - Rev.). Todos os que conhecem a Bíblia sabem que isso se refere ao Senhor Jesus. Hebreus 10 indica que essa novilha vermelha refere-se ao Senhor Jesus. Quais são as qualificações do Senhor Jesus para tornar-se esse sacrifício? Números 19.2 diz que esse sacrifício devia ser sem mancha e sem defeito, e que não tivesse levado jugo. O ser sem mancha e sem defeito refere-se à Sua vida. Nunca ter estado sob jugo refere-se à Sua obra. Quanto à Sua vida, Ele é sem mancha; quanto à obra, Ele nunca esteve sob jugo. Com relação à Sua vida e pessoa, o Senhor é sem mancha e sem defeito. Não somente é sem mancha, mas também em Sua experiência Ele é puro, isto é, Ele nunca esteve sob jugo. Ele é um homem puro, e tem uma experiência pura. Muitas pessoas não têm mancha, mas têm estado sob jugo. Em Sua experiência, contudo, o Senhor nunca foi subjugado. Ele nunca tocou as coisas pecaminosas, e nunca foi oprimido ou dominado pelo pecado. Ele nunca foi induzido a pecar. Ele era completamente livre do jugo. Hoje, não podemos dizer o mesmo de nós, pois não somos pessoas livres. Temos sido oprimidos e dominados pelo pecado, temos sido induzidos pelo pecado e não somos senhores de nós mesmos. O Senhor Jesus não tem defeito. Somente o Senhor Jesus nunca esteve sob o jugo de pecado.

Isto é a novilha, a vitela, indicando que esse sacrifício foi oferecido pelos cristãos. Ela é vermelha. Isso significa que ela é oferecida pela redenção de pecado. Na Bíblia, o vermelho indica a redenção de pecado. Toda vez que a Bíblia menciona o escarlate ou o vermelho, isso significa pecado. A mulher em Apocalipse 18 monta um animal escarlate e usa uma vestidura escarlate, os quais se referem aos seus pecados.

Números 19.4 diz-nos o que acontece depois que a novilha é imolada. “Eleazar, o sacerdote, tomará do sangue com o dedo e dele espargirá para a frente da tenda da congregação sete vezes”. O sacerdote não fazia muitas coisas; ele somente espargia um pouco de sangue diante de Deus, no tabernáculo. Isso nos indica que a morte do Senhor Jesus satisfez as exigências de Deus. O sangue não era espargido nos filhos de Israel, mas diretamente diante da tenda da congregação. O tabernáculo é o lugar onde Deus se encontrava com os israelitas; ele é um tipo da comunhão entre Deus e o homem. Onde o tabernáculo de Deus está, aí Deus também está. Cristo é o tabernáculo; Ele é Deus vivendo entre os homens. Ele está cheio da graça e da verdade de Deus. Ele tabernaculou entre nós (Jo 1.14). Isso é a comunhão. Como podemos ter comunhão? Deve haver o sangue, ou seja, o pecado deve ser julgado. Se não houver sangue, o homem não poderá achegar-se a Deus.

Há somente duas maneiras de o homem achegar-se a Deus. Ou ele vem sem pecado, ou ele vem com o sangue. Se estiver sem pecado, você pode ir a Deus com passos corajosos, pois Ele nada pode fazer a você. Mas se você tiver pecado, deve haver o derramamento de sangue (Hb 9.22), porque Deus deve julgar o pecado. Se o pecado não for julgado, o homem não pode ter comunhão com Deus. Deus não pode ignorar os pecados do homem. Deus não pode deixar passar os pecados do homem. Se o homem tiver pecado, ele deve ir a Deus com o sangue. Deus é um Deus que julga. Sem passar pelo julgamento, o pecado não pode ser removido. O julgamento exige o sangue, portanto, deve haver o derramamento de sangue antes que a comunhão seja restaurada. O sangue foi espargido sete vezes; sete significa perfeição. A morte do Senhor Jesus satisfez a Deus; Seu sangue é suficiente para lavar os nossos pecados. Aqui, todos os problemas são completamente resolvidos; as justas exigências de Deus são satisfeitas. Deus disse que a obra está consumada. E tal obra é a obra do Senhor Jesus na cruz. Ela foi realizada uma única vez e está consumada para sempre. Não há necessidade de outra novilha vermelha. A morte de uma novilha vermelha é suficiente. Na primeira parte desta oferta vemos que a aspersão do sangue significa que o problema do pecado está resolvido. Esta parte da oferta é igual a todas as outras ofertas no Antigo Testamento. Todas elas são o cordeiro pascal.

Agora temos de considerar a segunda parte da oferta, a qual nos mostra o que deve ser feito com relação aos pecados dos cristãos. Números 19.5 diz: “À vista dele será queimada a novilha”. Esse sacrifício é único, porque a novilha não era simplesmente queimada, mas “o couro, a carne, o sangue e o excremento, tudo se queimará. E o sacerdote, tomando pau de cedro, hissopo, e estofo carmesim, os lançará no meio do fogo que queima a novilha”. Deus julgou o pecado. Pouco depois de o sangue ser espargido, o resto do sangue era despejado no fogo. Então, a novilha inteira também era lançada no fogo. O sacerdote queimava a novilha inteira — couro, carne, sangue, excremento, tudo. Além disso, pau de cedro, hissopo e estofo carmesim eram todos lançados no meio da fogueira. No versículo 9 é-nos dito o que acontecia depois que a novilha era queimada: “Um homem limpo ajuntará a cinza da novilha, e a depositará fora do arraial, num lugar limpo, e será ela guardada para a congregação dos filhos de Israel, para a água purificadora: é oferta pelo pecado”. Depois que a novilha era imolada, o sangue era aplicado. Mas depois que a novilha era queimada e tornava-se cinzas, as cinzas deviam ser aplicadas.

Que são cinzas? Cinzas são o estado final de tudo no mundo. Não estou me referindo às evidências da química, mas à nossa experiência diária. As cinzas são o último estado de todas as coisas. Se uma mesa passar seguidas vezes pela destruição, seu último estado será cinzas. Portanto, as cinzas representam o estado final. Quando alguma coisa chega ao seu fim máximo e não pode ser transformada em nada mais; ela é cinzas.

Tudo da novilha é queimado. Note particularmente aqui o sangue. Nessas cinzas estão o couro, a carne e o sangue. Isso significa que nessas cinzas estão a redenção de Cristo e a eterna eficácia de Sua redenção. Cristo é eternamente eficaz diante de Deus. Ele tornou-se as cinzas. O derramamento de Seu sangue é eternamente eficaz. Até mesmo o sangue tornou-se cinzas. A obra de redenção está consumada. A novilha vermelha retrata a obra redentora do Senhor, e essa obra agora tornou-se cinzas.

Há três outras coisas adicionadas à oferta: o pau de cedro, o hissopo e o estofo carmesim. Na Bíblia, quando o pau de cedro e o hissopo são colocados juntos denota todo o universo criado. O primeiro livro dos Reis 4.33 diz que Salomão tinha grande sabedoria; ele discorreu sobre todas as plantas, desde o cedro até ao hissopo; ele foi do alfa ao ômega. Ele esgotou todo o assunto. A Bíblia usa o cedro e o hissopo para representar o mundo todo. O cedro e o hissopo colocados no fogo indicam que, quando o Senhor Jesus foi julgado pelo pecado, Ele não somente foi queimado, mas todos nós também fomos. Deus julgou todos os homens na pessoa de Jesus de Nazaré. Quando o fogo passou sobre Ele, você e eu, o pau de cedro e o hissopo, tudo passou através do mesmo fogo. Tudo no mundo, seja grande ou pequeno, doce ou amargo, rico ou pobre, foi colocado sobre Ele e julgado por Deus. Aqui, o estofo carmesim também foi colocado no fogo. Isaías 1.18 diz que os nossos pecados são vermelhos como o carmesim. Por isso, carmesim significa pecado. Deus não somente nos julgou, como também julgou os nossos pecados; todos os pecados foram incluídos no Senhor Jesus. Quando Ele foi julgado por Deus, os pecados também o foram. Todos os problemas relacionados com o pecado também foram julgados. Portanto, o pau de cedro, o hissopo e o carmesim serem lançados ao fogo indicam que o mundo inteiro e todos os pecados do mundo conjuntamente passaram pelo fogo com o Senhor Jesus e tornaram-se cinzas. As cinzas incluem toda a obra do Senhor. Elas também incluem a nós e nossos pecados. Essas cinzas são eternamente eficazes. Portanto, essa obra tem uma eficácia que satisfaz todas as exigências de Deus perante Ele. Essas cinzas foram mantidas fora do arraial, num lugar limpo.

Números 19.11 em diante diz-nos sobre a função das cinzas. “Aquele que tocar em algum morto, cadáver de algum homem, imundo será sete dias. Ao terceiro dia e ao sétimo dia se purificará com esta água”. O versículo 9 diz-nos sobre essa água purificadora. “Um homem limpo ajuntará a cinza da novilha, e a depositará fora do arraial, num lugar limpo, e será ela guardada para a congregação dos filhos de Israel, para a água purificadora; é oferta pelo pecado”. A purificação aqui se refere à purificação por tocar num cadáver. Por que o fato de tocar num cadáver é considerado impuro? Porque a morte é a evidência do pecado. Sem pecado não haveria morte. Portanto, onde a morte estiver, o pecado também estará. Um cadáver indica que o pecado realizou sua obra. O resultado da obra do pecado é a morte. Por essa razão, o Antigo Testamento usa a lepra como um símbolo de pecado curável e um cadáver como um símbolo de pecado incurável. Quando um homem está morto em pecado e transgressões e está, portanto, morto em sua carne, ele é um cadáver. O Senhor Jesus fala sobre esses mortos. Ele nos disse para deixarmos os mortos enterrarem os mortos (Mt 8.22). Se você tocar nesses mortos, se tiver relacionamento com o mundo, se fizer amizade com ele e viver no meio dele, você estará tocando cadáveres. Se tocar em cadáveres, você certamente será contaminado, ficará manchado com impurezas. Quando os cristãos pecam e fracassam contatando o mundo, as cinzas são necessárias.

As cinzas são a obra da cruz. Elas são colocadas em água viva (Nm 19.17 - IBB - Rev.), e tornam-se a água purificadora. A água viva tipifica o Espírito Santo. Certa vez, enquanto os filhos de Israel viajavam, eles feriram a rocha, e dela saiu água (Êx 17.6). A Primeira Epístola aos Coríntios 10.4 diz que a rocha era Cristo. Portanto, a água corrente refere-se ao que flui de Cristo, que é o Espírito Santo. Tomar água e fazer dela a água purificadora significa que há necessidade de que o Espírito esteja sobre nós. Sem a obra do Espírito Santo, a obra do Senhor Jesus será em vão. Se houver somente as cinzas da novilha vermelha, sem água viva, elas não serão muito úteis. Juntamente com a obra do Senhor Jesus, ainda há a necessidade do Espírito Santo. Seremos purificados e lavados somente pela união dos dois. O Senhor Jesus não tem de morrer novamente. Para nossa purificação simplesmente aplicamos a eficácia da obra única do Senhor. As cinzas da novilha vermelha representam a eficácia eterna e imutável da obra do Senhor na cruz. É esta eficácia que está nos purificando. Por causa da morte do Senhor Jesus, a eficácia de Suas cinzas tornou-se eterna, e por meio do Espírito Santo Ele agora está aplicando essa eficácia a nós.

Toda vez que pecamos, não precisamos novamente trazer um touro a Deus. A eficácia da obra do Senhor há dois mil anos continua até hoje. Por meio destas cinzas somos purificados.

Que acontece se um homem não for purificado? Números 19.12 diz: “Ao terceiro dia o mesmo se purificará com aquela água [a água purificadora], e ao sétimo dia se tornará limpo: mas, se ao terceiro dia não se purificar, não se tornará limpo ao sétimo dia” (IBB - Rev.). Por que tal pessoa fica impura até ao sétimo dia? O homem purifica-se ao terceiro dia, mas não fica puro até ao sétimo dia. Ele não fica puro até ao sétimo dia, porque a meta é o sétimo dia, não o terceiro. O terceiro dia é o dia da ressurreição do Senhor Jesus. Depois que o Senhor ressuscitou, Ele nos deu a palavra do perdão de pecado. Então, que é o sétimo dia? Na Bíblia, o sétimo dia é o sábado. Hebreus 4:9 nos diz que há outro sábado. É o grande e universal sábado que ocorrerá no milênio. Isso significa que, se uma pessoa não for purificada na era da ressurreição do Senhor, ela não será limpa na era do reino. Se ela for purificada hoje, estará limpa ao sétimo dia, a era do reino. O terceiro dia é para o sétimo dia. O problema é com o sétimo dia. A eternidade foi estabelecida. O fato de sermos filhos de Deus nesta era também foi estabelecido. Todas as outras questões foram estabelecidas. O único problema hoje é se estaremos puros no reino.

No final desta parte, Números 19.13 diz: “Todo aquele que tocar em algum morto, cadáver de algum homem, e não se purificar, contamina o tabernáculo do Senhor”. Que é o tabernáculo do Senhor? O tabernáculo do Senhor, hoje, não é um salão de reuniões nem alguma capela; é o nosso corpo. Se um homem destruir o seu corpo, Deus o destruirá (1 Co 3.17). Se um homem contaminar o seu corpo, Deus dirá: “Essa pessoa será eliminada de Israel” (Nm 19.13b). Tal pessoa será eliminada de Israel. Não diz que ela será eliminada do Egito, mas de Israel. Isso significa que na época em que os filhos de Deus reinarem no milênio, essa pessoa será mantida fora. Se uma pessoa não for purificada hoje, ela será mantida fora do reino no futuro.

Em seguida lemos: “Porque a água purificadora não foi espargida sobre ele, imundo será: está nele ainda a sua imundícia”. Todos os pecados não confessados e todos os pecados que não passaram pelo sangue do Senhor Jesus deixam suas imundícias na pessoa. Essa imundícia levará tal pessoa a perder sua parte no reino vindouro. Por outro lado, aqueles que tiverem sido limpos pela água purificadora estarão puros no reino. Deixe-me dizer-lhe uma coisa: Nenhum pecado de que se tenha arrependido, confessado e posto debaixo do sangue do Senhor Jesus, e sobre o qual as cinzas tenham sido aplicadas, poderá manifestar-se no trono de julgamento. A água purificadora é capaz de remover as impurezas, porque o poder do sangue está nela. É o poder da redenção nessa água que a capacita a remover a impureza. Todo pecado que não tiver a eficácia da redenção do Senhor aplicada a ele, deixará a pessoa impura até ao “sétimo dia”. Portanto, não deixe que seus pecados permaneçam em você. As impurezas devem ser removidas com as cinzas do Senhor Jesus. Agradeço ao Senhor que o Filho de Deus não precisa mais morrer por mim. Por Suas cinzas estou purificado. Contudo, é tolice, e também é perigoso, permitir que qualquer impureza permaneça.

WATCHMAN NEE

terça-feira, 16 de julho de 2013

TEOLOGIAS PRE CONTEMPORÂNEAS

Parte 01:

1. Influências da teologia Contemporânea 

A atual teologia contemporânea recebeu a influência de inúmeras manifestações teológicas e filosóficas do passado. Para uma melhor compreensão da Teologia Contemporânea é imprescindível conhecer, pelo menos, as principais correntes ou tendências teológicas, desde os dias apostólicos que a influenciam:

A Teologia Bíblica procura conhecer a Deus, seus atributos e sua vontade, através de uma reflexão a respeito dos temas presentes tanto no Antigo como no Novo Testamento, considerados como infalível Palavra de Deus.

A Teologia Católica: por sua vez, que corresponde às teologias moral (orienta o comportamento humano em relação aos princípios religiosos), dogmática (estuda os elementos da fé, ou seja, as doutrinas), bíblica (estuda o caráter de Deus, seus atributos e sua vontade a nosso respeito, com base na Bíblia) e patrística (estuda a religião de acordo com a interpretação dos pais da Igreja, da tradição e do magistério); A Teologia Protestante enfatiza o retorno às origens e à reinterpretação das Escrituras, tendo Cristo como única perspectiva. Seus temas principais são: somente a Escritura, somente Cristo, somente a fé, somente a graça; A Teologia Natural ou Teodicéia, busca o conhecimento de Deus baseando-se na razão humana; A Teologia Especulativa tem por fundamento o estudo sintético dos textos sagrados, apoiado nos conhecimentos filosóficos do homem. Nesta categoria pode ser classificada a teologia tomística, de Aquino.

A Teologia Contemporânea origina-se diretamente do método especulativo, e desde a Reforma Protestante tem tomado várias direções, conforme as designações recebidas: Teologia modernista, teologia neomodernista, teologia da esperança, teologia do evangelho social, teologia do cristianismo sem religião, teologia da morte de Deus etc, conforme veremos no decorrer desse estudo; A Teologia Mística fundamenta-se na experiência religiosa que permite ao iniciado supor-se imediatamente relacionado com a divindade, sendo sinais dessa união as visões, os êxtases, as profecias e os estigmas.

Características da teologia mística:

o A teologia mística não tem caráter reflexivo.
o Não da prioridade ao uso da razão.
o Evidência as experiências.
o Da maior importância a sentimentos, emoções, do que ao uso do intelecto.

2. MÍSTICA E TOMÍSTICA

A filosofia grega ameaçou toda a estrutura do Cristianismo, tentando helenizar as doutrinas apostólicas, ou seja, contextualizá-las à luz da cultura grega. As doutrinas passaram a ser examinadas a luz da razão e da lógica. A influência da teologia filosófica de Tomas de Aquino:

Com Tomás de Aquino, no século XII, ressurge a teologia especulativa, mas com outras vestes. Esse famoso doutor do catolicismo procurou explicar racionalmente os dogmas cristãos, e acabou invertendo o princípio bíblico de que "pela fé entendemos", ao afirmar que o conhecimento conduz à fé. É o pai não apenas da teologia tomística, mas também da filosofia tomística, como já vimos.

3. A influência da reforma e contra reforma

Com o advento da Reforma Religiosa no século XVI, a tradição católica foi desafiada pelos reformadores.

Os reformadores apegaram-se às Escrituras Sagradas e trouxeram à lume os grandes fundamentos da fé cristã, como: a autoridade suprema da Bíblia, a justificação pela fé, o verdadeiro significado dos sacramentos, o sacerdócio universal dos crentes, etc. As divisas protestantes tornaram-se célebres: Solus Cristus, Sola Scriptura, Sola fide, Sola gratia.

4. A reação católica à reforma


A Igreja Católica, ao ver-se ameaçada, organizou a sua contra reforma principalmente através da convocação do concilio de Trento, que se reuniu durante 18 anos, de 1545 a 1563.

O que acontece neste concílio?

Nesse célebre concilio ficaram confirmados pela Igreja Católica todos os dogmas anteriormente aceitos. A tradição foi considerada de valor igual ao da Bíblia, e ainda juntaram-se ao cânon do Antigo Testamento os livros e aditamentos apócrifos.

5. Galileu e a inquisição

Acusado de perjúrio e heresia pelos clericalistas, o grande físico, já com 70 anos, foi citado a comparecer perante o Tribunal da Inquisição, em Roma. Na manhã do dia 22 de junho de 1633, ajoelhado ante seus inimigos, Galileu, para salvar a vida, abjura seus "erros e heresias" e "renega" todas as suas sensacionais descobertas. O decreto do Papa Urbano VIII diante das novas descobertas científicas foi nos dias de Galileu, quando mais se digladiavam teólogos que pretendiam ser cientistas e cientistas que pretendiam ser teólogos, que o papa Urbano VIII, pontífice de 1632 a 1644, assinou o seu infalível (???) decreto:

Em nome e pela autoridade de Jesus Cristo, cuja plenitude reside em Seu vigário, o Papa, declaramos que a afirmação de que a terra não é o centro do mundo e de que ela se desloca com um movimento diurno é coisa absurda, filosoficamente falsa; e errônea, quanto à fé". Constatamos uma clara incapacidade da teologia católica de acompanhar e explicar os inúmeros avanços científicos que estavam acontecendo naquele período.

6. A Bíblia foi a grande vítima de todos os confrontos entre a Igreja e as novas ideias


A posição medievalista da Igreja Católica nos primeiros séculos da Idade Moderna, em relação ao desenvolvimento da cultura, trouxe males sem conta a ela mesma, porque à medida em que a ciência começou a provar os "absurdos" condenados pela religião, esta começou a ser contestada por eminentes escritores, secularistas e irreverentes, a cujos olhos o romanismo não passava de um mal social e um entrave ao progresso dos povos.

7. A atuação nociva do liberalismo teológico neste período

O que o liberalismo teológico não é? O liberalismo teológico não é uma religião ou uma organização ideológica possuidora de templos, funcionários ou sociedades.

O que o liberalismo é? Ele é, simplesmente, uma tendência de ajustar o Cristianismo aos conceitos da Alta Crítica da Bíblia, da ciência e das filosofias modernas. Esta tendência apresenta-se hoje sob diversos outros títulos, como modernismo, racionalismo, nova teologia, etc.

8. O que é alta crítica?

Em exegese, Alta crítica é o nome dado aos estudos críticos da Bíblia. Sua abordagem trata a Bíblia como literatura, utilizando-se do aparato crítico normalmente aplicado a textos literários semelhantes. Caracteriza-se, de uma forma geral, por não partir do dogma da inerrância bíblica para efetuar suas análises. Em contraste com a Baixa crítica, seu foco está no estudo dos autores dos textos bíblicos, seu processo de formação editorial, sua transmissão histórica e o contexto de formação, denominado Sitz im Leben.

Exemplo de atuação da alta Crítica

Os fundamentos históricos dessa tendência remontam, de acordo com a maioria dos autores, ao ano de 1753, quando Jean Astruc (1684-1766), francês incrédulo e professor de medicina em Paris, publicou anonimamente, em Bruxelas, em francês, o livro Conjecturas Sobre as Memórias Originais que Parece Terem Sido Usadas por Moisés na Composição do Gênesis. Nesse livro Astruc, que foi médico do rei da Polônia e de Luís XV, da França, duvida da origem mosaica dos cinco primeiros livros do Antigo Testamento e aventa a hipótese de existirem duas fontes literárias Jeovista e Eloísta partindo-se dos nomes usados para se referirem a Deus. Antes dessa data, muito raramente alguém ousava criticar assim a Palavra de Deus, lançando dúvidas sobre a sua historicidade tradicionalmente aceita.

Os mesmos métodos de desintegração aplicados ao Antigo Testamento foram também aplicados, de maneira violenta, ao Novo, lançando descrédito sobre o seu valor histórico e resultando, em alguns casos, no completo desaparecimento da pessoa divina de Jesus Cristo, para instalar em seu lugar apenas um profeta destituído de todos os seus atributos sobrenaturais.

O nascimento da teologia liberal

Do emaranhado dessas teorias nasceu o movimento liberalista, hoje presente nas artes, na música, nos costumes sociais e, como vimos, na própria Teologia. É ele o principal responsável pelo relaxamento dos padrões éticos, em virtude da sua atitude irreverente em relação à Divindade e das dúvidas acerca da inspiração das Escrituras, que lança nos corações.

Sem a poderosa influência moralizadora da Palavra de Deus, os homens se embrutecem, como descreve o apóstolo Paulo no capítulo 2 da sua Carta aos Romanos. Em 1780, o hebraísta alemão Eichrodt aceitou a hipótese de Astruc e afirmou que os referidos documentos tinham características, estilos e expressões distintas um do outro. Igen, em 1798, também alemão, julgou ter descoberto, dentro do documento Eloísta do Gênesis, diversas características de estilo e expressões. Por isso foi ele considerado o descobridor do segundo documento Eloísta. Na Escócia, o padre católico romano, Alexander Gaddas, anunciou ter encontrado no Pentateuco diversos documentos (1798-1800).

Parte 02: O LIBERALISMO TEOLOGICO

I. NOMES PRINCIPAIS

Vejamos agora alguns nomes implicados no liberalismo teológico, responsáveis pelos novos rumos tomados pelo protestantismo:

A. Friedrich Schleiermacher (1768-1834)

1. Teólogo e filósofo alemão, embora anti-racionalista, ensinou que não há religiões falsas e verdadeiras. Todas elas, com maior ou menor grau de eficiência, têm por objetivo ligar o homem finito com o Deus infinito, sendo o cristianismo a melhor delas.

2. Ao harmonizar as concepções protestantes com as convicções de burguesia culta e liberal, Schleiermacher foi considerado radical pelos ortodoxos, e visionário pelos racionalistas. Na verdade, o seu pensamento filosófico-teológico, embora considerado liberal, está mais perto do transcendentalismo de Karl Barth.

B. Johann David Michaelis (1717-1791)

1. Johann David Michaelis, foi um hebraísta, orientalista, filósofo e erudito alemão, que exerceu uma influência importante sobre os seus contemporâneos, nomeadamente pelo ensino na Universidade de Halle.
Na filosofia teve influência de Siegmund Baumgarten (1706–1757).
No domínio das línguas orientais, teve como discípulo o pai do filósofo Schelling. Alguns anos depois, a filha de Michaelis, Caroline, casou com Schelling (depois de ter casado com Auguste Schlegel).
Teólogo protestante e orientalista alemão foi o primeiro a abandonar o conceito da inspiração literal das Escrituras Sagradas.

C. Adoff Von Harnack (1851-1930)

1. Foi o último grande representante da Teologia Liberal e um dos principais historiadores do cristianismo de todos os tempos. Em 1914 recebeu o título nobiliárquico que o autorizava chamar-se von Harnack. Estudou nas Universidades de Dorpat e Leipzig. Posteriormente tornou-se professor das Universidades de Leipzig, Giessen e Berlim. Teólogo protestante alemão, defende em sua obra principal História dos Dogmas: a evolução dos dogmas do cristianismo pela helenização progressiva da fé cristã primitiva. Em outra obra, A essência do cristianismo, reduziu a religião cristã a uma espécie de confiança em Deus, sem dogma algum e sem cristologia.

D. Albrecht Ritschl (1822-1889)

Albrecht Ritschl foi um grande teólogo do protestantismo liberal alemão. Nasceu em Berlim em 25 de março de 1822 e faleceu em 20 de março de 1889. Tornou-se bispo e um grande pesquisador, estudando teologia em Bonn e em Halle. Foi professor em Halle e em Göettingen.
Albrecht Ritschl ressaltou em sua obra o conteúdo ético da teologia cristã e afirmou que este deve basear-se principalmente na apreciação da vida interior de Jesus Cristo.'
Ritschl afirmava dar continuidade ao trabalho de Lutero e Schleiermacher, especialmente para livrar a fé da tirania da filosofia escolástica . Seu sistema mostra a influência da crítica destrutiva de Kant às afirmações da Razão Pura , o reconhecimento do valor do conhecimento moralmente condicionado e a doutrina do reino dos fins; do tratamento histórico do Cristianismo por Schleiermacher, uso regulador da ideia de comunhão religiosa, ênfase na importância do sentimento religioso; e da teoria do conhecimento e tratamento da personalidade de Lotze. Ele tentou demonstrar que a epistemologia de Kant era compatível com o luteranismo. O trabalho de Ritschl causou uma profunda impressão no pensamento alemão e deu uma nova confiança à teologia alemã, ao mesmo tempo que provocou uma tempestade de críticas hostis. Apesar dessa resistência, a "escola" ritschliana cresceu com notável rapidez, com seguidores dominando as faculdades teológicas alemãs no final do século XIX e no início do século XX.

E. David Friedrich Strauss (1808-1874)

1. Foi o teólogo alemão que maior influência exerceu no século XIX sobre os não-teólogos e não-eclesiásticos. Tornou-se professor da Universidade de Tubingen com apenas 24 anos. Quatro anos mais tarde, em 1836, foi furiosamente afastado do cargo em virtude de sua obra, denominada Vida de Jesus, criticamente estudada.
2. No ano de 1841 lançou, em dois volumes, sua Fé Crista - Seu Desenvolvimento Histórico e seu Conflito com a Ciência Moderna. Nesta obra está negando completamente a Bíblia, a Igreja e a Dogmática. Em 1864 publicou uma segunda Vida de Jesus, quando procurou então distinguir o Jesus histórico do Cristo ideal segundo a maneira típica dos liberais do século XIX. Em sua A Antiga e a Nova Fé, publicada em 1872, adota a evolução darwiniana em contraste com a fé bíblica.
3. Para Strauss, Jesus é mero homem. Insiste em que é necessário escolher entre uma observação imparcial e o Cristo da fé. Ensinou que é preciso julgar o que os Evangelhos dizem de Jesus pela lei lógica, histórica e filosófica, que governa todos os eventos em todos os tempos. Não achou e não procurou um âmago histórico, mas interessou-se apenas em mostrar a presença e a origem do mito nos evangelhos.
4. Seu conceito do mundo é o de matérias subindo para formas cada vez mais altas. À pergunta: "Como ordenamos nossas vidas?" - responde: autodeterminação, seguindo a espécie.
5. Nas obras de Strauss não há lugar para o sobrenatural. Os milagres são mitos, contados para confirmar o papel necessário de Jesus, daí as referências ao Velho Testamento. Em resumo, Jesus é uma figura histórica. Da vida de Jesus nada sabemos, sendo tudo mito e lenda.
6. Considerado o mais erudito entre os biógrafos infiéis de Jesus, Strauss encerra o último capítulo da sua segunda Vida de Jesus com estas palavras: "...aparentemente aniquilaram a maior e mais importante parte daquilo que o cristão se acostumou a crer concernente a Jesus; desarraigaram todos os encorajamentos que ele tem tirado de sua fé e privaram-no de todas as suas consolações. Parece que se acham irremediavelmente solapados os inesgotáveis depósitos de verdade e vida que por dezoito séculos têm sido o alimento da humanidade; o mais sublime atirado ao pó, Deus despido de sua graça, o homem despojado de sua dignidade, e o laço entre o céu e a terra rompido. Recua a piedade em horror diante de um ato tão temeroso de profanação, e, forte como é na impregnável evidência própria de sua fé, ousadamente conclui que - não importa se um criticismo audaz tentar o que lhe aprouver tudo o que as Escrituras declaram e a Igreja crê acerca de Cristo subsistirá como verdade eterna; nem sequer um jota ou um til será removido."
7. Philip Schaff comenta que Strauss professa admitir a verdade abstrata da cristologia ortodoxa, "a união do divino e humano, mas perverte-a, emprestando-lhe um sentido puramente intelectual, ou panteísta. Ele nega atributos e honras divinas à gloriosa Cabeça da raça, mas aplica os mesmos atributos a uma humanidade acéfala.
Destarte, ele substitui, partindo de preconceitos panteístas, uma viva realidade por uma abstração metafísica; um fato histórico por uma mera noção; a vitória moral sobre o pecado e a morte por um mero passo na filosofia e em artes mecânicas; o culto do único vivo e verdadeiro Deus por um culto panteísta de heróis, ou própria adoração de uma raça decaída; o pão nutriente por uma pedra; o Evangelho de esperança e vida eterna por um evangelho de desespero e de final aniquilamento."

F. Sorem Kierkegaard (1813-1855)

1. Teólogo e filósofo dinamarquês. Filho de um homem rico torturado por dúvidas religiosas e sentimentos de culpa, Kierkegaard adquiriu complexos de natureza psicopatológica e possíveis deficiências somáticas. Estudou teologia na universidade de Copenhague, licenciando-se em 1841.
2. Atacou a filosofia de Hegel e afastou-se mais e mais da Igreja Luterana, por julgá-la muito pouco cristã. Para o teólogo dinamarquês, entre as atitudes (fases) estética, ética e religiosa da vida, não há mediação, como na dialética de Hegel, e não há entre elas transição, no sentido de evolução. Para chegar da fase estética à fase ética ou desta à religiosa é preciso dar um salto (ser iluminado, converter-se instantaneamente) que transforme inteiramente a vida da pessoa.
3. Para Kierkegaard, só o cristianismo é capaz de vencer heroicamente o mundo, sendo o panteísmo cultural de Hegel impotente contra a consciência do pecado e contra o medo e temor. Criticou o hegelianismo em sua acomodação ao mundo profano, por não ser capaz de eliminar a angústia e admitir a existência de contradições irresolúveis entre o cristianismo e o mundo, cabendo ao homem escolher existencialmente entre esta e aquela alternativa: ser cristão ou ser não-cristão.
4. São profundos os conceitos de Kierkegaard sobre os estágios da vida, a diferença entre ser e existir, o subjetivo e o objetivo, o desespero, os critérios positivos para a verdadeira existência, etc.

Eis alguns deles:

a. No estágio estético, o homem leva uma existência imediata e não refletiva, faltando a diferenciação entre ele e o seu mundo; No estágio ético, o homem assume a responsabilidade pelo seu próprio ser, procura alcançar-se a si - o que não pode fazer; No estágio religioso, reconhece a impossibilidade de viver conforme gostaria e descobre que o pecado é não ser o que Deus deseja que seja, e que só se alcança este estado proposto por Deus através de algo que vem de fora - o próprio Deus;

b. o tempo (e espaço) trata do que o homem é, da sua existência; a eternidade significa que, embora o homem viva no tempo e no espaço, ele não está totalmente determinado por estes elementos; a existência fala de liberdade, possibilidade, do ideal, da obrigação; o momento de decisão é quando a eternidade intercepta o tempo;

c. o objetivo cultural é aquilo que é, enquanto o homem fica entre o que é e o que ele pode e deve ser. A ciência limita-se ao estudo do que é, ao que ela chama "a verdade"; mas os fatos claramente aceitos jamais encerram a verdade;

d. a essência do ser humano aparece quando traz a eternidade para dentro do tempo. Cada homem há de sofrer porque vive numa realidade muito física: liberdade versus tempo;

e. o único que realmente resolveu o paradoxo do tempo e da eternidade foi Jesus Cristo. Ele mesmo foi um paradoxo: Deus e homem; limitado e ilimitado; ignorante e conhecedor de tudo.

5. S. Kierkegaard, redescoberto na Alemanha por volta de 1910, é considerado o precursor da teologia transcendental, de que Karl Barth, no século XX, é o principal representante.

II. EXAME CRÍTICO

A. Principais Doutrinas Liberais.

1. Foi a partir de meados do século XIX, como consequência da grande vitalidade intelectual e reorientação do pensamento, que nasceu a teologia liberal. Foi esta uma época de renascimento religioso em geral e, em particular, de expansão do protestantismo, institucional e geograficamente, caracterizada pelas missões e surgimento das sociedades bíblicas.

2. O liberalismo teológico, em sua essência, procura libertar as consciências cristãs das suas amarras escolásticas, apontando-lhes as exigências da razão. Realça a pessoa de Deus como a fonte de toda a verdade e enfatiza a necessidade de uma certeza sincera na busca da verdade, embora reconheça a impossibilidade do ser humano alcançar um conhecimento pleno da verdade absoluta.

3. A maioria dos teólogos da atualidade considera hoje insustentável essa premissa liberalista de que o espírito humano não possa mover-se em regiões para além do alcance dos sentidos, além do raciocínio meramente racional. Para Platão, o intelecto tem idéias supersensíveis, inexplicáveis à luz da razão, sendo que é neste reino que residem os característicos principais e distintivos da alma humana. Modernamente, é cada vez maior o número dos que conhecem uma área essencialmente metafísica, portanto fora do alcance dos meios físicos, na qual o espírito obedece às leis de sua própria natureza.

4. Segundo os teólogos liberais, o protestantismo precisa "incorporar à sua teologia os valores básicos, as aspirações e as atitudes características da cultura moderna, ressaltando, dentre outros, o imperativo ético do Evangelho." (Enciclopédia Mirador). Dessa pregação nasceu o evangelho social, onde a mensagem de Cristo deixa de ser o poder de Deus para a salvação e regeneração do homem, para tornar-se apenas uma fórmula social, impotente. "A Igreja transcende os métodos e as fórmulas humanas. Ela produz aquela vida plena de riqueza, que é o espírito livre e nobre em ação; pensa os melhores pensamentos; aceita os mais elevados ideais e os reveste de uma linguagem irresistível. Assim ela infunde um poder criador na sociedade de espíritos humanos... Não há fórmula suficiente boa para tornar boa uma sociedade, se não for executada por homens bons. O cristianismo não elabora fórmulas, mas cria os homens capazes de insuflar força moral em qualquer fórmula" (Lynn Harold Hough).

5. O movimento liberalista não reivindicou apenas amplas liberdades para o exercício da razão, mas pregou a tolerância entre as denominações protestantes, aproximando-as, através da minimização das diferenças doutrinárias.

6. O ressurgimento da intolerância religiosa no seio do catolicismo romano, nas primeiras décadas do século passado, o que resultou na prisão e morte de protestantes em diversos países, especialmente na Estônia, Lituânia, Letônia, Turquia, Pérsia, Portugual e Espanha, contribuiu também para aproximar entre si as denominações evangélicas. A organização, em 1846, da Aliança Mundial Evangélica, em Londres, foi uma resposta ao estado de insegurança em que se achavam várias correntes do protestantismo. Essa Aliança muito fez pela liberdade de culto em todo o mundo.

7. Mas o espírito liberal reclama ainda respeito pela ciência e pelos métodos científicos de pesquisas, o que implica na aceitação franca do estudo, tanto do mundo material como da crítica bíblica e da história da Igreja. Foi, valendo-se desse estado de espírito favorável, que Darwin publicou a sua célebre obra As Origens das Espécies através de meios de seleção natural,em 24 de novembro de 1859, que provocou violentas e intermináveis polêmicas.

8. O liberalismo teológico aceita também o princípio da continuidade, ou seja, considera mais importantes as semelhanças do que os contrastes, admitindo-se a idéia da evolução para superar os abismos existentes entre o natural e espiritual, entre o homem e seu Criador, enfatizando mais a imanência do que a transcendência de Deus; o liberalismo prega ainda a confiança do homem no futuro, gerada pelas grandes conquistas em todos os campos da ciência.

9. Não há dúvida de que o sonho liberalista do século passado mostra a cada dia mais impossibilidade de materializar-se. A teoria da evolução está hoje negada pelos principais cientistas, e as conquistas da ciência moderna têm trazido, ao lado do seu inegável progresso, resultados catastróficos. A confiança do homem no futuro desvanece-se hoje à luz dos fatos atuais e a exemplo de amargas experiências recentes. Quanto à imanência de Deus, sugere esta ênfase que a Divindade está identificada com a totalidade das existências, afirmando, panteisticamente, que tudo é Deus e Deus é o tudo. Elimina-se, destarte, toda a concepção da personalidade divina e, em consequência, considera-se o homem um irresponsável. Quando se nega o conceito de Deus, como o Criador onipotente que está acima de todas as coisas que criou, corre-se o risco de cair no fatalismo, característico dos cultos orientais e, infelizmente, em expansão no Ocidente. Sinais da presença do fatalismo em nossos dias são os horóscopos, o fetichismo e até mesmo os biorrítmos, rejeitados como anticientíficos por grande número de médicos renomados.

10. Ainda em relação à ênfase dada pelo liberalismo à imanência de Deus em tudo, há uma implicação séria, quando se trata do problema do pecado. Despersonalizando a divindade, é o homem colocado no centro de tudo, como a medida de tudo. Isso significa que o fim do homem é estar satisfeito consigo mesmo, com seus horizontes etc. O Dr. John A. Mackay afirma que o pecado, como fator na existência humana, é terrivelmente real, e é coisa que os filósofos balconizados sempre trataram de fazer desaparecer por meio de argumentos arrazoados. Com a expressão balconizados fazia ele referência a Aristóteles e Renan, como símbolos daqueles para quem "a vida e o universo são objetos permanentes de estudo e contemplação".

B. Outras Doutrinas Liberais

1. Os credos primitivos são arcaicos e sem realidade para o mundo moderno.

2. A mente do homem é capaz de raciocinar segundo os pensamentos de Deus.

3. A mente deve estar aberta à verdade independentemente da fonte.

4. As doutrinas cristãs são símbolos de verdades racionais conhecidas pela razão humana.

5. A divindade de Jesus era uma declaração simbólica do fato de que todos os homens possuem um aspecto divino.

6. 0 conceito bíblico da revelação de Deus na história era ingênuo e pré-filosófico.

7. Os itens "4', "5" e "6" do parágrafo anterior sofreram influência do idealismo absoluto de Hegel e Letze. Os demais itens justificam plenamente alguns dos títulos do liberalismo: modernismo e racionalismo.

8. Como vimos, para o liberalismo Deus está presente em todas as fases da vida e não apenas em alguns eventos espetaculares. Assim, o método de Deus é o caminho da mudança progressiva e da lei natural, e o nascimento virginal de Cristo não condiz com a realidade, pois Deus está presente em todos os nascimentos.

9. Defendendo assim a imanência de Deus, o liberalismo podia aceitar a teoria da evolução, não negando a Deus, todavia, um ato criador, ou seja: Ele teria criado a primeira célula viva, da qual vieram todos os seres viventes, inclusive o homem.

10. O liberalismo reage contra um evangelho individualista, capaz de salvar o homem do inferno e não da sociedade corrompida, e insiste em que o reino de Deus não é além-túmulo e nem milênio, mas sim a sociedade ideal edificada pelo homem com o auxílio de Deus.

11. Na busca duma "sociedade ideal" muitos teólogos se têm inclinado para uma espécie de socialismo cristão, envolvendo-se em movimentos subversivos por acreditarem que as doutrinas de Marx e Engels, se destituídas de seu ateísmo, estariam em melhores condições de atender aos reclamos dos povos pela justiça social de que a própria mensagem evangélica.

C. Sua atuação no Brasil.

1. A entrada do liberalismo no Brasil remonta ao segundo decênio deste século, quando a Imprensa Metodista editou Pontos Principais da Fé Cristã, livro que nega a doutrina da expiação. Depois surgiram inúmeras obras modernistas, inclusive Religião Cristã, traduzida do italiano pelos reverendos, Dr. Alexandre Orechia e Matatias Gomes dos Santos.

2. As primeiras vítimas da teologia liberal em nossa pátria, segundo o falecido reverendo Raphael Camacho, apareceram por volta de 1930, na Faculdade Evangélica de Teologia, no Rio de Janeiro. Muitos livros adotados nesse estabelecimento de ensino religioso eram modernistas, como também o eram quase todos os seus professores.

3. Segundo Raphael Camacho, o rev. Othoniel Motta, professor de Geografia Bíblica, costumava dizer em classe: "Eu sou o pai dos hereges... Eu oro pelos mortos." O rev. Epaminondas do Amaral, professor de exegese do Velho Testa mento, negava tudo o que há de sobrenatural na Bíblia. O rev. Bertolaze Stela escreveu no "Estandarte", em 11/9/41, que todos os manuscritos da Bíblia foram contaminados por grandes mo dificações, e que não há esperança de se encontrar entre eles um texto que esteja próximo dos originais. Em "O Estandarte" de 15/9/53, este mesmo ministro escreveu: "Somente as palavras de Jesus constituem os ensinos e a religião de Cristo... a Bíblia contém a palavra de Deus." e fez suas as palavras do rev. Miguel Rizzo Jr., em A Nossa Mística: "Para uns a suprema autoridade está na Igreja (Católica Romana); para outros, nos espíritos do além (espíritas); para outros nas Escrituras (evangélicos), mas para nós está em Cristo." Eis aqui a heresia chamada cristicismo, que desassocia Cristo da Bíblia e afirma que somente as palavras ditas por Cristo é que são inspiradas.

4. Em 1938 os modernistas se manifestaram mais publicamente, de modo especial no seio da Igreja Presbiteriana Independente, sendo então resistidos pelos fundamentalistas, liderados pelo rev. Camacho. Travou-se acirrada luta doutrinária, luta que levou o rev. Camacho a desligar-se dessa Igreja e a organizar, em 11 de fevereiro de 1940, a Igreja Presbiteriana Conservadora.

5. Também o ex-padre Humberto Rohden, escritor, conferencista e autor de uma tradução do Novo Testamento em português, no seu livro Pelo Prestígio da Bíblia na Era Atômica, faz uma dura arremetida contra o evangelismo bíblico do Brasil e uma exposição das teorias modernistas do pastor batista norte-americano, Harry E. Fosdick.

Parte 03: NOVO MODERNISMO

9. Karl Barth - UM NOVO ORTODOXISMO?

Esta teologia é comumente conhecida por barthianismo, por ter como seu principal autor Karl Barth (1886-1968), considerado o maior teólogo do século XX. Este sistema possui ainda vários outros nomes: teologia dogmática, teologia da crise, neo-ortodoxia, teologia transcendental, modernismo-negativista e teologia de Lund.


Alguns dados sobre Karl Barth

Karl Barth nasceu na Suíça, lecionou teologia nas universidades de Gottingen, Munique e Bonn, mas foi demitido deste último posto pelo governo hitlerista, em 1935. E, por resistir às tentativas do ditador de nazificar a Igreja Reformada da Alemanha, teve seus diplomas de teologia anulados. Com a derrota do nazi-fascismo, recupera sua cátedra em Bonn, de onde mais tarde se transfere para Basiléia. Aposentou-se em 1961 e iniciou a elaboração da sua teologia.

O pragmatismo e a teologia dialética de Karl Barth

Barth abandonou o terreno firme da lógica e ingressou no mundo fabuloso do pragmatismo, doutrina que considera a ação superior ao pensamento e aceita o valor prático como critério da verdade. Hegel passou a aceitar que a presença da verdade está na verdade na síntese, que corresponde ao grau intermediário entre a tese e a antítese.

Barth, ao aplicar esta fórmula ao cristianismo histórico, considerou-o como a tese, o modernismo como a antítese e o novo modernismo como a síntese. Dentro de um esquema teológico dialético coexistem pacificamente doutrinas antagônicas: o certo e o errado, a verdade e a mentira. Daí a teologia de Barth ser também denominada de teologia dialética ou da crise. Violando dessa maneira as regras pelas quais se estabelece se uma tese é verdadeira ou não, o barthianismo acabou negando o caráter absoluto da verdade.

A teologia de Karl Barth manteve alguns pontos de vista ortodoxos

Não se pode deixar de reconhecer que, sob vários aspectos, a teologia de Barth foi um retorno, embora aparentemente, às várias doutrinas bíblicas desprezadas pelo liberalismo, como a Trindade, o nascimento virginal de Cristo, as duas naturezas de Cristo unidas numa só pessoa, conforme aceita pelo Concilio de Calcedônia (ano 451) e pela Reforma Protestante, a salvação somente pela graça e a justificação unicamente pela fé. Em virtude destes pontos de vista, foi o barthianismo chamado também de neomodernismo e neo-ortodoxia. A respeito da pessoa de Jesus, é interessante ler o que Barth escreveu em 1960, em um tempo de revisão da sua própria teologia: e de forma consequente, em todos os seus enunciados, direta ou indiretamente, doutrina de Jesus Cristo como da palavra viva de Deus dita a nós, se é que ela deve fazer jus ao nome que tem bem como edificar a igreja cristã no mundo tal qual ela pretende ser edificada como igreja cristã. Olhando em retrospecto para os meus estágios anteriores, fico me perguntando como foi possível que não aprendi nem disse isso já muito antes. Quão lenta é a Portanto, observamos que na teologia de Karl Barth, procurou-se preservar a cristologia.

ALGUMAS FALHAS DA TEOLOGIA DE BARTH

Mas a teologia de Barth possui falhas seríssimas: a Bíblia não é a Palavra de Deus, apenas a contém. Por isso pode ela ser criticada à vontade. Estabelece um falso contraste entre a autoridade espiritual da Igreja, por ele aceita, e a sua autoridade legal, que rejeita. Assim, deixou a porta aberta à discussão acerca de doutrinas. Segundo esta teologia transcendental, o mundo está cheio de contradições, inclusive na religião. Por isso os seguidores desta escola admitem sistemas que se excluem mutuamente. Um dos seus líderes declarou: Em face do modernismo e da fé histórica, não se deve dizer um ou outro, mas um e outro. Isto equivale a aceitar a doutrina de que Jesus é o único mediador entre Deus e o homem e ao mesmo tempo admitir a mediação de Maria. Um transcendentalista, portanto, assemelha-se a um balconista que vende exatamente o produto que o freguês deseja, seja este freguês cristão histórico ou liberal.

O desabafo de Francis A. Schaeffer

Francis A. Schaeffer narra o desabafo de um ateu sueco, Dr. Hedeinus, professor de Filosofia da Universidade de Uppsala, que chamou os teólogos transcendentalistas de "ateus, disfarçados em bispos e pastores: o cristianismo, não o quero; os seus conceitos não são nem claramente definidos, nem mesmo definíveis; a posição dos seus defensores é mais vacilante do que a minha."


10. Emil Brunner - Cristo Absoluto ou relativo?

Emil Brunner (1889-1966). Teólogo suíço; exerceu grande influência no protestantismo dos Estados Unidos, país onde proferiu diversas preleções. Suas obras foram traduzidas para o inglês antes mesmo que as de Barth. Sintese do pensamento teológico de Brunner A teologia de Brunner, também conhecida por "dialética" e "da crise", descreve a busca da verdade por meio de debates entre as posições contrárias. Brunner acha que há alguma revelação fora da Bíblia, embora não acredite que a teologia natural inclua a teologia revelada, discordando nesse ponto do liberalismo de Barth. Entende que a Bíblia é o único critério pelo qual podemos julgar a verdade e a suficiência do conhecimento acerca de Deus, que se encontra em outros lugares. Diferentemente de Barth, Brunner admite que se pode achar verdade no filósofo, no ateu ou no adepto de seitas não cristãs, assim estabelecendo diálogo com eles, mas reconhecendo que eles não podem possuir suficiente e completo conhecimento verdadeiro de Deus. A teologia Brunniana e Jesus Na teologia brunniana, o dogma de Jesus sem pecado é ato de fé e não base de fé. "Cremos que ele é sem pecado por crermos nele. Não é que cremos nele por causa de Ele ser sem pecado." Brunner nega, além de outros, o nascimento virginal de Cristo, os 40 dias pós-ressurreição, e a ascensão física do Senhor. As questões acima apresentam implicações seríssimas: ao admitir que Jesus Cristo pode ser conhecido historicamente, Brunner faz perder tudo. Na teologia de Brunner, A relação do homem com Deus não pode ser expressa em termos racionais e lógicos, mas apenas em termos de mitos; Qualquer tentativa para provar a revelação está errada;

Acerca do pecado, nega a herança de culpa de Adão, aceitando apenas a queda individual; O cristão deve ser um eterno revolucionário, não se conformando com as reformas sociais, sempre imperfeitas; O amor de Cristo revela o amor humano, que é possibilidade impossível; A queda não modificou a natureza e estrutura essenciais do homem, assim como a cegueira não retira o olho do corpo; No momento em que a pessoa se transcende, surge a memória da perfeição original.

Parte 04: NOVAS CORRENTES TEOLÓGICAS

11. A TEOLOGIA DO MITO

A teologia do mito tem como um de seus principais criadores o teólogo alemão Rudolf Bultmann (1884-1976), que em 1941, numa conferência intitulada "O Novo Testamento e a Mitologia", disse que esta parte das Escrituras está cheia de mitos à luz dos quais se deveriam examinar a pessoa de Cristo e o comportamento da igreja apostólica.

A visão do Bultimann dos escritores do NT

Para Bultmann, todos os escritores do Novo Testamento pensavam e escreviam tendo em vista uma visão global do mundo antigo, no qual havia três divisões: a superior ou invisível, habitada pelos anjos, o mundo sobrenatural de Deus; o mundo inferior, escuro, habitado pelos demônios; e o nosso mundo, que fica entre os outros dois.

Segue-se, portanto, que a revelação vem em símbolos que devem ser decodificados. Para usar o termo de Bultmann, devem ser desmitologizados.

Numa de suas conferências, afirmou Bultmann que hoje "não se pode utilizar a luz elétrica e os aparelhos de rádio, apelar para medicamentos e clínicas modernas quando se está enfermo, e ao mesmo tempo crer nos milagres do Novo Testamento."

De acordo com essa visão, pode-se crer em Jesus Cristo e aceitá-lo como Deus e Salvador sem a necessidade de acreditar no nascimento virginal, na encarnação, no túmulo vazio, na ressurreição e na segunda vinda. Todos estes elementos seriam derivados da mitologia judaica e do gnosticismo helenístico.

Segundo Bultmann, a desmitificação dos evangelhos não significa a eliminação do mito, como procurou fazer a teologia liberal, mas a sua interpretação através de uma hermenêutica particular, sendo eles necessários por oferecerem ao homem condições de perceber o enigmatismo do mundo. Assim, através da sua reinterpretação, o mito seria utilizado como instrumento auxiliar na compreensão da existência humana.

O que é a desmitologização que Bultman propõe?

Em seu questionamento sobre as escrituras, há a necessidade de extrair todo o elemento mitológico, que segundo ele, encobre o entendimento das sagradas escrituras para o homem moderno.

Vê na demitologização, um instrumental importante para a atualização da mensagem bíblica tornado-a compatível com o mundo tecnológico e cientifico que vivemos hoje.

O homem/mulher moderno, embora seja um ser que viva em uma sociedade de muitos símbolos e sinais, precisa decodificar o significado desta vasta simbologia. Carece de um tradutor, ou seja, necessita de uma ferramenta que atualize a linguagem mitológica das Sagradas Escrituras, vigentes à época, para o código de linguagem e a cultura dos nossos dias.

Segundo Bultiman, o uso do processo da demitologização das Escrituras elucida, esclarece e traz nitidez ao leitor, acerca do que realmente a mensagem bíblica quer nos dizer hoje em dia.

Pois para o homem/mulher secularizado os elementos mitológicos das escrituras, fruto de uma cultura passada há quase dois mil e quinhentos anos não fazem nenhum sentido. Devem ser extraídos, sem a perda do conteúdo original, pois sem uma decodificação e uma atualização do sentido, a mensagem não nos diz o porquê, ou pior ainda, pode levar a uma interpretação dúbia e incompreensível.

A Escritura não explica a si mesma, conforme ensina a hermenêutica da Reforma Protestante, mas está sujeita aos métodos modernos da ciência autônoma e às pressuposições filosóficas;

EXAME CRÍTICO DA TEOLOGIA DE BULTIMAN

Bultmann rejeita, por considerá-los mitológicos:

1) Os conceitos neotestamentários de que o reino escatológico está prestes a irromper na história;

2) de que o mundo atual está governado por elementos demoníacos

3) e de que o sobrenatural intervém no mundo, manifestando-se através de milagres. Na sua reinterpretação do evangelho, elimina o sentido original dos termos encontrados no NT e os recria adotando uma nova significação.

Ex. Segundo a visão tradicional, o problema do homem é o seu pecado, segundo o Evangelho, e a solução é o sacrifício de Cristo. Para Bultmann, tal problema é a sua finitude. O uso da filosofia contemporânea para formular a fé cristã pode distorcer o ensino cristão, introduzindo idéias estranhas ao Cristianismo através da reinterpretação da terminologia tradicional, e acomodar a fé cristã à filosofia tradicional; Ao ensinar que a teologia existencialista é antropocêntrica, concorda com Fenerbach de que a teologia tornou-se antropologia; Depois do programa de desmitificação dos evangelhos, o Jesus que sobra é tão débil que jamais chamaria a atenção de alguém, e muito menos motivaria a sua lealdade. Um Jesus assim insignificante tem sido o tema de peças teatrais profanas e irreverentes, como a "Jesus Cristo Superstar", na qual Judas Iscariotes é o verdadeiro herói e Cristo não passa de uma figura covarde, que duvida a todo momento da sua missão; Bultmann ignora por completo o papel do Antigo Testamento na formação do Novo, ao considerar este eivado de mitos e influenciado pelo gnosticismo ou helenismo; A "Sola fide" de Bultmann nada tem de semelhante à de Lutero, que se baseava no testemunho bíblico.

12. A teologia da esperança

Enquanto o Barthianismo era antiescatológico, a teologia da esperança procura levar a sério a história e o futuro, reagindo assim ao existencialismo de Barth e Bultmann, que enfatiza o aqui e o agora.

Principais representantes desta teologia

Três líderes destacados do novo movimento são os teólogos alemães Jürgen Moltmann (Reformado), Wolfhart Pannenberg (Luterano), e Johannes Metz (Católico Romano).

A teologia da esperança tem sido articulada nos Estados Unidos por dois teólogos luteranos, Carl Braaten e Robert Jenson, cujas obras muita coisa têm feito para popularizar o novo movimento.

No Brasil, Rubem A. Alves, com umas poucas revisões dele mesmo, muita coisa fez para converter a teologia da esperança em programa de ação.

Às vezes essa teologia era chamada de futurologia...

Por quê? Por ser um modo de encarar a teologia e as preocupações teológicas da perspectiva do futuro e não do passado ou do presente.

O passado e o presente somente têm valor com referência ao futuro. A realidade ainda não é; está orientada para o futuro.

A questão da existência de Deus pode ser respondida somente no futuro, pois Deus está sujeito ao tempo enquanto este se esforça em direção ao futuro.

A teologia da esperança é caracterizada... Como uma reação ao desespero existencialista, Pela fé no futuro e pelo otimismo, A esperança baseia-se na promessa divina e o cristão suporta as contradições do presente porque vive na expectativa do futuro. Não enxergar uma solução para seus dilemas presentes. Assim, a teologia da esperança acha que não podemos encontrar respostas para as nossas questões atuais na sociedade de hoje. Abrange mais do que geralmente se reconhece tradicionalmente como sendo teologia, falando a rigor. Sua orientação secular permite que seja combinada com qualquer número de matérias, inclusive a política e a biologia. A teologia da esperança vê um esboço para sua exposição nas temáticas escatológicas. Ela entende a realidade a partir de uma perspectiva escatológica.

O movimento também é chamado de teologia futurista. A teologia da esperança reage contra o subjetismo da neo-ortodoxia, visto que sua abrangência vai além do universo pessoal e interior de individuo. Esta teologia se dirige ao mundo como mundo. A teologia da esperança foi a resposta do público a teorias como a que Deus está morto, idéia que foi criada na década de 60. Os teólogos futuristas deixaram para trás o sepulcro criado para Deus. O humanismo dos teólogos de Deus-está-morto veio a ser a sementeira em que a teologia da esperança deitaria raízes.

13. JÜRGEN MOLTMANN O FUNDADOR DA TEOLOGIA DA ESPERANÇA

Jürgen Moltmann nasceu em 18 de abril de 1926 em Hamburgo.

Iniciou seus estudos de teologia numa situação inusitada. Com dezesseis (1943) foi convocado pelo exército alemão onde teve, segundo ele mesmo, “uma carreira breve e sem glória”. Após seis meses na guerra, foi feito prisioneiro no campo de concentração de Northon-Camp, na Inglaterra. Ali se encontravam também alguns professores de teologia que ministravam lições aos seus companheiros; dentre eles, Jürgen Moltmann.
Em 1948 retornou para Alemanha onde deu continuidade nos seus estudos na Universidade de Göttingen até 1952. De 1953 a 1958 exerceu atividades pastorais em Bremen.
Suas especialidades foram: História dos Dogmas e Teologia Sistemática, iniciou sua docência em 1958 passando pela Escola Kirchliche Hochschule de Wuppertal, pela Universidade de Bonn, Universidade de Tübingen, Due University - EUA (no caráter de professor visitante). Depois de Karl Barth, Jurgen Moltomann é considerado o mais conhecido e influente teólogo reformado do século XX".

Parte 05: AS TEOLOGIAS SOCIAIS

1. Na teologia social é ressaltado o conteúdo ético e social da Igreja.

Portanto, nas teologias sociais, analisamos as seguintes questões:

Qual é a realidade social na qual está inserida a igreja?

Qual o papel da igreja junto aos problemas encontrados na sociedade?

Como a Igreja pode ser um instrumento de transformação social?

2. É boa a aproximação entre teologia e ciências sociais?

Alguns teólogos, de perfil, fundamentalista, rejeitam por completo tal aproximação.
Na prática, ocorre o contrário, pois qualquer teologia é feita num ambiente cultural e que a influência.
Ao estabelecer um diálogo com as Ciências Sociais, o teólogo cristão terá, por sua vez, de renunciar sua posição cômoda de considerar sua religião um santuário protegido de críticas.

3. Grandes nomes do evangelho social

Walter Rauschembusch

O evangelho social teve como o seu maior intérprete o pastor Batista Walter Rauschembusch (1861-1918), professor no seminário batista de Rochester, de 1897 até o seu falecimento. Um outro grande nome a lembrar é o do Pastor Martin Luther King, que lutou nos Estados Unidos contra o preconceito racial e a injustiça social contra os negros. Ele foi o responsável por disseminar a prática do protesto não violento, semelhantemente a Gandi.

o Há uma frase de Martin Luter King: "Eu não me preocupo tanto com as palavras dos desonestos e as atitudes dos corruptos. Eu me preocupo muito mais, quando os bons fazem silêncio."

4. O evangelho social na América do sul Na América do Sul, esse movimento pode também ser identificado como a "teologia da libertação", com o propósito comum de estabelecer-se a "justiça social", até mesmo por meio de uma revolução. O sucesso da teologia da libertação na América do sul deve-se aos seguintes fatores:

o Grandes índices de desemprego.

o Diferenças sociais alarmantes.

o Pobreza.

o Diferenças Extremas entre classes sociais.

o A ausência de uma teologia relevante ao contexto da América latina, que nascesse no berço dos países subdesenvolvidos.

5. Em que momento o evangelho social ganha destaque 

A teologia do evangelho social alcançou maior sucesso nos anos seguintes à Primeira Guerra Mundial, pelo fato de se atribuir às injustiças sociais as causas da grande conflagração internacional que ceifou milhões de vidas. Precisamos entender que no evangelho social, a Igreja é o instrumento de libertação para uma sociedade que está inserida numa estrutura social injusta e corrupta.

6. Os três passos básicos da teologia da libertação de Leonardo Boff 

Leonardo Boff
No Brasil, Leonardo Boff, que é um dos principais defensores da TDL, estabelece três passos básicos para a sua TDL:

o Ver: Aqui observamos os problemas sociais existentes e nos tornamos conscientes de sua existência.

o Pensar: Neste passo, teorizamos teologicamente as questões sociais que serão abordadas pela Igreja na sociedade.

o Agir: este é o passo da práxis, da ação, onde os fiéis são convocados para promover mudanças e transformações nas estruturas sociais.

7. O movimento do evangelho social teve o seu lado positivo: 

Procurou levar a Igreja a empenhar-se em atividades mais amplas em favor dos menos favorecidos da sorte, Criticou os governos corruptos e os sistemas ideológicos injustos. Foi uma resposta nova da ética cristã em uma nova situação histórica, pois, particularmente nos Estados Unidos, era grande o número de problemas decorrentes do rápido crescimento industrial. A consciência cristã, assim desafiada, converteu-se numa "consciência social".

8. Nascimento da TDL no Brasil 

A Teologia da Libertação nasceu da influência de três frentes de pensamento:

o O Evangelho Social das igrejas norte-americanas, trazido ao Brasil pelo missionário e teólogo presbiteriano Richard Shaull;

o A Teologia da Esperança, do teólogo reformado Jürgen Moltmann;

o A teologia política que tinha como seus grandes expoentes o teólogo católico Johann Baptist Metz, na Europa, e o teólogo batista Harvey Cox, nos EUA.

9. Eventos que precederam o nascimento da TDL no Brasil 

Há uma série de eventos que precederam o nascimento da Teologia da Libertação:

o 1952: O missionário presbiteriano Richard Shaull chega ao Brasil trazendo o Evangelho Social e cria uma estreita relação com os pastores presbiterianos Rubem Alves e Jaime Wright;

o 1964: O teólogo reformado Jürgen Moltmann publica sua obra Teologia da Esperança;

o 1965: O teólogo batista Harvey Cox publica A Cidade Secular;

o 1967: O teólogo católico Johann Baptist Metz pronuncia a conferência Sobre a Teologia do Mundo;

o O marco do nascedouro da Teologia da Libertação no Brasil, está na publicação de uma obra de Rubem Alves, criticando a teologia metafísica de uma forma geral e propondo o nascimento de novas comunidades de cristãos animados por uma visão e por uma paixão pela libertação humana e cuja linguagem teológica se tornava histórica.

o A primeira participação católica no lançamento da Teologia da Libertação foi a publicação da Teologia da Revolução, em 1970, pelo teólogo belga radicado no Brasil José Comblin.

o Em 1971, Gustavo Gutiérrez publicou Teologia da Libertação. Somente em 1972, Leonardo Boff surge no cenário teológico com a publicação de Jesus Cristo Libertador. Como Rubem Alves estava asilado nos EUA neste período, Boff passou a ser o mais conhecido representante desta corrente teológica que vivia no Brasil, devido à proteção recebida pela ordem dos franciscanos, à qual ele pertencia.

10. Características da TDL

O quadro de degradação apresentado na América Latina é o fundamento gerador do conceito de libertação.

A libertação, então, é toda "ação que visa criar espaço para a liberdade." (BOFF, 1980, p. 87).

o Ser livre, neste sentido, é não estar sob o jugo da lei alheia; é poder construir-se autonomamente.

o O processo histórico da América Latina foi e é dominado por diversas leis e conceitos teológicos estranhas a ela.

o A América do Norte, em especial os EUA, e os países europeus, sempre impuseram aos latino americanos seus valores, suas políticas, sua cultura, etc.

o Neste sentido, a libertação no seio da América Latina, é a luta pela liberdade da cultura, dos valores, da economia, da política latino-americanos, frente às diversas opressões advindas de um modelo imperialista que rege a práxis do hemisfério norte em suas relações com o hemisfério sul, especialmente como o povo latino americano. Devido à pobreza e à nefasta degradação do povo latino-americano, a libertação deve ser entendida como superação de um processo de exclusão; já que esta é a consequência direta da relação norte sul, onde milhões de homens e mulheres empobrecem e se deterioram porque ficam à margem (excluídos) do processo econômico e político norteado pelo capitalismo imposto pelos EUA e Europa. Compete à teologia da libertação a tarefa de discursar sobre Deus a partir da ótica de um processo excludente e a partir da realidade concreta dos excluídos. O teólogo da libertação, portanto, deve ter este duplo olhar: olhar para Deus e olhar para o excluído. Olhar para Deus é a fonte de toda libertação possível e o olhar para o excluído identifica onde há necessidade de libertação. A teologia da libertação deve começar por se debruçar sobre as condições reais em Após a leitura sócioanalítica, o teólogo da libertação deve-se deparar com a Bíblia Sagrada.

o A Bíblia deve fornecer subsídios para que se possa identificar a face de Deus e sua ação libertadora, nos diversos momentos históricos, sob as quais vive o teólogo e seu povo.

o Há, então, no processo de elaboração da teologia da libertação, uma imbricação necessária entre a análise sócio analítica da realidade e a Bíblia Sagrada. Esta última fornece o sentido teológico da práxis libertadora proposta pela teologia da libertação. A teologia da libertação pretende mostrar que Deus não está em uma esfera trans-histórica; mas, ela quer mostrar que Deus encarna-se na história, gera libertação de um povo humilhado, gera vida e esperança a um povo crucificado e sem sonhos.

o Podemos dizer, metaforicamente, que a teologia da libertação anuncia-o como agente dignificador dos humilhados da terra.

o Deus não é mais um conjunto de doutrinas e especulações, mas é a fonte de toda a luta pela justiça e igualdade. Por isso, Deus se manifesta nas lutas históricas pela justiça, pela inclusão e pela superação de toda opressão Eis a face de Deus anunciada pela teologia da libertação: Deus que tira o povo da opressão, da servidão. A teologia da libertação surge para homens e as mulheres devem se relacionar como irmãos e irmãs, sem haver exclusão, sem haver opressão ou sem qualquer tipo de violação da dignidade humana. Lutar pela libertação é valorizar a paternidade universal de Deus, que se manifesta nas relações justas e fraternas entre todos os seres humanos.

11. Porque a teologia da libertação não produziu resultados tão positivos na América latina?

A grande discussão com os teólogos sociais gira em torno do que o homem mais precisa: Alimento para o corpo ou para a alma? Eles acham há uma falta mais da alimentação do corpo do que da alma, ou acha que as pessoas só estão sendo alimentadas bem espiritualmente.

o Os teólogos sociais ensinaram que não adianta a Igreja alimentar espiritualmente sem dar o pão. O problema é que muitos preocuparam-se mais com o pão. As teologias sociais deram muita ênfase aos aspectos materialistas da existência humana. Sabemos que o materialismo sempre teve a tendência de favorecer as bases do ateísmo filosófico, e por isso foi rejeitado por muitas pessoas.

Parte 06:

Texto para debate: A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO - O CRISTIANISMO A FAVOR DOS EXCLUÍDOS

(SUGESTÃO DE LEITURA: Leia este texto de forma crítica, detectando quais são as compatibilidades e incompatibilidades entre as ideias expostas pelo autor e a nossa visão evangélica).

Texto de Alexandre Marques Cabral

Não poucas vezes a teologia cristã se configurou de forma totalmente antiquada em seus discursos e, consequentemente, em seus conceitos. A teologia cristã durante séculos, preocupou-se com o hyperurânio de Platão, com o motor imóvel de Aristóteles, com a cidade de Deus de Agostinho, menos com as problemáticas históricas que fatalmente orientavam a vida social do homem. É comum nos depararmos com textos clássicos da teologia e sermos levados às nuvens, aos céus, como, por exemplo, num texto de Irineu ou de S. Agostinho de Hipona. Mas, qual a razão disto? Isto ocorreu por mera vontade dos teólogos? Certamente, não. O instrumental filosófico utilizado pela teologia cristã A teologia cristã configurou-se de forma retrógrada por muito tempo, devido ao instrumental filosófico que ela utilizou para discursar acerca de Deus. Tal instrumental derivava-se da metafísica clássica que tem como característica formular conceitos anacrônicos, desconsiderando o caráter histórico do homem, ou seja, desconsiderando o homem enquanto ser histórico, que se faz (constrói) no tempo.

Consequências do uso deste instrumental filosófico na teologia

A consequência disto, é que os dados da revelação cristã Bíblia foram entendidos como realidades atemporais e anistóricas. Por isso, por muito tempo certamente, também ainda hoje entendeu-se Deus, Reino dos Céus, inferno, etc., como realidades totalmente transcendentais, totalmente destacadas dos processos e fases históricas da humanidade.

A reação da modernidade ao método tradicional adotado pela teologia cristã.

Esta forma de discurso acerca de Deus foi submetida à crítica com o advento da fortemente criticada a partir da modernidade.

Descobriu-se, após séculos de especulação, a história como característica essencial do homem e a cultura como âmbito de toda construção histórica. Com isso, o pensamento ocidental, largou aquele transcendentalismo metafísico, tornando-se por isso mais imanentista. Isto influenciou fortemente a teologia.

O encontro do homem com Deus chamado pela teologia da GRAÇA passou a ser pensado como realidade histórica: Deus se manifesta ao homem situando-se histórica e culturalmente, ou seja, o encontro de Deus com o homem difere-se na história em suas diversas épocas, e difere-se na pluralidade cultural que se dá no seio da humanidade.

Obviamente, isto gerou uma certa relativização no discurso sobre Deus; porém, valorizou a historicidade como característica essencial do ser humano, além de valorizar a multiplicidade de formas de Deus se apresentar ao homem, superando, assim, o anacronismo clássico metafísico que norteava o pensamento teológico no entendimento da relação homem DEUS.

O nascimento da teologia da libertação e seu contexto histórico.

A chamada Teologia da Libertação está inserida nesta última fase do pensamento ocidental que destacamos acima: a fase da valorização da história, da cultura e da diversidade de formas de manifestação do encontro do homem com Deus. Ela é uma teologia propriamente cristã; por isso, utiliza a Bíblia como pressuposto necessário de seus discursos.

A expressão "teologia da libertação", já mostra o sentido norteador deste discurso teológico. O genitivo que aparece na expressão citada DA LIBERTAÇÃO, mostra-nos que a libertação é o horizonte regulador do discurso acerca de Deus, e, ao mesmo tempo, mostra-nos que o Deus do discurso é fonte de libertação. Esta se manifesta concretamente nos diversos momentos do processo histórico de um povo. Consequentemente, a teologia da libertação torna-se força geradora de ações que viabilizam uma práxis libertadora, segundo as necessidades advindas das diversas circunstâncias sob as quais um povo está submetido.

A teologia da libertação é um movimento teológico que quer mostrar aos cristãos que a fé deve ser vivida numa práxis libertadora e que ela pode contribuir para tornar esta práxis mais autenticamente libertadora. Neste sentido, o cristão é impelido a viver a práxis libertadora nas diversas épocas da história.

Como surgiu o termo libertação

O termo libertação foi cunhado a partir da realidade cultural, social, econômica e política sob a qual se encontrava a América Latina, a partir das décadas de 60/70 do último século. Os teólogos deste período, católicos e protestantes, assumiram a libertação como paradigma de todo fazer teológico.

Vejamos o quadro social da América Latina no período originário da teologia da libertação:

O ambiente político é geralmente caracterizado pela presença de governos que administram o poder arbitrariamente em vantagem dos ricos e dos poderosos, fazendo amplo uso da força e da violência. (...)

O ambiente econômico e social está marcado pela miséria e pela marginalização da maior parte da população.

Os recursos econômicos são controlados por um pequeno grupo de privilegiados. (...)

No ambiente cultural se verifica ainda uma notável dependência da Europa e dos Estados Unidos.

O quadro de degradação apresentado na América Latina é o fundamento gerador do Ser livre, neste sentido, é não estar sob o jugo da lei alheia; é poder construir-se autonomamente.

A América Latina sempre foi influenciada por ideologias externas

O processo histórico da América Latina foi e é dominado por diversas leis estranhas a ela. A América do Norte, em especial os EUA, e os países europeus, sempre impuseram aos latino-americanos seus valores, suas políticas, sua cultura, etc.

Neste sentido, a libertação no seio da América Latina, é a luta pela liberdade da cultura, dos valores, da economia, da política latino-americanos, frente às diversas opressões advindas de um modelo imperialista que rege a práxis do hemisfério norte em suas relações com o hemisfério sul, especialmente como o povo latino americano. Tal relação impõe ao hemisfério sul a cultura do hemisfério norte.

Devido à pobreza e à nefasta degradação do povo latino-americano, a libertação deve ser entendida como superação de um processo de exclusão; já que esta é a consequência direta da relação nortesul, onde milhões de homens e mulheres empobrecem e se deterioram porque ficam à margem (excluídos) do processo econômico e político norteado pelo capitalismo imposto pelos EUA e Europa.

A teologia da libertação discursa sobre Deus a partir da ótica da realidade dos excluídos.

Desta forma compete à teologia da libertação a tarefa de discursar sobre Deus a partir da ótica de um processo excludente e a partir da realidade concreta dos excluídos.

O teólogo da libertação, portanto, deve ter este duplo olhar: olhar para Deus e olhar para o excluído.

Olhar para Deus é a fonte de toda libertação possível e o olhar para o excluído identifica onde há necessidade de libertação.

Olhando para Deus ou Cristo, a teologia da libertação diferencia-se de todo movimento libertador laico, já que a libertação apresentada pela teologia enxerga nos processos históricos a possibilidade de presentificação da nova ordem escatológica anunciada por Cristo, ou seja, o Reino de Deus ordem de justiça e da superação de toda opressão possível, na sociedade e no cosmos.

Ao pretender olhar para o excluído e para o sistema gerador de opressão, como pressuposto de todo fazer teológico, a teologia da libertação difere-se radicalmente das teologias clássicas, pois supera o anacronismo destas, circunscrevendo a experiência de Deus no âmbito do engajamento do fiel na luta contra todo o sofrimento humano historicamente situado.

Compreendendo o fenômeno da opressão e da exclusão

Para que haja elaboração da teologia da libertação é mister que se compreenda os fenômenos da opressão e da exclusão. Estes devem ser compreendidos através de uma mediação sócio. Por isso, a teologia da libertação deve começar por se debruçar sobre as condições 1996, p. 40).

O método utilizado para elucidar sócio analiticamente o fenômeno da opressão e da exclusão pela teologia da libertação, é o método histórico- dialético.

A influência do marxismo na teologia da libertação

O marxismo passa a ser a filosofia predominante na pesquisa sócio analítica feita pela teologia da libertação. Porém, o marxismo é utilizado como instrumento, mas o sentido último da teologia não é Marx, mas Deus.

Após a leitura sócia analítica, o teólogo da libertação deve-se deparar com a Bíblia Sagrada. A Bíblia deve fornecer subsídios para que se possa identificar a face de Deus e sua ação libertadora, nos diversos momentos históricos, sob as quais vive o teólogo e seu povo. Há, então, no processo de elaboração da teologia da libertação, uma imbricação necessária entre a análise sócio analítica da realidade e a Bíblia Sagrada.

Esta última fornece o sentido teológico da práxis libertadora proposta pela teologia da libertação.

Na teologia da libertação a religião é vista como um fator de mobilização a religião passa a ser um Ela passa a ser fonte de libertação e de esperança para o homem.

A religião, desta forma, não se reduz a uma ideologia que mantém o status quo social e político; também não é mais fonte de discursos etéreos.

A teologia da libertação pretende mostrar que Deus não está em uma esfera trans-histórica; mas, ela quer mostrar que Deus encarna-se na história, gera libertação de um povo humilhado, gera vida e esperança a um povo crucificado e sem sonhos.

Deus não é mais um conjunto de doutrinas e especulações, mas é a fonte de toda a luta pela justiça e igualdade. Por isso, Deus se manifesta nas lutas históricas pela justiça, pela inclusão e pela superação de toda opressão vigente na humanidade. "Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão." (Ex. 20.2) Eis a face de Deus anunciada pela teologia da libertação: Deus que tira o povo da opressão, da servidão.

O céu almejado pela humanidade, não é pensado como realidade post mortem. Este céu que fora pensado pela teologia clássica como realidade distante que se manifestaria no porvir, encarna-dignidade humana: cada conquista popular, no que tange a uma relação mais justa entre os homens, presentifica o céu no seio da humanidade.

A teologia da libertação surge para mostrar quer Deus é "Pai-Nosso", portanto os homens e as mulheres devem se relacionar como irmãos e irmãs, sem haver exclusão, sem haver opressão ou sem qualquer tipo de violação da dignidade humana. Lutar pela libertação é valorizar a paternidade universal de Deus, que se manifesta nas relações justas e fraternas entre todos os seres humanos.

Parte 07: Texto para debate- A teologia social de Calvino

1. Introdução Muitos de nós, não conhecem o pensamento teológico social de Calvino, pelo fato dos modernos manuais de teologia não fazerem referencia a tudo o que reformador produziu nesta área especifica. Faremos uma síntese de tudo que Calvino produziu nesta área. A Reforma Protestante ocorrida no século XVI não foi somente um movimento espiritual e eclesiástico. Teve também aspectos e dimensões políticas e sociais. Calvino, bem como os outros reformadores, deu atenção aos problemas sociais de sua época. Talvez pelo fato de ser da segunda geração de reformadores, Calvino podia ter uma visão mais ampla e amadurecida sobre o assunto.

Ele esforçou-se para entender qual deveria ser o papel da Igreja cristã na reconstrução de uma sociedade justa que refletisse a vontade de Deus em termos de justiça social. Essa questão era extremamente aguda para os reformadores, particularmente pelo fato de viverem numa época e numa situação de grandes problemas sociais.

Não é de se admirar que em suas Institutas da Religião Cristã, bem como em seus comentários Calvino frequentemente trata de questões relacionadas com a responsabilidade social da Igreja e do Estado. Duas considerações importantes.

Primeiro. Não devemos dissociar o pensamento social de Calvino da sua teologia. Calvino era acima de tudo um teólogo, um homem da Igreja. Ele não era um político, nem ativista social, mas essencialmente um pastor e um estudioso das Escrituras. Seu pensamento social desenvolveu-se dentro da estrutura de seus pressupostos teológicos e bíblicos.

Calvino construiu a sua teologia social a partir da sua convicção de que Cristo é Senhor de todos os aspectos da vida humana, e de que a Palavra de Deus deve regular todas as áreas da vida.

A segunda consideração. Não devemos dissociar o pensamento social de Calvino da época em que ele viveu. Embora sua teologia social brotasse de princípios bíblicos válidos e atuais para todas as épocas, Calvino só poderia dar-lhes expressão dentro das circunstâncias históricas em que viveu e labutou. Naquela época, a Igreja Católica Romana era o grande poder econômico e político. Prevalecia naquela época o sistema econômico e social medieval e a monarquia como sistema de governo.

2. Genebra na Época de Calvino A cidade de Genebra foi o local onde Calvino passou a maior parte de sua vida, pregando, pastoreando e ensinando. Ali passou momentos de grande popularidade e também de rejeição. Foi ali que sua teologia social amadureceu, à medida em que enfrentava os males sociais que oprimiam Genebra bem como as demais cidades da Europa medieval.

3. O Governo de Genebra Genebra, antes da Reforma e da chegada de Calvino, era um bispado, uma importante cidade. Seu comando estava nas mãos de três autoridades:

O bispo, que era não somente o chefe espiritual da Igreja, o "príncipe de Genebra", como teoricamente, era o soberano da cidade, com poderes para cunhar moedas, comandar a cidade em tempo de guerra, julgar apelações, e perdoar crimes.

Depois vinha o magistrado, incumbido da defesa da cidade, da guarda, e da execução de prisioneiros.

E por fim, o Conselho de Genebra, composto de Conselheiros de entre os moradores da cidade, que julgavam as questões criminais concernentes aos leigos (os pecados dos sacerdotes era competência do bispo), cuidavam do abastecimento da cidade, das finanças da cidade, e mantinham a boa ordem durante a noite através da polícia. Este era o sistema adotado pela maioria das cidades européias católicas. Quando Genebra adotou oficialmente a Reforma (1536), o bispo foi despojado do seu poder, e os Conselheiros assumiram suas funções. Durante o período de bispado em Genebra, a Igreja Católica representada pelo bispo estivera acima do Estado. Com a expulsão do bispo, o Conselho assumiu suas funções, e agora o Estado estava acima da Igreja (agora Reformada). A Igreja permanecia ligada ao Estado, e estava debaixo do poder do Conselho de Genebra (cujos Conselheiros agora eram protestantes), que tinha em suas mãos o poder de disciplinar, designar os pastores, bem como a função de sustentá-los financeiramente.

4. A Situação Social em Genebra Graves problemas sociais afligiam Genebra naquela época (bem como a Europa em geral).

Havia pobreza extrema, agravada por impostos pesados.

Os trabalhadores eram oprimidos por baixos salários e jornadas extensas de trabalho.

Campeava o analfabetismo, e a ignorância; havia aguda falta de assistência social por parte do Estado;

Prevalencia a embriagues e a prostituição.

Destacava-se o vício do jogo de cartas, que levava o pouco dinheiro do povo.

As trevas espirituais características da Idade Média refletiam-se nas condições morais e sociais das massas. Essa era a situação que prevalecia em Genebra antes da chegada da Reforma espiritual, a qual deu lugar, em seguida, a reformas sociais, econômicas e políticas, mesmo antes de Calvino chegar à Genebra.

5. As Mudanças Introduzidas por Farel em Genebra Guilherme Farel foi o grande líder destas mudanças em Genebra. Sob sua influência, o Conselho da cidade cria o Hospital Geral no antigo Convento de Santa Clara, para dar atendimento médico aos pobres. O Conselho também passou a regulamentar a vida dos seus cidadãos:

Proíbem-se as danças de ruas, a polícia é mobilizada para manter a ordem nas ruas, são promulgadas leis que regulamentam o uso dos bares, que proíbem jogo de cartas, blasfemar o nome de Deus, e servir bebidas durante o horário do sermão.

Torna-se proibido vender pão e vinho a preços acima dos estipulados; são proibidos todos os dias santos, à exceção do domingo. Passa a ser obrigatório a todos os cidadãos de Genebra irem ouvir o sermão de domingo, sob pena de pesadas multas. E a instrução pública se torna obrigatória, pela primeira vez na Europa.

6. As reações as mudanças trazidas por Farel Evidentemente, nem todos em Genebra estavam satisfeitos com as pesadas proibições impostas pelos Conselheiros, que por sua vez, seguiam a Farel. As leis, por demais severas, que excedem os limites do razoável, provocam insatisfação, mesmo entre crentes verdadeiros.

7. É neste momento de mudanças que Calvino chega a Genebra Foi a esta altura que Calvino chegou a Genebra. Ele estava apenas de passagem pela cidade. Seus planos eram de prosseguir em frente e achar um local tranquilo onde pudesse estudar e escrever. Tinha na época 27 anos de idade, e havia acabado de publicar a primeira edição das Institutas. Quando Farel soube que Calvino estava na cidade foi visitá-lo, e instou com o jovem teólogo a que ficasse ali em Genebra, para ajudá-lo no trabalho de reforma. É conhecida a história de como Calvino, após ter apresentado toda sorte de desculpas, finalmente rendeu-se, aterrorizado pela maldição que o velho reformador invocou sobre ele, em caso de recusa. Assim, ele ficou, para ajudar Farel a solidificar as reformas eclesiásticas e sociais em Genebra. Em breve, Genebra iria tornar-se o centro espiritual e social da Reforma protestante na Europa. Foi ali em Genebra, trabalhando como pregador, mestre e pastor na Igreja de Genebra, e lidando com as questões sociais mencionadas acima, que Calvino desenvolveu sua teologia social. No que se segue, procuraremos sintetizar seus pontos principais, concentrando-nos no que Calvino ensinou como sendo a responsabilidade social da Igreja de Cristo.

8. O Ensino de Calvino

A causa dos males sociais Fundamental para entendermos o pensamento de Calvino nesta área é termos em mente que para ele as causas da pobreza, miséria e a opressão, bem como da perversão e da corrupção da sociedade humana, estavam enraizadas na natureza decaída do homem, que por sua vez, remonta-se à Queda no Éden. Este princípio é crucial no entendimento de Calvino. Para ele, o pecado do homem havia trazido toda sorte de transtorno à ordem social: Pela queda do homem foi demolida toda ordem social, e em Adão tudo foi amaldiçoado por Deus, como está escrito em Romanos 8.20-23, onde Paulo afirma que a criação de Deus está em cativeiro imposto pelo pecado do homem. A queda do homem introduziu perturbações profundas na sociedade humana, incluindo distúrbios na vida conjugal e familiar. Para Calvino, o caos econômico é causado pela ganância dos homens, e pela incredulidade de que Deus haverá de nos suprir as necessidades básicas, conforme Cristo nos promete em Mateus 6. Calvino denuncia neste contexto, pecados sociais como: Estocagem de alimentos (trigo), monopólios, e a especulação financeira, como tendo origem no egoísmo e na avareza do homem. Ele denunciava aqueles que preferiam deixar deteriorar-se o trigo em seus celeiros, para que ali fosse devorado por bichos, e apodrecesse, ao invés de ser vendido, quando a necessidade do povo se fazia sentir. Por identificar biblicamente a raiz dos transtornos sociais, Calvino estava em posição de elaborar uma solução que atingisse o problema em seus fundamentos.

O Senhorio de Cristo Um segundo princípio que norteava a teologia social de Calvino era que o Cristo vivo e exaltado é Senhor de todo o universo. Os milagres que Ele exerceu sobre a ordem natural (acalmar a tempestade, por exemplo; ou tirar uma moeda da boca do peixe) demonstram esta realidade, diz Calvino. Portanto, a obra de restauração realizada por Cristo não se limita apenas à nova vida dada ao indivíduo, mas abrange a restauração de todo o universo o que inclui a ordem social e econômica. Desta forma, a atenção de Calvino como pastor e mestre, se estendeu para além das questões individuais e "espirituais". Se Cristo era o Senhor de toda a existência humana, era dever da Igreja dar atenção às questões sociais e políticas.

A Restauração da Sociedade Para Calvino, a restauração inaugurada por Cristo ocorre inicialmente no seio da Igreja. É na Igreja que a ordem primitiva da sociedade, tal qual Deus havia estabelecido, tende a ser restaurada. Na Igreja, as diferenças exacerbadas entre as classes sociais, econômicas e raciais, bem como os preconceitos delas procedentes, desaparecem, pois Cristo de todos faz um único povo (Gl 3.28; Ef 2.14). Calvino não concebia a total abolição das classes sociais. Ele concebia a coexistência harmônica entre a Igreja e instituições como o Estado, a sociedade e a família, com as suas respectivas estruturas e funcionamento.

É na Igreja, porém, que as relações sociais de trabalho sofrem profundas alterações, ensina o reformador. Os patrões continuam patrões, mas aprendem a exercer sua autoridade sem opressão, ao passo que os empregados (que continuam empregados) aprendem a serem subordinados sem recriminação. Na Igreja, diz Calvino, Jesus Cristo estabelece entre os cristãos a justa redistribuição dos bens destinados a todos. Isto se dava através da atividade diaconal, trazendo alívio para as necessidades dos pobres e oprimidos, com recursos vindos dos ricos e abastados. Quando Calvino falava em restauração social, ele tinha em mente uma sociedade civil governada por cristãos reformados, que aplicassem os princípios bíblicos às questões sociais, políticas e econômicas. Ou seja, um Estado que fosse orientado pela Igreja no exercício de suas funções.

Para Calvino a reforma social não é perfeita, pois os efeitos do pecado não são todo eliminados. É também importante notar que para Calvino a reforma da sociedade não é completa nem perfeita, visto que os efeitos do pecado não são de todo eliminados na presente época. É uma restauração parcial, portanto. Ela não consegue estabelecer plenamente a justiça no mundo presente. Ao mesmo tempo, ela não abole determinados aspectos da ordem social: permanece a hierarquia determinada por Deus entre o homem e a mulher, o patrão e o empregado, os pais e seus filhos.

Quando ocorrerá então a completa reforma da sociedade? A plena abolição dos distúrbios agora presentes da ordem social (as injustiças, a opressão, a corrupção, por exemplo) só se efetuará plenamente no Reino de Deus, no fim dos tempos, para o qual marcha toda a história dos homens e do universo. Sua vinda será precedida por convulsões cósmicas. Então, Jesus Cristo regressará em glória, e o príncipe deste mundo será aniquilado. Assim, será então estabelecido o novo céu e a nova terra, onde habitam plenamente a justiça (2 Pe 3.13; cf. Is 65.17; 66.22; Ap 21.1). Portanto, para Calvino, a Igreja é uma antecipação do reino de justiça a ser introduzido por Cristo em sua vinda. Como tal, ela funciona no presente como uma sociedade provisória, governada pelas leis de Cristo. Embora já refletindo estes ideais, a Igreja ainda não o faz de forma perfeita, o que ocorrerá apenas no fim dos tempos.

9. A Responsabilidade Social da Igreja Quais as responsabilidades da Igreja nesta restauração provisória da sociedade?

Podemos resumir o ensino de Calvino em três aspectos fundamentais. Segundo ele, a Igreja tinha um ministério didático, um político, e um social. Ministério Didático Esse ministério da Igreja era para ser exercido através dos seus pastores e mestres. Consistia na instrução pública e particular, através de sermões e orientação individual, quanto ao ensino bíblico sobre a administração dos bens outorgados por Deus ao Estado e ao indivíduo. Em outras palavras, Mordomia Cristã. A ênfase do ministério didático: a questão do trabalho e do descanso. Tomemos como exemplo a questão do trabalho e descanso. De acordo com Calvino, a Igreja deveria através do ministério regular de seus pastores, instruir seus membros no ensino das Escrituras sobre o assunto. Em suas Institutas Calvino escreveu o que possivelmente foi o seu ensino em Genebra sobre o trabalho: só Deus alimenta o homem dele vem as forças e as condições para que o homem trabalhe, e com seu suor, compre seu pão. O trabalho, portanto, é algo eminentemente digno pois é a realização da vontade de Deus para o homem. Assim, o homem não se realiza plenamente, senão no trabalho, pois foi para isto que foi criado e vocacionado conforme está escrito em Gênesis 1 e 2. O pecado tirou a alegria e a graça que acompanhava o trabalho no início. A queda introduziu no mundo e na sociedade humana os distúrbios sociais relacionados com o trabalho (Gênesis 3). Mas, em Cristo o homem reencontra a alegria e o gosto do labor.

Quanto ao descanso, Calvino insistia que era necessário proporcionar aos trabalhadores um dia de descanso, o sábado cristão, que é o domingo, conforme sua interpretação do quarto mandamento (Êxodo 20.8-11). O descanso físico, porém, está intimamente ligado ao espiritual sem Cristo, não há descanso verdadeiro no domingo. Assim, Calvino via a profanação do domingo como a origem da corrupção do trabalho. Segundo ele, é necessário cessarmos dos nossos labores, como Deus cessou dos dele (He 4.3).

O que fez o conselho de Genebra? Assim, conforme Farel já havia orientado, o Conselho de Genebra, debaixo da influência de Calvino, aboliu todos os feriados católicos e determinou que no domingo cessasse todo labor em Genebra. A função do púlpito no ministério didático? Através do púlpito, exercendo o seu ministério didático, a Igreja então levantava o ânimo moral do trabalhador assegurando-lhe que mesmo os trabalhos mais humildes são honrados por Deus, e que Deus assim determinou que pelo trabalho o homem encontrasse sua vocação na vida. E que em Cristo, o trabalhador encontraria a alegria e a satisfação que deveriam acompanhar o labor diário.

Havia um outro aspecto do ministério didático da Igreja que consistia em repreender, através das pregações, os membros que estivessem incorrendo em pecados sociais:

Assim, os pastores de Genebra, orientados por Calvino, denunciavam do púlpito a prática da cobrança de juros excessivos por parte dos agiotas. Da mesma forma denunciavam a vadiagem. Vadiagem e parasitagem é pecado, ensinava Calvino. Para ele, quando Deus criou o homem e o ordenou cultivar a terra, condenou com este gesto a ociosidade e a indolência. Não há nada mais oposto à ordem da própria natureza do que consagrar a vida à beber, comer, e dormir, sem indagar sobre o que fazer (Sl 128.3; 2 Ts 3.10-12).

Calvino também falava contra o desemprego causado pela ganância dos ricos. Privar um homem do seu trabalho é pecado contra Deus, pois trabalho é dom de Deus, e o dever que ordenou ao homem, ensinava Calvino. É tirar-lhe a vida, pois os trabalhadores pobres dependem dia a dia do seu labor para o pão com se sustentam e às suas famílias ao contrário dos ricos, que têm propriedades, reservas, etc. Assim, promover o desemprego, na opinião de Calvino, seria um atentado à vida do pobre, e, portanto, um pecado contra o mandamento "Não matarás". Esse era o primeiro aspecto da responsabilidade social da Igreja no pensamento de Calvino, ou seja, instruir seus membros, pela pregação da Palavra, acerca dos princípios bíblicos sobre o trabalho e o descanso.

Ministério Político Ao lado do Estado, a Igreja tinha um outro ministério, na teologia social do reformador, a saber, o ministério político. Para entendermos melhor o que Calvino tem a dizer sobre isto, vamos primeiro entender seu pensamento sobre a relação entre a Igreja e o Estado. A relação entre a Igreja e o estado. Podemos resumi-lo no que Calvino tem a dizer sobre Romanos 13.1-7, uma passagem onde o apóstolo Paulo menciona as autoridades e nossos deveres para com elas. Para Calvino, a Igreja e o Estado são duas instituições procedentes de Deus (Rm 13.1-2); são instrumentos de Deus para a vinda do Seu Reino na terra. A Igreja constitui-se como as primícias deste Reino vindouro, como já vimos; o Estado, por sua vez, deve manter a ordem provisória na sociedade humana. Portanto, existem entre as duas instituições laços duráveis e essenciais, e não simples relações ocasionais. Qual a missão do Estado no pensamento de Calvino? Ainda com base em Romanos 13, Calvino sustenta que 1: O Estado deveria manter a ordem na sociedade (conforme sua interpretação de 1 Tm 2.1-2); 2: Prover o sustento da Igreja; 3: e promover os meios necessários para que haja a pregação fiel da Palavra de Deus entre os cidadãos. Ou seja, usando o poder civil dado por Deus, as autoridades deveriam envidar todos os esforços para que a religião verdadeira prevalecesse na terra. O estado não devia gerenciar os negócios da igreja. Porém, para Calvino isto não implica qualquer ingerência do Estado nos negócios da Igreja. O Estado faz estas coisas através de uma boa legislação que garanta a livre pregação da Palavra de Deus. A edificação da Igreja se faz apenas pela pregação da Palavra no poder do Espírito, e não pela interferência do poder do Estado. E aqui Calvino critica os demais reformadores que desejavam uma união entre Igreja e Estado, e que o Estado tomasse conta dos negócios da Igreja (como ocorreu parcialmente na Alemanha).

Qual seria então a missão política da Igreja? Em primeiro lugar, orar pelas autoridades constituídas (1 Tm 3.1-2). E isto, em qualquer país em que os cristãos se encontrassem, independente da forma de governo daquele pais, por mais hostis que as autoridades fossem, para que se convertam e venham ao bom senso, assim como Jeremias exortou os cativos a que orassem pela Babilônia (Jr 29.7). Em segundo lugar, a Igreja deveria, quando necessário, advertir as autoridades, quando estas esquecessem o senso divino do seu ofício, quando abusassem do poder, quando cometessem injustiça, quando tolerassem injustiças contra os pobres, os fracos e os oprimidos. Se a Igreja cessar de vigiar o Estado, diz Calvino, ela se torna cúmplice da injustiça social, cessando de cumprir sua missão política. Em terceiro lugar, a Igreja também deveria, como parte de sua tarefa, tomar a defesa dos pobres e fracos contra os ricos e poderosos. Ela deveria consistentemente alertar o Estado a que proteja os fracos, os oprimidos e explorados pelos ricos, os que não possuem poder político ou econômico, e não têm proteção social. Neste sentido, a Igreja deve sempre denunciar ao Estado, os ricos que exploram a miséria alheia em tempo de calamidade, os que tiram partido da sua situação social ou oficial para se enriquecerem e se porem a coberto. Calvino entendia que estas atitudes eram apropriadas para a Igreja pois refletiam o ensino da lei de Moisés e do ministério dos profetas, ao denunciarem a opressão social em Israel. Em quarto lugar, a Igreja deveria recorrer à autoridade do Estado na aplicação de sanções disciplinares, e solicitar do Estado as medidas necessárias para a manutenção da ordem e da justiça social. Em resumo, o ideal reformado era este: uma Igreja politicamente livre, inteiramente dependente da Palavra de Deus, em um Estado que lhe respeite e lhe favoreça o ministério. Ministério Social O outro aspecto da responsabilidade social da Igreja era a assistência social. A Igreja, segundo a teologia social de Calvino, deveria envolver-se ela mesma no cuidado dos pobres, dos órfãos e das viúvas enfim, dos necessitados. E isto sem fazer distinção entre os da igreja e os de fora. Ou seja, a assistência social da Igreja deveria contemplar inclusive os estrangeiros e refugiados que chegavam a Genebra.

Qual o órgão responsável pelo ministério social da igreja? O órgão encarregado do ministério social da Igreja, diz Calvino, é o diaconato. Foi Calvino quem primeiro resgatou esta função bíblica do ofício diaconal. Ele ensinou que os diáconos eram ministros eclesiásticos, encarregados de toda a assistência social da Igreja (Atos 6.1-7), e como tal, deveriam ser eleitos conforme as regras estabelecidas por Paulo em 1 Timóteo 3.8-13. Até hoje em algumas igrejas Reformadas a administração financeira da Igreja e o uso dos recursos para a assistência aos pobres e necessitados é atribuição da junta diaconal.

As ações diaconais básicas na teologia social de calvino O diaconato, como braço do ministério social da Igreja, se desenvolve em três ações básicas, segundo Calvino:

1) Administração dos bens destinados à comunidade. A igreja recebia recursos para a assistência social de duas fontes: a generosidade dos fiéis nas coletas levantadas para este fim aos domingos, e o tesouro do Estado, através do Conselho de Genebra, que votava verbas para este fim. Estes recursos eram recebidos e administrados pelos diáconos.

2) Distribuição de forma justa e igual entre os necessitados. Os diáconos cuidavam que todos os genuinamente carentes tivessem participação igual nos bens destinados aos pobres. Num ambiente marcado pela opressão social e pelas desigualdades, os diáconos certamente tinham muito trabalho a ser feito, e necessitavam de muita sabedoria para faze-lo.

3) Visitação e cuidado dos doentes. As guerras, a falta de saneamento público, as epidemias, a falta de assistência médica do Estado, e a pobreza, deixavam um saldo enorme de pessoas doentes. O ministério dos diáconos incluía o cuidado para com estas pessoas, utilizando-se quando necessário dos recursos da Igreja. Uma observação importante. É necessário observar que no pensamento de Calvino o ministério social da Igreja era de apoio ao Estado. Cabia ao governo civil cuidar dos pobres, doentes e necessitados. Mas, como se tratava de uma tarefa de enormes proporções, a Igreja vinha como apoio e auxílio, dando ela mesma assistência social onde necessário.

A Prática Social de Calvino em Genebra Persuadido por Farel, Calvino se deixa ficar em Genebra para auxiliar nas reformas necessárias. Logo ficou claro que, para ele, isto incluía ir além das reformas eclesiásticas. Debaixo de sua influência, a Igreja passa a agir de forma marcante na vida social e política da cidade. Aquilo que ele expõe em suas Institutas procurou aplicar de forma prática às necessidades de Genebra. O diaconato é organizado e entra imediatamente em ação. O Hospital Geral, fundado por Farel, dá assistência médica gratuita aos pobres, órfãos e viúvas, com médicos de plantão pagos pelo Estado. É criada a primeira escola primária obrigatória da Europa. Os refugiados chegados a Genebra recebem treinamento profissional e assistência médica e alimentar, enquanto se preparam para exercer uma profissão. Os pastores intercedem continuamente diante do Conselho de Genebra em favor dos pobres e dos operários.

O próprio Calvino intercedeu várias vezes por aumentos de salários para os trabalhadores.

Os pastores pregavam contra a especulação financeira, e fiscalizavam parcialmente os preços contra a alta provocada pelos monopólios.

Debaixo da influência dos pastores, o Conselho limita a jornada de trabalho dos operários.

A vadiagem é proibida por leis: vagabundos estrangeiros que não tem meios de trabalhar, devem deixar Genebra dentro de três dias após a sua chegada. E os vagabundos da cidade devem aprender um ofício e trabalhar, sob pena de prisão. O Conselho institui cursos profissionalizantes para os vadios e os jovens, para que ele possam entrar no mercado de trabalho. E finalmente é digno de nota que havia uma vigilância da parte de Calvino e demais pastores de Genebra contra a má administração pública. Houve inclusive o caso de um funcionário corrupto que foi despedido por influência de Calvino. O próprio Calvino levava uma vida modesta, apesar de todo o seu prestígio e influência. Na prática, procurou viver intensamente os princípios que defendera em sua teologia social. A sua influência estendeu-se além do seu tempo.
A influência da teologia social de Calvino sobre os puritanos e as confissões de fé. Os Puritanos, autores da Confissão de Fé de Westminster e dos dois Catecismos, foram profundamente influenciados pelo ensino de Calvino, e sua teologia social não foi exceção. No capítulo sobre o Magistrado Civil (Cap. XXIII) a Confissão de Fé reflete: 

a) O ensino de Calvino sobre a vocação social e política dos cristãos (par. 2),

b) A independência da Igreja do Estado, para gerir seus próprios interesses,

c) E o dever do Estado de proteger a Igreja cristã (par. 3),

d) O dever do Estado de assistir e proteger os necessitados independentemente das convicções religiosas dos mesmos (par. 3),

e) Bem como o dever dos cristãos de honrar e de submeterem-se ao Estado (par. 4). Um outro exemplo são as contínuas referências à questões sociais e econômicas nestes símbolos da fé reformada. A exposição no Catecismo Maior do sexto mandamento, "Não matarás", inclui como deveres exigidos "... a justa defesa da vida contra a violência... o uso sóbrio do trabalho e recreios ... confortando e socorrendo os aflitos, e protegendo e defendendo o inocente". Como pecado, são incluídos "... a negligência ou retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação da vida ... o uso imoderado do trabalho .... a opressão .... e tudo que tende à destruição da vida de alguém".

10. Conclusões Augusto Nicodemos conclui esta discussão com duas observações sobre o ensino social de Calvino.

Primeiro, a teologia social calvinista estava profundamente enraizado em sua teologia e em sua interpretação das Escrituras. Era fruto de suas convicções teológicas. Portanto, é impossível entender as reformas sociais que empreendeu em Genebra sem os pressupostos da sua teologia.

Segundo, o pensamento social de Calvino tem produzido abundante fruto na história da humanidade, após a Reforma. Muitas das universidades, escolas, e asilos de que temos notícia foram fundados por calvinistas. Boa parte das críticas feitas contra os calvinistas, de que são levados à inércia e paralisia social por causa de sua ênfase na soberania de Deus em detrimento da responsabilidade humana, simplesmente revela um desconhecimento (proposital?) dos fatos e uma ignorância do que seja o Calvinismo.

E finalmente, cabe-nos perguntar em que sentido uma teologia social calvinista poderia nos ajudar hoje, aqui e agora, no Brasil. Evidentemente existem profundas diferenças culturais, políticas e religiosas entre a Suíça do século XVI e o Brasil do século XXI. Mas existem muitas semelhanças também, particularmente no que se refere aos problemas sociais. Além do mais, os princípios elaborados por Calvino para atender às questões sociais e econômicas são válidos para nós hoje, pois são bíblicos. Quer na Suíça medieval, quer no Brasil moderno, permanece como verdade imutável o fato de que a raiz da opressão social é espiritual e moral, como Calvino apregoou. Bem como o fato de que Jesus Cristo é o Senhor de todas as coisas, em todos os lugares, e em todas as épocas, e que seu reino se estende à política, à sociedade e à economia tanto de genebrinos quanto de brasileiros. Assim, creio que a Igreja evangélica brasileira (especialmente os reformados) deveria envolver-se em todos estes aspectos, usando os meios apropriados, lícitos e legais para protestar, advertir e resistir à injustiça social, usando a pregação da Palavra para chamar ao arrependimento os governantes corruptos, os ricos opressores e os pobres preguiçosos, e exercitando obras de misericórdia e assistência social através de uma diaconia treinada e motivada. Todo este envolvimento social deve acontecer sem perder de vista que a missão primordial da Igreja é promover a reforma (parcial e provisória) da sociedade através da proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, aguardando os novos céus e a nova terra onde habita a plena justiça de Deus.

Parte 08: A teologia evolucionista

11. A TEOLOGIA EVOLUCIONISTA 

Considerada por seus fundadores e críticos como uma nova interpretação do Gênesis, a teologia evolucionista aceita o darwinismo como verdadeira ciência. Quanto à nossa origem, acreditam os teólogos evolucionistas que Deus realmente nos criou, não da maneira narrada pelo Gênesis, mas na forma primitiva de uma simples célula viva, e isso há algumas centenas de bilhões de anos.

Argumentam que dessa primitiva e única célula originou-se todo o reino vegetal e animal. Daí para cá aceitam integralmente o evolucionismo. Essa corrente teológica prosperou muito mais no seio do catolicismo romano do que no protestantismo.

Até o papa, no caso Paulo VI, em declaração através do L'Observatore, afirmou que os teólogos dentro da Igreja Católica Romana deveriam ter a permissão de admitir que o homem evoluiu gradualmente de algum organismo primitivo. Sugere o órgão do Vaticano que os primeiros capítulos da Bíblia não devem ser interpretados do ponto de vista histórico e natural. Não é difícil descobrir as bases da teologia evolucionista. A Bíblia ensina que duas coisas, entre outras, deveriam acontecer em nossa época: progresso da ciência e diminuição da fé:



"Tu, porém, Daniel, encerra as palavras e sela o livro, até ao tempo do fim; muitos o esquadrinharão, e o saber se multiplicará" (Dn 12.4). "Digo-vos que depressa lhes fará justiça. Contudo, quando vier o Filho do homem, achará porventura fé na terra?" (Lc 18.8)

"E, por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase todos" (Mt 24.12). A cada novo sucesso, a ciência, se propõe a ir um pouco mais além, e realmente tem ido. A ciência moderna planeja criar vida em laboratório, realizar clonagens humanas e selecionar e congelar genes humanos para futuras procriações em condições artificialmente preparadas. Qual o papel da fé num contexto como este?

12. O que foi publicado na revista "Isto É"

No dia 27 de Dezembro de 1999, a revista Época publicou um artigo intitulado Rastros de Deus. Nesse artigo, Martha San Juan França teve o objetivo de demonstrar que há lugar para a fé na ciência moderna. Em todo o artigo seu maior objetivo foi mostrar as duvidosas possibilidades de se crer somente na Teoria Evolucionista de Darwin, ou, no relato bíblico de Gênesis a respeito das origens (sobretudo, do homem). Sendo assim, Martha tentou evidenciar a coerência e possibilidade de se crer numa teologia evolucionista. Segunda Martha, na era da interdisciplinaridade, teólogos que abraçaram a ciência e cientistas que buscam algo mais do que os cálculos matemáticos, discutem também a integração entre os dois campos.

Parte 09: Teologia relacional - Um novo deus no mercado

1. Introdução

As ondas gigantes que provocaram a tremenda catástrofe na Ásia no final de dezembro de 2004 afetaram também os arraiais evangélicos, levantando perguntas acerca de Deus, seu caráter, seu poder, seu conhecimento, seus sentimentos e seu relacionamento com o mundo e as pessoas diante de tragédias como aquela. Dentre as diferentes respostas a essas perguntas, uma chama a atenção pela ousadia de suas afirmações: Deus sofreu muito com a tragédia e certamente não a havia determinado ou previsto; ele simplesmente não pôde evitá-la, pois Deus não conhece o futuro, não controla ou guia a história, e não tem poder para fazer aquilo que gostaria. Esta é a concepção de Deus defendida por um movimento teológico conhecido como teologia relacional, ou ainda, teísmo aberto ou teologia da abertura de Deus.

A teologia relacional, como movimento, teve início em décadas recentes, embora seus conceitos sejam bem antigos. Ela ganhou popularidade por meio de escritores norte-americanos como Greg Boyd, John Sanders e Clark Pinnock. No Brasil, estas idéias têm sido assimiladas e difundidas por alguns líderes evangélicos, às vezes de forma aberta e explícita. A teologia relacional considera a concepção tradicional de Deus como inadequada, ultrapassada e insuficiente para explicar a realidade, especialmente catástrofes como o tsunami de dezembro de 2004, e se apresenta como uma nova visão sobre Deus e sua maneira de se relacionar com a criação.

2. Seus pontos principais podem ser resumidos desta forma:

1. O atributo mais importante de Deus é o amor. 

Todos os demais estão subordinados a este. Isto significa que Deus é sensível e se comove com os dramas de suas criaturas.

2. Deus não é soberano. 

Só pode haver real relacionamento entre Deus e suas criaturas se estas tiverem, de fato, capacidade e liberdade para cooperarem ou contrariarem os desígnios últimos de Deus. Deus abriu mão de sua soberania para que isto ocorresse. Portanto, ele é incapaz de realizar tudo o que deseja, como impedir tragédias e erradicar o mal. Contudo, ele acaba se adequando às decisões humanas e, ao final, vai obter seus objetivos eternos, pois redesenha a história de acordo com estas decisões.


3. Deus ignora o futuro, pois ele vive no tempo, e não fora dele. 

Ele aprende com o passar do tempo. O futuro é determinado pela combinação do que Deus e suas criaturas decidem fazer. Neste sentido, o futuro inexiste, pois os seres humanos são absolutamente livres para decidir o que quiserem e Deus não sabe antecipadamente que decisão uma determinada pessoa haverá de tomar num determinado momento.

4. Deus se arrisca. 

Ao criar seres racionais livres, Deus estava se arriscando, pois não sabia qual seria a decisão dos anjos e de Adão e Eva. E continua a se arriscar diariamente. Deus corre riscos porque ama suas criaturas, respeita a liberdade delas e deseja relacionar-se com elas de forma significativa.

5. Deus é vulnerável. 

Ele é passível de sofrimento e de erros em seus conselhos e orientações. Em seu relacionamento com o homem, seus planos podem ser frustrados. Ele se frustra e expressa esta frustração quando os seres humanos não fazem o que ele gostaria.

6. Deus muda.

Ele é imutável apenas em sua essência, mas muda de planos e até mesmo se arrepende de decisões tomadas. Ele muda de acordo com as decisões de suas criaturas, ao reagir a suas próprias decisões. Os textos bíblicos que falam do arrependimento de Deus não devem ser interpretados de forma figurada. Eles expressam o que realmente acontece com Deus. Estes conceitos sobre Deus decorrem da lógica adotada pela teologia relacional quanto ao conceito da liberdade plena do homem, que é o ponto doutrinário central da sua estrutura, a sua "menina dos olhos".

De acordo com a teologia relacional, para que o homem tenha realmente pleno livre arbítrio, suas decisões não podem sofrer qualquer tipo de influência externa ou interna. Portanto, Deus não pode ter decretado estas decisões e nem mesmo tê-las conhecido antecipadamente. Desta forma, a teologia relacional rejeita não somente o conceito de que Deus preordenou todas as coisas (calvinismo) como também o conceito de que Deus sabe todas as coisas antecipadamente (arminianismo tradicional). Neste sentido, o assunto deve ser entendido, não como uma discussão entre calvinistas e arminianos, mas destes dois contra a teologia relacional. Vários líderes calvinistas e arminianos no âmbito mundial têm considerado esta visão da teologia relacional como alheia ao Cristianismo.

3. A teologia relacional traz um forte apelo a alguns evangélicos, pois diz que Deus está mais próximo de nós e se relaciona mais significativamente conosco do que tem sido apresentado pela teologia tradicional. Segundo os teólogos relacionais, o Cristianismo histórico tem apresentado um Deus impassível, que não se sensibiliza com os dramas de suas criaturas. A teologia relacional, por sua vez, pretende apresentar um Deus mais humano, que constrói o futuro mediante o relacionamento com suas criaturas. Os seres humanos são, dessa forma, coparticipantes com Deus na construção do futuro, podendo, na verdade, determiná-lo por suas atitudes. Contudo, a teologia relacional não é novidade. Ela tem raízes em conceitos antigos de filósofos gregos, no socinianismo (que negava exatamente que Deus conhecia o futuro, pois atos livres não podem ser preditos) e especialmente em ideologias modernas, como a teologia do processo. O que ela tem de novo é que virou um movimento teológico composto de escritores e teólogos que se uniram em torno dos pontos comuns e estão dispostos a persuadir a igreja cristã a abandonar seu conceito tradicional de Deus e a convencê-la que esta "nova" visão de Deus é evangélica e bíblica.

Mesmo tendo surgido como uma reação a uma possível ênfase exagerada na impassividade e transcendência de Deus, a teologia relacional acaba sendo um problema para a Igreja Evangélica, especialmente em seu conceito sobre Deus. Embora os evangélicos tenham divergências profundas em algumas questões, reformados, arminianos, wesleyanos, pentecostais, tradicionais, neopentecostais e outros, todos concordam, no mínimo, que Deus conhece todas as coisas, que é onipotente e soberano. Entretanto, o Deus da teologia relacional é totalmente diferente daquele da teologia cristã. Não se pode afirmar que os adeptos da teologia relacional não são cristãos, mas que o conceito que eles têm de Deus é, no mínimo, estranho ao Cristianismo histórico. Ao declarar que o atributo mais importante de Deus é o amor, a teologia relacional perde o equilíbrio entre as qualidades de Deus apresentadas na Bíblia, dentre as quais o amor é apenas uma delas. Ao dizer que Deus ignora o futuro, é vulnerável e mutável, deixa sem explicação adequada dezenas de passagens bíblicas que falam da soberania, do senhorio, da onipotência e da onisciência de Deus (Isaías 46.10a; Jó 28; Jó 42.2; Salmo 90; Salmo 139; Romanos 8.29; Efésios 1; Tiago 1.17; Malaquias 3.6; Gn 17.1 etc.). Ao dizer que Deus não sabia qual a decisão de Adão e Eva no Éden, e que mesmo assim arriscou-se em criá-los com livre arbítrio, a teologia relacional o transforma num ser irresponsável. Ao falar do homem como co-construtor de Deus de um futuro que inexiste, a teologia relacional esquece tudo o que a Bíblia ensina sobre a queda e a corrupção do homem. Ao fim, parece-nos que na tentativa extrema de resguardar a plena liberdade do arbítrio humano, a teologia relacional está disposta a sacrificar a divindade de Deus. Ao limitar sua soberania e seu pleno conhecimento, entroniza o homem livre, todo-poderoso, no trono do universo, e desta forma, deixa-nos o desespero como única alternativa diante das tragédias e catástrofes deste mundo e o ceticismo como única atitude diante da realidade do mal no universo, roubando-nos o final feliz prometido na Bíblia. Pois, afinal, poderá este Deus ignorante, fraco, mutável, vulnerável e limitado cumprir tudo o que prometeu? Com certeza a visão tradicional de Deus adotada pelo cristianismo histórico por séculos não é capaz de responder exaustivamente a todos os questionamentos sobre o ser e os planos de Deus. Ela própria é a primeira a admitir este ponto. Contudo, é preferível permanecer com perguntas não respondidas a aceitar respostas que contrariem conceitos claros das Escrituras. Como já havia declarado Jó há milênios (42.2,3): "Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado. Quem é aquele, como disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na verdade, falei do que não entendia; cousas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia."

Parte 10: A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE- UMA RESPOSTA À TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO?

1. Introdução

O IBGE trouxe uma constatação chocante para a ideologia dos propagadores da teologia da prosperidade no Brasil... Foi comprovado, no último censo de 2006, que os evangélicos são os que mais contribuem com a sua religião, apesar disso, são os religiosos mais pobres do País. Ou seja, essa teologia na prática não funciona.

Bem, com a palavra os pregadores da prosperidade!

Essa é uma das doutrinas principais pregada por todos esses movimentos. Trata-se de uma substituição do Evangelho da Graça, Oral Roberts, um dos principais pregadores dessa heresia, chegou a escrever um livro É comum ouvimos da boca dos pregadores da prosperidade coisas do tipo: uma frase dessas pode até pode parecer ortodoxa. Mas, o que muitos talvez é ser pobre, ter dificuldades financeiras, ficar doente etc.

T.L Osborn, ensina em seu livro “Curai Enfermos e Expulsai Demônios”, que Paulo jamais esteve doente contradizendo o seguinte texto: E, posto que a minha enfermidade física na carne vos foi uma tentação, contudo, não me revelastes desprezo nem desgosto; antes, me recebestes como anjo de Deus, como o próprio Cristo Jesus.” É interessante saber que Osborn no começo de seu ministério se apoiou em líderes heréticos como William Marrion Branham.

T. L. Osborn, no folheto intitulado Um Homem Chamado William Branham, escreveu o seguinte: "Esta geração está incumbida: uma geração na qual Deus tem caminhado em carne humana na forma de um Profeta. Deus tem visitado seu povo. Porque Um grande Profeta Tem-se Levantado entre Nós" Osborn trata a pessoa de Branham como se fosse o próprio Deus. Em outro lugar no mesmo folheto, diz: "Deus tem enviado o irmão Branham no século 20 e tem feito a mesma coisa. Deus em carne, novamente passando por nossos caminhos, e muitos não o conheceram. Eles tampouco o teriam conhecido se tivessem vivido no tempo em que Deus cruzou seus caminhos no corpo chamado Jesus, o Cristo."

A teologia da prosperidade une o fútil ao desagradável, ou seja, é uma mistura de ganância e comodismo. Os adeptos da teologia da prosperidade acham que nós temos direito de reivindicarmos o que quisermos de Deus, esquecendo da soberania divina. Cito abaixo alguns textos bíblicos, que refutam esse evangelho falso, que promete ao homem uma vida de prosperidade material, atiçando-lhe a ganância.

Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; (Mat.6.19,20) de que nascem inveja, provocação, difamações, suspeitas malignas, altercações sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade, supondo que a piedade é fonte de lucro. De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores. Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão.(1Tim.6.4-11)

Com o intuito de entender como a aspiração por bens materiais se relaciona com a cosmovisão política dos neopentecostais, tentaremos num primeiro momento esclarecer, ainda que de forma muito breve, o desenvolvimento da Teologia da Prosperidade e, num segundo momento, ilustrar, a partir do exemplo da Igreja Universal do Reino de Deus IURD, uma das denominações de mais rápido crescimento na América Latina nas duas últimas décadas, como esta doutrina foi apropriada e difundida neste subcontinente, para então discorrermos sobre sua participação na política.

2. A base doutrinária

A Teologia da Prosperidade pode ser considerada como um desdobramento do fundamentalismo norte-americano, o qual, após a crise de 29, reorienta sua ética em favor de uma maior participação na esfera pública, devido, em boa medida, ao aumento de seus contingentes e, por via de consequência, de seu peso eleitoral; para orientar suas práticas, sob a égide da Guerra Fria, desenvolvem inicialmente a doutrina do Milenarismo, calcada na perspectiva escatológica. Foi desenvolvida de duas maneiras: a primeira, compreendida como pós-milenarista, consiste na crença de que se os fiéis adotarem uma ética solidária durante mil anos, Jesus voltará para julgá-los e premiá-los. Daí sua ênfase na ajuda mútua, na devoção, na filantropia. Desta convicção compartilham os assim chamados Evangelicals, como Billy Graham e Jimmy Carter. Esta compreensão foi pouco a pouco sendo considerada utópica, donde uma segunda corrente interpretativa, a do pré-milenarismo. Nesta versão, não cabe aos crentes tentar melhorar a situação do mundo, pois a decadência faz parte dos planos de Deus. A ruína precede a segunda vinda de Cristo, que virá para conduzir os eleitos até os céus, e depois retornará para com eles dominar a Terra, para julgar os descrentes e premiar os fiéis. Isto explica sua recusa às políticas sociais ou a qualquer sorte de filantropia, pois os males sociais são vistos como castigo divino aos infiéis; portanto, a pobreza dos hispânicos e dos negros (cujo atendimento era financiado pelos "laboriosos brancos") só seria superada pela sua conversão (born again). É neste contexto que se organiza a Maioria Moral, cujo objetivo era influenciar a política tendo em vista a recristianização da América. Esta influência é perseguida através da evangelização em massa, com uso intenso dos meios de comunicação. É desta corrente que surge uma outra variante, segundo nossa compreensão, mais radical ainda, qual seja, a Teologia do Domínio, que pretende transformar o mundo através de suas elites dirigentes. Para tanto, deve-se conquistar o poder através das suas instituições oficiais, mas, fundamentalmente, formar as elites de amanhã. É por isto que, além de investirem na Igreja Eletrônica, criam universidades e escolas para educar os "seus" jovens. A Liberty University é o exemplo paradigmático desta tendência: ministra-se ali um ensino rigorosamente científico, com disciplinas e conteúdos seculares. São jovens que, em regime de internato, preparam-se para, quando profissionais, resistirem à sedução da modernidade, o que lhes garantirá uma vitória cultural nos Estados Unidos e depois, em todo o planeta.

Segundo Stoll, a convicção de ter a elite norte-americana um papel especial no plano de Deus, levou a que muitos crentes aderissem, de forma ainda mais entusiástica, à pregação da doutrina em todo o mundo, mensagem acompanhada por um anticomunismo virulento, visto como representante de Satanás na Terra. Contra ele, a principal virtude do capitalismo deveria ser difundida, ou seja, a prosperidade e o espírito de iniciativa. Dentre as três, é esta última a mais difundida na América Latina, e quiçá, em todos os demais continentes. A Teologia da Prosperidade ou Confissão Positiva teve sua origem na década de 40 nos Estados Unidos, sendo reconhecida como doutrina na década de 70, quando se difundiu pelo meio evangélico. Possuía um forte cunho de auto-ajuda e valorização do indivíduo, agregando crenças sobre cura, prosperidade e poder da fé através da confissão da "Palavra" em voz alta e "No Nome de Jesus" para recebimento das bênçãos almejadas; por meio da Confissão Positiva, o cristão compreende que tem direito a tudo de bom e de melhor que a vida pode oferecer: saúde perfeita, riqueza material, poder para subjugar Satanás, uma vida plena de felicidade e sem problemas. Em contrapartida, dele é esperado que não duvide minimamente do recebimento da bênção, pois isto acarretaria em sua perda, bem como o triunfo do Diabo. A relação entre o fiel e Deus ocorre pela reciprocidade, o cristão semeando através de dízimos e ofertas e Deus cumprindo suas promessas.

3. UMA TEOLOGIA DE RICOS PARA OS POBRES: O CASO DA IURD

Esta estrutura de pensamento pode ser encontrada nos livros do bispo Edir Macedo, fundador e principal líder da IURD, nas décadas de 80, 90 e ano de 2001. Nesta denominação, os pastores afirmam que só não é abastado quem não quer: as bênçãos estão ao alcance de todos mediante a fé, inclusive com a alteração radical de realidades miseráveis em vidas prósperas; porém, se alguém tiver qualquer envolvimento direto ou indireto com o Diabo ou não estiver disposto a "sacrificar" para a obra de Deus, não será agraciado. Este mecanismo permite explicar porque muitos fiéis não alcançam a graça.

Segundo Gomes, o termo "graça" pode ser traduzido pela posse de bens em vista de sua fruição, sinal da natureza bondosa de Deus. Contra a Sua vontade, antepõe-se um elemento perturbador, o Diabo, o qual, embora inferior em seu poder, interfere nesta relação, para confundir os fiéis e impedi-los de usufruir dos bens. Não é portanto primordialmente o pecado (individual ou social) que impede a posse dos bens, mas o Diabo, que age segundo seu próprio arbítrio, contra quem o crente deve lutar. Uma vez que a responsabilidade fica por conta do fiel e do Diabo, cria-se uma linha de tensão entre a posse da bênção e a atuação diabólica. Por estas razões de ordem doutrinária, a dinâmica Benção Diabo Posse, e, em outro extremo, a vontade de Deus, é que a Teologia da Prosperidade corrobora com o anseio de acomodação ao mundo de certas lideranças, com a possibilidade de mobilidade social para alguns fiéis e com a manutenção de um status já adquirido para outros, sem o sentimento de culpa. Em vez de ouvir num sermão que "é mais fácil um camelo atravessar um buraco de agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus" (Mateus 19,24 e Marcos 10,25), agora a novidade reside na possibilidade de desfrutar de bens e riquezas, sem constrangimento e com a aquiescência de Deus. Para os afortunados, esta abordagem traz alívio; para os pobres, o direito de possuir como filho de Deus. Segundo Edir Macedo, Jesus veio pregar aos pobres para que estes se tornassem ricos. Arrependimento e redenção, tema central no Cristianismo, e as dificuldades nesta vida para o justo de Deus são temas raramente tratados. Por isso, na busca da bênção, o fiel deve determinar, decretar, reivindicar e exigir de Deus que Ele cumpra sua parte no acordo; ao fiel compete dar dízimos e ofertas. A Deus cabe abençoar.

Macedo ensina como proceder: Comece hoje, agora mesmo, a cobrar d'Ele tudo aquilo que Ele tem prometido (...) O ditado popular de que 'promessa é divida' se aplica também para Deus. Tudo aquilo que Ele promete na sua palavra é uma dívida que tem para com você (...) Dar dízimos é candidatar-se a receber bênçãos sem medida, de acordo com o que diz a Bíblia (...) Quando pagamos o dízimo a Deus, Ele fica na obrigação (porque prometeu) de cumprir a Sua Palavra, repreendendo os espíritos devoradores (...) Quem é que tem o direito de provar a Deus, de cobrar d'Ele aquilo que prometeu? O dizimista! (...) Conhecemos muitos homens famosos que provaram a Deus no respeito ao dízimo e se transformaram em grandes milionários, como o sr. Colgate, o sr. Ford e o sr. Caterpilar. (MACEDO, Vida com Abundância, p. 36)

E prossegue: Ele (Jesus) desfez as barreiras que havia entre você e Deus e agora diz volte para casa, para o jardim da Abundância para o qual você foi criado e viva a Vida Abundante que Deus amorosamente deseja para você (...). Deus deseja ser nosso sócio (...). As bases da nossa sociedade com Deus são as seguintes: o que nos pertence (nossa vida, nossa força, nosso dinheiro) passa a pertencer a Deus; e o que é d'Ele (as bênçãos, a paz, a felicidade, a alegria, e tudo de bom) passa a nos pertencer. (MACEDO, Vida com Abundância, pp. 25,85-86)

Ao estabelecer esta relação de reciprocidade com Deus, o que ocorre é que Ele, Deus, fica na obrigação de cumprir todas as promessas contidas na Bíblia na vida do fiel. Torna-se cativo de sua própria Palavra. Devido a essa abordagem, a Teologia da Prosperidade é alvo de muitas críticas entre os pastores evangélicos, que alegam ser tal mensagem dirigida propositadamente a um contingente pobre que busca alívio para suas aflições. Ainda, que esta doutrina busca confrontar Deus e diminuir sua soberania, pois é o fiel quem define qual seja a vontade de Deus e não o contrário.

Nas palavras do pastor batista Isaltino Coelho: Há poucos meses, ocorreu em Brasília um congresso que mostrava os princípios para enriquecer. Um dos temas foi "Como se apossar das riquezas dos incrédulos" (...). A teologia da prosperidade quer tirar a cruz do crente (...). Não se trata de masoquismo espiritual. Isto é uma lei da vida. No mundo há sofrimentos (...). A teologia da prosperidade é alienante, parcial, injusta, setorial e elitista. A ideia de que riquezas pessoais são resultado de nossa espiritualidade agrada muito a quem tem bens. (Isaltino Gomes Coelho, pastor batista, Raio de Luz n. 91, 1993)

Ao entender a Teologia da Prosperidade como injusta, cremos que o pastor citado está considerando os muitos pobres, que durante longo tempo de suas vidas buscarão compreender porque as bênçãos exigidas de Deus não ocorreram. Eles terão de lidar com a angústia por terem falhado ou permitido que o Diabo roubasse sua graça. Ou seguir os conselhos de Edir Macedo: Nós ensinamos as pessoas a cobrar de Deus aquilo que está escrito. Se Ele não responder, a pessoa tem de exigir, bater o pé, dizer 'tô aqui, tô precisando'. (MACEDO, Folha de S. Paulo, 20/6/1991).

O tema da prosperidade faz-se bastante presente também nos cultos da IURD e programas de TV. Uma das técnicas utilizadas pela Igreja é a da repetição das mensagens nas pregações: normalmente, versam sobre prosperidade financeira versus ação diabólica. Ação que passou a ser denominada ao longo do ano de 2001 de encosto: termo bastante genérico para classificar diversos males espirituais e que também possui conotações pejorativas para as religiões afro-brasileiras. Isto pode ser entendido como uma mudança de estratégia na abordagem acerca das artimanhas satânicas: o universo religioso a ser atacado continua sendo o mesmo, porém, sem agredir frontalmente aqueles que participam de cultos espíritas, de umbanda ou candomblé. Numa programação diária, a Rede Record exibe o programa "Ponto de Luz Sessão Espiritual de Descarrego", em que o pastor e apresentador exorta os que assistem sobre os perigos de acabar se tornando vítima de um encosto, sujeição muito comum, e ter a vida comprometida por estes espíritos. A ênfase recai sobre uma vida anterior e sem prosperidade financeira, e a experiência atual, após tornar-se membro da Universal, em que o entrevistado declara ter havido melhora em seu padrão de consumo. Subjaz no discurso um deslocamento que relega os fatores sociais como conseqüências históricas, em favor da disputa, por Satanás, do Reino de Deus. Os problemas sociais são bastante enfocados, porém, sem assumir ares de mudanças conquistadas pelos próprios homens, porque as "desgraças" ocorridas no dia a dia ou até mesmo os valores sociais dominantes são fruto de uma atuação maléfica. Para explicar e enfrentar tal atuação, estão os homens escolhidos por Deus. Segundo Kepel, são homens com capacidade de inscrever os fatos acontecidos no mundo numa sucessão de causalidades obedientes a um plano de Deus do qual eles seriam os intérpretes por excelência (...).

No discurso da IURD e em suas mensagens, autorizadas pelos fiéis porque reconhecidas pelos mesmos como provenientes de Deus, é visível esta tendência de mergulhar-se em um mundo somente espiritualista que reforça a figura do Diabo no inconsciente da coletividade; coletividade esta que luta todo o tempo contra o que não vê, mas que está à sua volta: o Diabo; e purifica-se através do exorcismo: uma expulsão pública do Mal que habitava o corpo do fiel.

A este propósito devemos lembrar, mais uma vez, que segundo a doutrina da IURD, o indivíduo não é exatamente a sede do pecado, o que exigiria dele o arrependimento, mas uma vítima da ação maligna: o ato de pecar não deriva de sua escolha, mas o Mal é fruto do encosto que atrapalha a sua vida, em especial a financeira, sinal de bênção. Essas práticas remontam a uma tradição de demonologia da época medieval, contudo, a perseguição empreendida contra Satanás se dá, hoje, numa expulsão pública e violenta que expõe o possesso como a vítima canalizadora do Mal, e não necessariamente um indivíduo que fez um pacto com o Diabo. Num mundo que agoniza mediante as constantes lutas entre o Bem e o Mal, todos somos vítimas em potencial, sem responsabilidade pelos nossos atos, uma vez que vivemos à mercê de um conflito espiritual. Segundo Macedo, o mero contato ou aproximação com espíritas, por exemplo, pode acarretar em possessão demoníaca. Novamente é enfatizada a figura do Diabo, cuidadosamente construída através da Pedagogia do Medo.

Medo, porque a satanização dos acontecimentos desenvolve estruturas emocionais no fiel que em tudo vê não a mão de Deus, ou a responsabilidade de seus atos sobre o curso da sua história, mas do Diabo, que acaba por tornar-se um referencial de comportamentos socioculturais. Para a cura das doenças, solução para o casamento, prosperidade financeira e tantos outros problemas é necessário o exorcismo, que trará o milagre e a libertação. O próprio Macedo admite que, pelo menos na hora em que ocorre o exorcismo, a pessoa fica curada. Ser curado ou adquirir livramento pela expulsão de Satanás é um ritual necessário, pois, conforme Macedo, a mera recusa em aceitar a atuação de um demônio pessoal é um indício de possessão. Desta feita, Deus, na IURD, é um instrumento nas mãos do fiel. Ironicamente, Ele, Deus, deve ser obediente e cumprir todas as exigências feitas pelo fiel, principalmente daquele que paga o dízimo: Tudo que fazemos, seja correntes ou campanhas, é com espírito de luta, exigindo de Deus (grifo nosso) aquilo que Ele nos prometeu. (MACEDO, Mensagens, p. 22)

A relação que se estabelece agrega um forte simbolismo ao dinheiro: o fiel propõe trocas com Deus para conseguir a bênção desejada. Cabe ao fiel demonstrar revolta diante de Deus e "de dedo em riste" exigir que as promessas bíblicas se cumpram. A Terceira Onda ou Neopentecostalismo se caracteriza exatamente por este tipo de relacionamento do fiel com Deus, inspirada na Teologia da Prosperidade: o cristão tem direito a tudo de bom e de melhor neste mundo. Nas palavras de Macedo: A Bíblia tem mais de 640 vezes escrita a palavra oferta. Oferta é uma expressão de fé. Se Deus não honrar o que falou há três ou quatro mil anos, eu é que vou ficar mal. (MACEDO, O Globo, 29/4/1990).

Neste discurso, a soberania de Deus é compartilhada pelo fiel na relação de troca. É incentivado que o fiel se acomode ao mundo das novas tecnologias, acumule riquezas, more melhor, possua carro e não tenha sentimento de culpa por não negar o mundo; pelo contrário, a conduta ascética tem diminuído entre os pentecostais desde a década de 70. Na relação de troca o fiel dá o dízimo, ofertas, participa das campanhas: É necessário dar o que não se pode dar. O dinheiro que se guarda na poupança para um sonho futuro, esse dinheiro é que tem importância, porque o que é dado por não fazer falta não tem valor para o fiel e muito menos para Deus. (MACEDO, Isto É Senhor, 22/11/1989). E tem a garantia dos pastores de que Deus cumprirá sua parte: Ele ficará na obrigação de cumprir Sua Palavra. (MACEDO, Mensagens, p. 23). E ainda, O ditado popular de que 'promessa é dívida' se aplica também a Deus. (CRIVELLA, 501 Pensamentos do Bispo Macedo, p. 103)

A ênfase na necessidade de dízimos e ofertas é explicada pelos líderes da IURD: caso o fiel não alcance o sucesso almejado, a responsabilidade e a falha são suas: É certo que muitas pessoas neste mundo são ricas, mesmo sem possuírem Deus no coração. Vencem, entretanto, porque confiam na força do seu trabalho, e por isso, são possuidoras de uma riqueza honesta e digna. (...) Reafirmo que nossa vida depende de nós mesmos. (MACEDO, Mensagens, pp. 27, 22).

Algumas das características do discurso iurdiano denotam a recomendação de autoconfiança; o fiel deve crer nele mesmo, em sua capacidade individual. A estratégia oferecida pela IURD, baseada na Teologia da Prosperidade, estimula o membro da igreja a ser participativo nos cultos em relação a ofertas e dízimos e reivindicar perante Deus aquilo que lhe pertence por direito. Se todo o discurso sobre espiritualidade vem atrelado à intervenção do Diabo, quando se trata de dinheiro, o fiel tem de ir à luta e buscar a Deus com revolta, que neste caso, assume um sentido de inconformidade com a própria situação: doença, pouco dinheiro, ser empregado assalariado, etc., e é Deus quem tem que assumir Sua posição diante do fiel: a IURD assim o exige. Porque Deus é obrigado como em um contrato a fazer sua parte; Ele é pago para isto! Depende apenas de você o que será feito de sua vida, pois quem decide nosso destino somos nós mesmos. Não são as outras pessoas; não é Deus, nem o Diabo. (...) Não adianta ficar só jejuando ou orando. É preciso buscar o que você quer; fazer a sua parte, e então falar ousadamente com Deus, revoltado com a situação. Você deve dar o primeiro passo, pois Deus não o fará por você. (MACEDO, Mensagens, p. 28)

As doações em dinheiro ou bens são presentes colocados no altar de Deus, logo, para uma grande bênção, um valioso presente! A fé é um instrumento de troca; uma mercadoria, e nesta relação "toma lá, dá cá", a imagem de Deus torna-se mais próxima e trivializada, em oposição à doutrina difundida pelo protestantismo histórico e pelo catolicismo tradicional, a partir da qual reverência e submissão são enfatizadas. Dependendo do grau de interesse do ofertante, o presente, por mais caro que seja, ainda assim se torna barato diante daquilo que está proporcionando ao presenteado. Quando há um profundo laço de afeto, ternura e amor entre o que presenteia e o que recebe, o presente nunca deve ser inferior ao melhor que a pessoa tem condições de dar. (MACEDO, O Perfeito Sacrifício: o significado espiritual do dízimo e ofertas, p. 12)

O fiel deve sacrificar o "seu tudo". A IURD tem uma campanha em que estimula o fiel a doar o máximo que puder na espera da bênção. Muitas pessoas dão tudo o que têm naquele momento de sua vida: uma caderneta de poupança, o dinheiro para comprar comida, o dinheiro para o ônibus, e assim por diante. Aqueles que vêem as doações das ofertas com maus olhos, ou seja, do ponto de vista meramente mercadológico, principalmente do lado da Igreja, também têm dificuldades para compreender a razão da vinda do Filho de Deus ao mundo. (...) haja vista que a oferta está intimamente relacionada com a salvação eterna em Cristo Jesus. (MACEDO, O Perfeito Sacrifício: o significado espiritual do dízimo e ofertas, p. 14)

O adepto é conclamado a concorrer por melhores condições num mundo de extrema desigualdade social. E ainda tem de assumir uma responsabilidade a mais: a de ter sucesso, senão sua vida pode estar comprometida com as forças malignas ou com sua própria incapacidade de gerenciar suas possibilidades. Há muitas oportunidades para aqueles que vivem nos bolsões de pobreza? É onde se encontram muitas igrejas da Universal. Mas, mesmo assim, é preciso "sacrificar" diante de Deus e, de preferência, em dinheiro: Aqueles que examinam o custo do sacrifício jamais sacrificarão uma grande oferta, e aqueles que não sacrificam para a obra de Deus jamais conquistarão qualquer vitória. (CRIVELLA, 501 Pensamentos do Bispo Macedo, p. 21). 

Colocado nestes termos, é o fiel quem decide: Tudo depende de você. Se perseverar, automaticamente conquistará as bênçãos de Deus. E assim, entrará na terra prometida. (MACEDO, Mensagens, p. 21).

E a igreja administra a sua doação: A árvore proibida, no paraíso, representava o dízimo, isto é, a parte de Deus na qual o homem não podia sequer tocar, embora pudesse regá-la e fazê-la crescer. (CRIVELLA, 501 Pensamentos do Bispo Macedo, pp. 99-100). Já ao fiel cabe expulsar Satanás, participar das correntes de prosperidade, ler sobre como muitos irmãos conseguiram resultados exigindo de Deus o que têm direito. De resto, aquele que não alcançar uma bênção, não dará testemunho nem será citado nos livros.

4. A VISÃO BÍBLICA E TEOLÓGICA

Encontramos no Antigo Testamento pelo menos dez diferentes palavras da língua hebraica que pertencem ao mesmo campo de significado, a saber: prosperar, ter êxito e sucesso, sair-se bem, fazer crescer, fortalecer, pacificar, ser frutífero, fartar-se e riqueza. Portanto, a Bíblia tem seu próprio conceito de prosperidade. Como este conceito é tão diferente da maioria dos atuais, é necessário que estejamos atentos e abertos à antiga, porém sempre correta, proposta bíblica. O que é prosperar? Como a prosperidade, prioritariamente, não é obter vantagens pessoais ou ganhar dinheiro, como a Bíblia trata este assunto? Vejamos alguns exemplos:

1. O profeta Ezequiel relaciona prosperidade para a casa de Israel com a videira que dá frutos (Ez. 17.1-10; cf.Sl. 1.3);

2. Quando Josué assumiu a liderança do povo, em lugar de Moisés, Deus lhe fez algumas instruções decisivas que definem a prosperidade: ser forte e corajoso, não temer e andar nos seus caminhos (Js. 1.1-9);

3. Na oração de Neemias encontramos uma outra definição de prosperidade: praticar a misericórdia, isto é, ser bondoso e leal para com Deus e os seus semelhantes (Ne. 1.11);

4. Muitos textos bíblicos definem o êxito e sucesso na vida com a conduta sábia, o discernimento e a perspicácia no trato com a instrução de Deus (Dt. 29.9; 1 Rs. 2.3; Ec. 10.10; 11.6);

5. Trazer paz ao mundo também pode ser considerada uma atitude de sucesso (Sl. 122.6-7);

6. O povo de Deus entendia que fazer o bem e agir corretamente na vida era ser próspero (Jó 21.13; Sl. 106.5);

7. Uma definição bíblica que resume todas as demais é a seguinte: o próspero é uma pessoa que imita o agir de Deus. O Salmo 1 encontra esta pessoa. É o justo.

Evidentemente, toda a Bíblia proclama que Deus é a causa direta da prosperidade dos justos (Gn. 39.3,23; Is. 48.15; Ez. 17.9-10; Ne. 2.20). Entretanto, Deus usa uma pedagogia, isto é, um jeito correto e instrutivo para nos dar a sua ajuda e sua graça.

Assim, a Bíblia mostra que a prosperidade do povo de Deus vem:

o Pelo sofrimento e pela graça de Deus (Is. 53.10), que ensina que o começo de todo bem sucedido empreendimento humano reside na capacidade da pessoa para sofrer;

o Pela fidelidade e lealdade a Deus e ao povo de Deus (Jr. 13.7-10; Dn. 6.9);

o Pela busca do temor do Senhor (I Cr. 26.5);

o Pela prática da justiça (Sl. 1.3);

o Pela posse (descida) do Espírito de Deus (Jz. 14.6; 19; 15.14).

É possível que estejamos repetindo conceitos e definições, porém a Bíblia é uma testemunha instrutiva. Ela, através de suas reportagens, nos oferece pistas para obtermos sucesso na vida. Nela aprendemos que, em primeiro lugar, a obtenção de prosperidade é precedida de pedido, apelo, por parte da pessoa interessada (Sl. 118.25); segundo, através de uma vida de piedade e fidelidade à instrução de Deus (Js. 1.7-8; Dt. 29.9; I Cr.31.21); terceiro, através da insistente busca de sabedoria (Ec. 2.21; 11.6).

Também encontramos na Bíblia alguns textos que tratam a prosperidade de forma bastante negativa. Para os autores bíblicos, a prosperidade como ganho, sucesso e êxito nos empreendimentos da vida conflita com os princípios básicos da fé.

Dois textos ilustram estes princípios:

1. Porque prosperam os malvados? (Jr. 12.1-6) Ao lermos este texto, percebemos que ele é um corpo constituído de duas partes: na primeira, o profeta faz. Em tom de queixa, uma tremenda acusação contra Deus (vv. 1-4); na Segunda parte, temos uma dura resposta de Deus (vv. 5-6). Este tipo de diálogo apimentado, entre o profeta e Deus, nós o encontramos em Habacuque (1.2; 2.4) e constitui a preocupação central do livro de Jó.

A questão geradora da queixa de Jeremias é: Porque os ímpios prosperam? Diante disso, o profeta abre um processo jurídico contra Deus: Eu vou abrir um processo contra Ti (v. 1 a). O surpreendente, aqui é que ele acusa Deus de ter permitido, com seu silêncio, o Domínio dos malfeitores sobre os justos (comparar Ha. 1.2-4; 12-17).

Sua justificativa tem dois tipos de argumento: O primeiro é direto: Apesar de serem desleais (v. 1b), usarem dos feitos de Deus para encobrirem suas más ações, (v.2), provocarem a destruição dos animais e aves (v.4 a) e propagarem mentiras sobre Deus (v. 4b), esses malvados (como lobos vestidos de cordeiros) prosperam e gozam de tranquilidade (v. 1b) e o segundo é indireto: O profeta justifica sua acusação, mencionando algumas consequências danosas e provocadas pelos prósperos ímpios: primeiro, a gula de prosperidade alimenta e multiplica a deslealdade (v. 1b); segundo, a ansiedade pelo lucro fácil não tem limites, agredindo e destruindo a natureza a flora e a fauna (v. 4 a) a ponto de justificar seus atos com uma mentira, Deus não vê o nosso futuro (v. 4b).

O pequeno diálogo se encerra de modo surpreendente para o profeta: o pior estava por vir. Aqui, o profeta não recebe uma resposta satisfatória e tranquilizadora para o problema do mal e do sofrimento, provocado pelas pessoas prósperas, que ele experimentava na própria carne.

2. A prosperidade dos ímpios incomoda os crentes (Sl. 37.1-40). Este Salmo mostra outro exemplo da crise de fé causada pela prosperidade das pessoas más, egoístas, violentas, opressoras e descrentes. A maior parte do Salmo é admoestação (vv. 1-11 e 22-40). O restante trata das descrições do inimigo (vv.12-15), do justo e do ímpio (vv.16-26).

O salmista busca orientar, animar e sustentar a esperança do crente fiel para que este se mantenha firme diante de toda provocação causada pela prosperidade dos ímpios (vv. 10.39-40).

Diante do sucesso dos malvados, o salmista recomenda:

o Não te exasperes, não invejes (v.1);

o Confia no Senhor e faze o bem, habita a terra e cultiva a fidelidade, põe tuas delícias no Senhor, confia teu caminho ao Senhor e nele espera, descansa no Senhor e espera nele, não te exasperes, acalma a ira, reprime o furor (vv. 2-8);

o Evita o mal e faze o bem (v.27); espera no Senhor e segue o caminho (v.34); 

o Observa o homem íntegro e atenta no que é reto (v. 37)

o Todas estas recomendações são justificadas pela fé na atuação de Deus.

o Ele satisfará os desejos de teu coração; fará surgir tua justiça como a aurora e o teu juízo como o meio-dia;

o Ele realizará os desejos de teu coração e atuará (vv. 4-6);

o Os malfeitores serão exterminados e os que esperam no Senhor possuirão a terra (v.9);

o O Senhor se ri do ímpio, porque vê chegando seu dia (v. 13);

o O Senhor firma os passos do homem... porque ele o sustenta pela mão (v. 24);

o Ele ama o que é justo e não sustém os justos (v. 17);

o Ele conhece os dias dos íntegros (v. 18);

o O Senhor não abandona os que lhe são fiéis (v. 28);

o O Senhor não entrega o justo nas mãos dos ímpios, nem permite que o condenem no tribunal;

o Ele te dará posse da terra (vv. 33-34);

o O Senhor socorre e livra os justos (v. 40).

A extensa lista de justificativas tem sua razão, pois, certamente, a prosperidade crescia entre o ímpios. Em consequência disso, o salmista (bastante perturbado!) escreve esse manual de instrução para os crentes, que poderíamos intitular: COMO ENFRENTAR A SOBERBA DOS ÍMPIOS.

Como enfrentar a soberba dos ímpios. Diante de nós estão duas experiências, mas um só problema: a tentadora ideia de ser financeira ou artisticamente próspero. A difícil experiência de Jeremias e a crise de fé vivida pela comunidade do salmista podem nos levar a estabelecer uma cartilha orientadora para os crentes.

A Bíblia conhece a prosperidade como uma atitude sábia de enfrentar e responder às agressões da vida com bondade, lealdade, fé, ação justa, solidariedade (Sl. 37.6).

A ideia de prosperidade, espúria à Bíblia, é a mesma oferecida a Jesus por satanás (Mt. 4.1-11; cf. Mc. 1.12-13; Lc. 4.1-13). É uma prosperidade relacionada a dinheiro, lucro, êxito na vida e sucesso nos empreendimentos pessoais. Na denúncia de Jeremias (12.1-6), os prósperos são inimigos do servo de Deus, cometem perversidade contra as pessoas, contra a natureza, promovem a descrença. No caso do salmista, o perfil dos homens prósperos é mais amplo, e a repercussão de seus atos é, aparentemente, maior. O gesto dessa gente má provoca sentimentos de indignação e inveja (v.1), irritação (v.7), ira, furor e impaciência (v. 8), entre outras reações. Por todas essas razões, a Bíblia distingue dois tipos de prosperidade. A forma de prosperidade, denunciada por Jeremias e pelo salmista, é extremamente perigosa para a estabilidade e o bem-estar da vida humana. É uma prosperidade que gera pobreza, desnível social, descrença, sacrifício dos mais fracos, falta de sensibilidade para com a natureza, soberba de uns e humilhação de outros, complexos de inferioridade, medo. Tudo isso ocorre porque o valor maior é o dinheiro, a promoção pessoal, o êxito empresarial. Quando a dignidade humana estiver sujeita ao dinheiro, o mundo ficará perigoso para se viver. É por essa razão que o salmista grita: 12.4). O sistema de vida que a teoria da prosperidade defende está cheio de competições: patrão/empregado; nação rica/nação pobre. Quem é mais forte explora ou elimina o mais fraco.

O texto de Jeremias e o de Salmos ensinam o crente como enfrentar o sistema de vida dos prósperos. Ambos sugerem formas para confrontar esse inimigo. O salmista é mais objetivo e sugere formas de enfrentar essa praga que está apagando da memória do povo o conhecimento de Deus. O texto de Jeremias (12.1-6) reflete toda a perplexidade do crente diante do crescimento de prosperidade e poder dos ímpios. Enquanto isso, o Salmo 37 tenta instruir os crentes fiéis para enfrentar o problema. Quando a Bíblia fala da justiça divina, ela não quer dizer que Deus castiga os pecadores e premia os justos. Se isso ocorresse, os templos estariam abarrotados de pessoas.

Acontece que o ensino bíblico acerca da justiça divina não é utilitarista. O princípio, é dando que se recebe, não retrata bem o ensino da justificação. A solução do problema em torno da prosperidade dos ímpios e do sofrimento dos justos não é imediata, isto é, a transferência direta dos bens dos ímpios para os crentes. A Bíblia ensina que a superação desse problema não tem data marcada, mas está na fidelidade do justo (cf. Hab. 2.4). Tanto Jeremias como o salmista não orientam os perplexos crentes a fugirem para longe dos ímpios, mas a se manterem firmes na fé. Por isso o grande apelo do salmista é: confiar em Deus (vv. 3,5,7,34) e esperar que um dia a justiça divina possa restabelecer a paz na terra.

5. Considerações finais

1. O estudo sobre o tema da prosperidade deve levar em consideração todos os textos bíblicos e não apenas alguns em particular, como os teólogos da prosperidade costumam fazer para sustentar suas ideias;

2. O estudo deve levar em conta o contexto no qual surge o tema da prosperidade e, portanto, seguir rigorosamente os princípios de interpretação bíblica; 

3. O conceito bíblico de prosperidade contrapõe, como vimos anteriormente, o conceito difundido hoje em dia nos meios evangélicos. Na abordagem do tema é necessário que esta diferenciação seja considerada.

4. Deve ficar sempre claro que Deus é o autor da vida, consequentemente, Ele é o responsável pelo sucesso, pelo êxito ou prosperidade do Seu povo;

5. Vivemos numa sociedade que busca a prosperidade a qualquer custo, renunciando a solidariedade, a justiça, o bem-estar dos outros, atitudes estas compatíveis à cidadania do Reino de Deus.

6. Informações sobre o professor Pr Josias Moura de Menezes: foi Professor nas seguintes instituições: STEB (Seminário teológico Batista Mineiro), Faculdade Batista da Lagoinha (BH/Minas Gerais), Seminário Congregacional de Brasília/DF (Extensão), Fater (Faculdade Teológica do Recife), Curso preparatório para Lideres: Igreja Congregacional Central de BH/MG, STEAD - Seminário teológico Evangélico Assembléia de Deus no Rio Grande do Norte - Extensão Macau/RN.

Atualmente leciona no Instituto Bíblico Betel Brasileiro em João Pessoa e no STEC - Seminário Teológico Congregacional.

Lecionou nestes anos as seguintes matérias: Teologia sistemática, Hermenêutica, Homilética, Teologia Pastoral, Administração Eclesiástica da Igreja, Implantação e desenvolvimento de igrejas, Análise em Romanos e Apocalipse, Liderança cristã, Aconselhamento pastoral, Escatologia, Introdução a filosofia, Teologia Contemporânea, Apologêtica, Filosofia da Religião e Lógica Filosófica.

Na área secular lecionou: Comunicação e postura pública, Marketing pessoal, planejamento estratégico, Relações humanas na empresa, Cursos de informática (Windows, Word, Acess, Excel, Internet, Corew Draw), Música instrumental.

Professor Pr. Josias Moura de Menezes

Site: www.josiasmoura.wordpress.com 

Email: josiasmoura@hotmail.com