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VIDAS

A VIDA É FEITA DE ESCOLHAS. A VIDA ETERNA, DE RENÚNCIAS!

domingo, 25 de julho de 2010

LIVROS HISTÓRICOS

Nelson Martins Filho
Livros históricos
por Nelson Martins Filho (Pastor e Mestre)

Introdução         

No cânon da Bíblia hebraica, os seis livros de Josué, Juízes, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, formam um conjunto que é denominado genericamente de Profetas anteriores. Esse título vem de uma antiga tradição, segundo a qual esses livros foram compostos por alguns dos profetas de Israel. O qualificativo “anteriores”, parece dever-se ao lugar que lhes foi reservado no cânon hebraico, para diferenciá-los dos “Profetas posteriores”: Isaías, Jeremias, Ezequiel e os doze “Profetas menores”. A fé do povo israelita descobriu nesses livros os vínculos estreitos que existem entre a história narrada e a mensagem profética que nela se proclama. Personagens como Josué, Samuel, Débora, Gideão, Saul, Davi e Salomão, principais protagonistas dos fatos registrados nesses livros, fazem parte do plano de salvação disposto por Deus em favor do ser humano. Todos eles, homens e mulheres pertencentes a diferentes etapas da vida de Israel, foram contemplados no Judaísmo desde a dupla perspectiva da sua realidade histórica e do fato de terem sido escolhidos como instrumentos, para cumprir um desígnio divino de salvação. Nessa dupla perspectiva se estriba a consideração deles como profetas. Por isso, os textos a eles atribuídos foram reconhecidos também como caráter profético. Atualmente, se costuma chamar o conjunto dos Profetas anteriores de História Deuteronomista. Essa denominação se deve a influência exercida sobre a interpretação da história pela teologia do Deuteronômio, influência que é perceptível de modo especial na avaliação dos comportamentos humanos, considerados tanto no âmbito individual como no coletivo, que trata da questão das supostas fontes informativas dos primeiros livros da Bíblia. Aqueles que advogam essa teoria supõem que o bloco principal do livro (Jz 2.6 – 16.31), tenha procedido da escola deuteronômica de historiadores, que teriam tido acesso a informes históricos mais antigos e que seriam as fontes informativas “J e E”. Os relatos sobre Juizes teriam sido preservados em uma espécie de arcabouço estereotipado. Esse material informativo teria sido manipulado e, incluído no relato geral do livro. Em cada um dos casos, temos a história de alguma opressão estrangeira, o clamor dos israelitas a Yahweh pedindo livramento e, então, o próprio livramento. Os autores envolvidos encaram a história de Israel como uma série ou ciclos de apostasias e livramento, devido ao julgamento divino contra a transgressão, seguido pelo arrependimento do povo e sua restauração ao favor divino. Os eruditos que defendem a teoria J.E.D.P. (S), supõe que a introdução do livro de Juízes (1.1 - 2.5), tenha sido adicionada posteriormente, derivada de material informativo mais antigo, paralelo de certos trechos do livro de Josué, especialmente em seus capítulos 15 ao 17. Presumivelmente, o apêndice do livro de Juízes também estaria alicerçado sobre tal material. Além disso, eles crêem que o relato sobre Abimeleque (Jz 9) e sobre certos juízes menores (Jz 10.1-5; 12.8-15), que seriam não-deuteronômicos, foram uma adição posterior. Uma porção especial do livro seria o cântico de Débora (capítulo 5). Essa é uma obra-prima da poesia hebreia primitiva, que mostra consideráveis habilidades literárias. Os Juízes foram lideres militares e religiosos, usualmente em defesa de tribos (uma ou duas), e nunca da nação inteira. Isto porque, não havia nenhum governo centralizador em Israel. O livro esta permeado pela crença, comum aos livros históricos do antigo Testamento, de que Israel prosperava quando obedecia a lei de Deus, mas caia em desgraça, decadência e destruição quando não obedecia a essa lei. Muitos historiadores consideram simplista esse ponto de vista teológico da história. Seja como for, esse é um conceito fundamental que persiste tanto nos livros canônicos do Antigo Testamento quanto em seus livros apócrifos. Muitos estudiosos supõem que o livro de Josué dê um relato muito otimista a respeito da conquista da Terra Prometida, sugerindo uma completa conquista daqueles territórios. Na verdade, porém, foram feitos muitos inimigos ferozes, que nunca perderam certos territórios, como também até tentaram apossar-se novamente dos territórios que haviam perdido. O primeiro capítulo do Livro de Juízes deixa claro que a conquista militar, por parte de Israel, teve sucesso apenas parcial. Talvez os relatos de como Israel se defendeu dos ataques posteriores desses vários inimigos, antes de se tornar um reino unido sob Saul, tenham sido preservados como tradições das tribos envolvidas nos conflitos. O livro de Juízes, nesse caso, reuniria as histórias de como certos heróis locais derrotaram os vários adversários, tendo de enfrentar grandes dificuldades. Historicamente, é muito difícil determinar até que ponto Israel se sentia como uma única nação, e não um grupo de tribos frouxamente relacionadas, antes que houvesse um governo centralizador representado pelo rei. O livro de Juízes reveste-se de capital importância para entendermos esse período de transição, dentro da história de Israel. O comentário dos editores finais do livro de Juízes, acerca dos frouxos laços que unificavam o povo de Israel, com suas doze tribos, é o seguinte: “Naqueles dias não havia rei em Israel, cada um fazia o que achava mais reto (Jz 21.25). Não tivessem surgido aqueles heróis locais, que se levantaram para defender o que a conquista da Terra Prometida havia ganho, e Israel, como nação, bem poderia ter desaparecido durante aquele período. Piorando muito mais a situação, as tribos de Israel com freqüência entravam em conflito interno, umas contra as outras. O livro de Juízes é a história da sobrevivência de um pequeno e ameaçado povo, que gradualmente se solidificou para formar uma nação que deixou uma marca perpétua na história da humanidade.

Pano de fundo

José sendo vendido
1 - Os patriarcas hebreus estiveram jornadeando na terra de Canaã, durante a Idade do Bronze Média (2.100-1.550 a.C). Abraão chegou a Siquém e Betel (Gn 12) em cerca de 2.000 a.C. Desse tempo em diante, os genitores da nação de Israel viveram na Palestina.
2 – Em seguida, ocorreu o incidente no qual José foi vendido como escravo e levado para o Egito. Ele chegou ao segundo posto de autoridade naquele país cerca de 1.991 – 1.786 a.C., durante a 12ª dinastia egípcia. Porém, esse ponto é intensamente disputado; e alguns preferem pensar que seu governo foi exercido durante o tempo dos intrusos semitas, os reis hicsos. Nesse caso, seu período foi cerca de 1.750 a.C., ou mesmo depôs. O rei que não conhecera a José pode ter sido o primeiro dos reis hicsos (Ex 1.8), ou então o monarca egípcio que pôs fim ao domínio dos hicsos. Veremos maiores informações estudando a história de José, para concluirmos aquela questão. Mas se a data posterior para a vida de José é a correta então ele deve ter falecido em cerca de 1.570 a.C.
3 – O cativeiro egípcio
Os descendentes de Jacó acabaram sendo escravizados no Egito, como minoria ameaçadora, porquanto José se tornara nessa época um fator desconhecido. O Cativeiro no Egito pode ter durado entre 200 a 300 anos.
4 – O Êxodo
A data desse evento é muito debatida. Alguns pensam que ocorreu em cerca de 1.445 a.C., ou seja, perto de 500 anos antes de Salomão haver construído o templo de Jerusalém. Mas outros estudiosos opinam que o êxodo aconteceu na 19ª dinastia egípcia (1.350-1.200 a.C.). Seja como for, Moisés foi levantado como profeta do Senhor no fim do grande cativeiro egípcio de Israel.
5 - Vieram, então, os quarenta anos de vagueação pelo deserto, que atuaram como um período de resfriamento e preparação para a invasão da antiga terra dos patriarcas hebreus, a Palestina. Seja como for, foi uma espécie de retorno genético e uma renovação da antiga confiança própria dos hebreus. Parece que as doze tribos de Israel eram formadas por unidades distintas umas das outras, mesmo quando estavam no Egito. Sem dúvida, isso foi confirmado quando a invasão da Terra Prometida se iniciou. Josué e seus exércitos encontraram o país dividido em muitas cidades-estados do regime tipo feudal, sempre guerreando umas com as outras, embora também dispostas a aliar-se para expelir qualquer invasor de fora. As cartas de Tell El-Amarna, contam aspectos da história e fornecem pormenores que concordam com o relato do livro de Josué.
6 – Josué é livro que relata como o povo de Israel invadiu a terra de Canaã.
Israel conquistou essencialmente o território, embora tivessem ficado bolsões por conquistar. Certos estudiosos pensam que o relato do livro de Josué é excessivamente otimista. O primeiro capítulo do livro de Juízes deixa claro que parte do território ficou sem ser conquistada. Seja como for, muitos nativos da terra continuaram vivendo ali sem serem molestados. Apesar dessa falha, o território foi dividido entre as doze tribos de Israel.

Título: O livro de Josué
Autoria: Josué (pela tradição)
Data: século XIV a.C.
Tema: A conquista de Canaã
Versiculo-chave: 1.8 (Não se aparte da tua boca o livro desta lei; antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme a tudo quanto nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido.)

O Livro de Josué         

A - Introdução

O livro de Josué é a continuação do Pentateuco. Relata a travessia do Rio Jordão, depois da Morte de Moisés, para a entrada em Canaã, bem como a conquista e o povoamento pelas doze tribos sob a liderança de Josué, o homem escolhido por Deus para tais façanhas e que empresta seu nome ao respectivo livro. O livro abrange os 25-30 anos consecutivos da história de Israel e conta como Deus, “deu... a Israel toda a terra que jurara dar a seus pais" (Js 21.43). Esse livro tem o seu começo quando chega ao fim o livro Deuteronômio, e seu fecho ocorre em duas mensagens de despedida por Josué (Js 23.1; 24.28) e um tributo post-mortem a Josué e Eleazar (Js 24.29-33). Analisemos os fatos.

B - Quem foi Josué.

Josué era filho de Num (Js 1.1), servo de Moisés e foi nomeado por Deus em substituição a Moisés, na tarefa de colocar o povo de Israel dentro de Canaã. A sua escolha como líder de um povo, estava respaldada em seus antecedentes pessoais morais e na fidelidade a Deus e a Moisés, seu comandante. Ele vivera próximo ao fim da opressão de Israel pelo Egito, e testemunhou as dez pragas que Deus mandou a esse país como castigo, a primeira páscoa, a travessia milagrosa do Mar Vermelho e os sinais (Juízos) sobrenaturais durante as peregrinações de Israel no deserto. Serviu a Moisés como comandante militar na batalha contra os amalequitas, pouco depois da saída do Egito (Ex 17.8-16). Somente ele acompanhou Moisés à subida do Monte Sinai, quando Deus deu a Israel os Dez Mandamentos. (Ex 24.12-18) Como auxiliar de Moisés, Josué demonstrava intensa devoção e amor a Deus, e muitas vezes permaneceu na presença do Senhor por um longo período (Ex 33.11). Era um homem que se deleitava na santa presença de Deus. Por certo, aprendeu muito com Moisés, seu conselheiro e guia de confiança, a respeito dos caminhos de Deus e das dificuldades em conduzir o povo. Em Cades-Barnéia, Josué serviu a Moisés como um dos doze espias que observaram a terra de Canaã. Ele, juntamente com Calebe, rejeitou energicamente substituir o relatório da maioria, que retratava a incredulidade do povo (Nm 14). Muitos anos antes de substituir Moisés como líder de Israel, Josué demonstrou ser um homem de fé, visão, coragem, lealdade, obediência inconteste, oração e dedicação a Deus e à Sua palavra. Quando foi escolhido para substituir Moisés, já era um homem “em que há o Espírito” (Nm 27.18; Dt 34.9).

C - Título

O titulo do livro é tirado do nome do sucessor de Moisés, Josué, protagonista dos fatos nele narrados. Josué, cujo nome original era Hoshea ou Oséias, cujo significado lê “Salvador” ou “Salvação”, era filho de Num, da tribo de Efraim. Deus elege Josué como substituto de Moisés, para duas finalidades:

a - ocupar a terra prometida (Canaã); (Js 1-12)
b - dividir as terras entre as doze tribos de Israel; (Js 13.22)

Esse trabalho durou 30 anos

Na LXX (Septuaginta – nome dado para a tradução do Velho Testamento para o grego, feita em Alexandria no século III a.C. por um grupo de setenta judeus), o livro é chamado de “Iesous Huios Naue (Jesus, filho de Num) e no Novo Testamento é expressamente chamado de Iesous (At 7.45; Hb 4.8). O Antigo Testamento, segundo os Judeus e Jesus, era dividido em três partes: Leis, Profetas e Salmos ou Escritos. Josué é o primeiro livro da segunda divisão da Bíblia Hebraica, os Profetas, embora, na categoria de ”Profetas”, o livro está intimamente relacionado com o Pentateuco (Torah). A título de conhecimento, Pentateuco, etimologicamente significa cinco estantes, onde se colocavam os livros e depois, por metonímia, os próprios livros. Pesquisando um pouco mais têm-se a impressão de que as estantes eram aqueles pedaços de madeira que sustentavam o rolos, vindo depois a designar os próprios rolos. O termo Pentateuco, de origem grega, significando cinco rolos, têm sido usado para os cinco livros de Moisés, enquanto o nome hebraico para estes mesmos livros é Tora. Este vocábulo começou a ser usado para os primeiros cinco livros da Bíblia depois da tradução da Septuaginta. Este livros constituem a primeira divisão do Cânon Hebraico, que é formado, como é do conhecimento geral, da Lei, dos Profetas e dos Escritos. Eruditos modernos tem usado o termo “Hexateuco” em vez de Pentateuco, por adicionarem aos primeiros livros da Bíblia o livro de Josué, por notarem muita afinidade entre os seis. Nenhuma razão plausível existe para a aceitação desta nova nomenclatura, uma vez que, o termo têm sido usado por críticos que não admitem tenha sido Moisés o autor do Pentateuco.

D - Data

A data de Josué cobre vinte anos da história de Israel sob a liderança de Josué, o sucessor de Moisés. É comumente aceita a data da morte de Josué por volta de 1.375 a.C. Portanto, é a história de Israel entre 1.400 e 1.375 a.C, e é provável que o livro tenha sido compilado depois disso.

E - Autoria

A tradição judaica atribui a autoria dos textos a Yehoshua (às vezes vertido como Josué), que teria sido o sucessor de Moshê (Moisés) como dirigente do povo de Israel. A opinião de críticos e comentaristas se divide em torno da autoria de Josué. Uns afirmam que o livro não constitui uma unidade literária, composta por um só autor, mas é compilação de vários documentos. A expressão “até o dia de hoje! (usada cerca de 12 vezes no livro) é um argumento expressivo, segundo os críticos, de que o livro tenha sido escrito muito tempo depois de Josué; porém, pelo menos um desses textos (6.25), prova justamente o contrário, comentando a respeito de Raabe: “Ela habitou em Israel até o dia de hoje”. Não há razão suficiente para crer que o livro não tenha sido escrito pelo sucessor de Moisés, ou seja, Josué. No Talmud algumas opiniões apontam que o livro teria sido escrito por Yehoshua, - duas vezes o livro menciona o ato de escrever em conexão com Josué (19.9; 24.26), exceto os últimos versos (24.29-33), que teriam sido adicionados pelo sacerdote Pinkhas (Finéias). O texto apresenta algumas vezes o autor falando na primeira pessoa (o que confirmaria a autoria de Yehoshua), mas por outras vezes apresenta Yehoshua na terceira pessoa. Há também diversos eventos que ocorreram após a morte de Yehoshua, e que a tradição judaica atribui sua escrita a Eleazar ou Pinkhas, seu filho.

F - Opiniões diferentes sobre o assunto.

Na tradição cristã, principalmente católica e protestante, esta autoria tem sido considerada duvidosa desde os tempos antigos. Os estudiosos creem que a versão que temos atualmente á obra da escola deuteronomista, que teria agregado diversas tradições religiosas, buscando sistematizar a história da conquista de Canaã. (ver: As origens do antigo povo de Israel)

G - As evidências internas     

As evidências internas do livro indicam enfaticamente que o seu autor foi testemunha ocular da conquista (conforme Js 5.6; note-se que Raabe ainda vivia quando Josué escreveu, (Js 6.25). As partes do livro acrescentadas depois da morte de Josué – Js 15.13-17 (conforme Jz 1.9-13; 24.29-33 – foram talvez escritas por um dos “anciões que ainda viveram muito depois de Josué”; conquista do Hebron por Calebe (Js 14.6-15; a vitória de Otoniel na migração para Dã (Js 19.47); passagens paralelas em 1.10-16 e Jz capítulo 18 confirmam que os acontecimentos ocorreram após a morte de Josué. É mais provável que foi todo composto em sua forma final por um escriba ou editor posterior, mais foi baseado nos escritos de Josué.

H -O argumento do livro.

Yehoshua é designado por Moshe (Moisés) com a missão de introduzir o povo de Israel na terra prometida. O livro narra como a terra de Kanaam (Canaã) foi conquistada (Js 01-12) e posterior repartição da terra entre as tribos (13-21). Seguem alguns apêndices (22-24) que dão conta da Assembléia de Sokhem e das disposições finais de Yehoshua ao povo.

I - A conquista de Canaã.

Conforme o relato do livro, após a morte de Moisés, Josué entra na terra de Canaã, atravessando milagrosamente o Rio Jordão. Sob a orientação divina, os israelitas conquistam a fortificada e temida cidade de Jericó, cujas muralhas vieram a ser derrubadas enquanto o povo tocava as trombetas. A partir dessa vitória estratégica, ocorrem várias batalhas nas quais, quase sempre, os israelitas saiam vencedores. Outras cidades importantes como Ai, também são tomadas e Josué vence a vários reis, demorando em torno de sete anos para ocupar parcialmente a terra prometida.

J - Tema central

O tema central é a fidelidade de Deus em cumprir as Suas promessas, sob a liderança de Josué, o escolhido para tal propósito. A medida que o povo se manteve sob a direção divina, a conquista de Canaã prosseguiu. O povo obediente a Deus finalmente saiu vitorioso. A travessia do Rio Jordão se destaca como fato interessante no livro de Josué por causa das circunstâncias em que ocorreu. O rio registrava a sua maior enchente de todos os tempos. O povo estava atemorizado diante das águas revoltosas. Era primavera e a neve derretia nas montanhas tornando tão forte e cheia que o povo não podia atravessar o Jordão nos lugares em que vadeavam comumente. Estava ali o último obstáculo para que o povo pudesse possuir a terra prometida. Diante desse fato, o povo consagra sua vida a Deus e Ele, de maneira poderosa, os faz passar em terra seca pelo meio do rio revoltoso levando-os a possuir a terra que lhes havia prometido.

K - Mensagem para os nossos dias.

Jesus prometeu moradas no céu, a Canaã celestial. À semelhança dos israelitas, caminhamos em círculos pelos desertos e estamos margeando o Rio Jordão com suas águas revoltosas, águas de provações, de pecado, das dificuldades que tem amedrontado o israelita moderno de Deus. Já podemos divisar a terra prometida, e para vencer os obstáculos das águas turbulentas e entrar e possuir a terra é necessário preparo espiritual...”Santificai-vos, porque amanhã o Senhor fará maravilhas no meio de vós” (Js 3.5). Deus cumprirá Sua promessa em todo aquele que consagrar sua alma a Ele e se entregar sem reservas.

O Cristo revelado
Cristo é revelado no Livro de Josué de três maneiras:
a - Por revelação direta,
b - por modelo
c - por aspectos iluminantes de Sua natureza.

Em Js 5.13-15, o Deus Tríuno apareceu como “Príncipe do exército do Senhor”. Através da sua aparição, Josué teve a certeza de que Deus era o responsável. Era tarefa de Josué, bem como a nossa, seguir os planos além de conhecer o Príncipe. Um modelo é um símbolo, uma lição objetiva. Pode-se encontrar tipos em uma pessoa, em um ritual religioso e mesmo em um acontecimento histórico.
O próprio Josué era um modelo de Cristo. Seu nome que significa “Jeovah é a Salvação” é um equivalente hebraico do grego “Jesus”. Josué guiou os israelitas até a possessão de sua herança prometida, bem como Cristo nos leva a possessão da vida eterna. O cordão de fio de escarlata na janela de Raabe (Js 2.18,21) ilustra a obra de redenção de Cristo na Cruz. O pano cor de sangue pendurado na janela salvou Raabe e sua família da morte, Cristo também derramou seu sangue e foi pendurado na cruz para nos salvar da morte. Um dos aspectos da natureza de Cristo em Josué é o da promessa cumprida. No final de sua vida Josué testemunhou, “nem uma só promessa caiu de todas as boas palavras que falou de vós o Senhor, vosso Deus” (Js 23.14). Deus, em Sua graça e fidelidade, sustentou e preservou Seu povo tirando-os do deserto elevando-o a terra prometida, Canaã. Ele fará o mesmo por nós através de Cristo que é a Promessa.

O Espírito Santo em ação.

Uma tendência constante da obra do Espirito Santo flui através do Livro de Josué. Inicialmente, sua presença surge em Js 1.5, quando Deus conhecendo a esmagadora tarefa de comandar a nação de Israel, forneceu a Josué a promessa de seu Espirito sempre presente. O trabalho do Espirito Santo era o mesmo antes de agora: ele atrai as pessoas a um relacionamento de salvação com Cristo e realiza os propósitos do Pai. Seu objetivo em Josué, bem como no Antigo Testamento, era a salvação de Israel, pois, foi através dessa nação que Deus escolheu salvar o mundo (Is 63.7-9). Várias características sobre a maneira como o Espirito opera podem ser vistas em Josué.

A obra do Espirito Santo é contínua.

“Não te deixarei e nem te desampararei” Js 1.5.
O Espirito Santo está comprometido a realizar a tarefa, independentemente de quanto tempo demore. Sua presença continua é necessária para o sucesso do plano de Deus na vida dos homens.

A obra do Espirito Santo é mútua.

“Tão somente sê forte e mui corajoso para teres cuidado de fazer segundo toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita e nem para a esquerda, para que sejais bem sucedido por onde quer que andares”. (Js 1.7)

Foi dito” Sem Ele, não podemos, sem nós Ele não quer”.
A cooperação com o espirito Santo é essencial á vitória. Ele nos habilita a cumprir nosso chamado e a completar a tarefa a nosso alcance.

A obra do Espirito Santo é sobrenatural.

A queda de Jericó foi obtida mediante a destruição milagrosa de seus muros (Js 6.20). A vitória foi alcançada em Gibeão quando o Espirito deteve o Sol e a Lua (Js 10.12,13). Nenhuma obra de Deus, seja a libertação da servidão ou possessão da benção, é realizada sem ajuda do Espírito.

Uma analise mais profunda do livro de Josué

I - Caracterização geral

Josué é um dos profetas dos livros históricos do Antigo Testamento, incluído entre os profetas anteriores, dentro do cânon hebreu. Outras vezes é agrupado juntamente com os primeiros cinco livros da Bíblia, o Pentateuco, formando o Hexateuco. Muitos eruditos creem que esses livros formam uma unidade, por estarem alicerçados sobre fontes comuns de informação. O livro de Josué contém a narrativa da invasão da terra prometida pelo povo de Israel, com o resultado de que a maior parte da Palestina foi conquistada e colonizada pelas doze tribos de Israel. Os capítulos 1-12 de Josué contam a invasão; de 13-21 relatam a divisão da terra entre as doze tribos; e os capítulos 22-24 nos dão os atos e discursos finais de Josué.

Josué sucedeu a Moisés

As tradições judaicas dão-nos como o autor do livro que tem o seu nome (Baba Bathra). Muitos eruditos, porém, supõem que narrativas anteriores tenham sido entremeadas, formando uma obra composta, mediante o trabalho de um ou mais editores posteriores. Em sua forma atual, muitos acreditam ser um produto essencial da escola deuteronômica de historiadores, também chamada de fonte informativa “D”. Material tradicional mais antigo, proveniente de fontes J e E, também teria sido entretecido na narrativa. A posição padrão acerca da conquista da Terra prometida é que ela foi executada por Israel como nação unificada, e não pelo esforço de tribos separadas, em diferentes épocas. Além disso, a conquista é considerada como tendo sido um sucesso imediato. Esse, pelo menos é o quadro apresentado pelo livro de Josué, não havendo fatores históricos contrários a essa opinião geral. Um grande número de descobertas arqueológicas confirma a exatidão geral do livro de Josué. Naturalmente, os capítulos 15-17 de Josué, como também o trecho de Juízes 1.1, exibem falhas, algumas das quais só foram corrigidas com a passagem dos séculos, enquanto outras só puderam ser remediadas plenamente nos dias de Davi e Salomão. Estamos falando de falhas na conquista da Terra Prometida, e não no relato histórico dos livros de Josué e Juízes. A autoria do livro, sem importar se de Josué ou de alguma outra pessoa, que teria agido como historiador, é essencialmente a autoria de um único escritor. Não obstante, à semelhança de qualquer historiador, ele contou com várias fontes históricas. Talvez as teorias envolvidas no conceito J. E. D. P. (S), consigam explicar a questão de modo genuíno. Seja como for, Josué pertence ao grandioso corpo de literatura judaica que inclui livros como Deuterômio, Josué, Juízes, I e II Samuel, I e II Reis. Essa coletânea narra a história do povo de Israel desde Moisés até a queda de Jerusalém, em 587 a.C. O escritor escreveu do ponto de vista do código deuteronômico (Dt 4.44 ao 30.20), o qual incorporou corajosamente logo no inicio de seu livro. Juntamente com a narrativa, pois, ele teria incorporado a ideia de D, que mostra que as vitórias e a prosperidade de Israel sempre dependeram da obediência espiritual às exigências da lei divina. Esse conceito dominou o judaísmo desde então. Em conseqüência, a história da conquista da terra tornou-se uma espécie de alegoria sobre como um homem espiritual, ou uma nação espiritual, pode realizar grandes coisas e cumprir significativo destino, uma vez que as condições espirituais para tanto sejam observadas. Alguns datam o livro na época do próprio Josué, cerca de 1.440 a.C., outros porém, pensam que o livro só foi escrito após o cativeiro babilônico. Os estudiosos liberais parecem sempre preferir uma data mais recente. Todavia, podemos admitir que o livro recebeu alguma contribuição editorial. Após retorno do exílio babilônico. Na parte que compete aos comentários sobre a data dissecaremos esse assunto, no item Autoria e data, ainda nesta postagem.

Uso proposto de fontes informativas:

1 – Fonte “D” – Temos aí o uso de matéria já existente, oral e/ou escrita.
A história geral de Josué, além do propósito teológico de ilustrar como um homem (ou nação) espiritual pode obter o sucesso, é questão bem destacada.
2 – Nos capítulos 13 ao 21 de Josué, o historiador “D”, continua a empregar várias listas que relacionavam as fronteiras das tribos, tendo descrito, de modo generalizado, como se deu a distribuição de terras. Essas listas não pertenciam às novas divisões políticas e gerenciais criadas por Salomão, conforme alguns estudiosos tem erroneamente pensado (IRs 4.7-19). Todavia, há quem acredite que a questão das cidades de refúgio e das cidades dos levitas, nos capítulos 20 e 21, refletem uma época posterior, talvez tão tarde quanto o século X a.C.
3 – Outros estudiosos supõem que os itens pertencentes às fronteiras informativas “J” e “E”, talvez tenham reescrito certas porções do livro. Essa teoria, contudo, não conta com grande acolhida por parte dos eruditos mais recentes;
4 – alguns estudiosos vêem “P” nas listas das tribos e das terras que lhes foram alocadas (conforme Js 15.20-62). Porém, com igual propriedade, esse tipo de material poderia ser atribuído a “D”. Embora o livro de Josué conte sua história do ponto de vista teológico, não há razão para duvidarmos da historicidade essencial de sua narrativa. “Após longos anos de vagueação pelo deserto, finalmente foi dada permissão aos israelitas para que conquistassem a Terra Prometida. A história de Josué é a história da conquista da Palestina. Tal como todos os relatos sobre batalhas, não é uma história agradável. E muitos – sem dúvida, com razão – dizem que o Deus de Josué estava infinitamente distante do Deus de Jesus. Neste livro, o Deus de Israel parece uma deidade puramente nacional, um Deus de batalhas, cujo poder manifestar-se-ia, principalmente, no desfecho de "Guerras Santas”. Este comentário está inserido no livro: Introduction to Joshua, RSV, edição comentada, Oxford. O conceito de Deus elaborado pelos homens foi melhorando com o desdobramento gradual da revelação divina; e é fácil aos homens atribuir a Deus as suas próprias atrocidades. Isso não significa, porém, que Deus esteja ausente ou inativo, mas tão-somente que é precário atribuir a Ele tudo quanto fazemos, ou as maneiras pelas quais fazemos.

II - Pano do fundo histórico

a – Os patriarcas estiveram jornadeando na terra de Canaã, durante a Idade do Bronze Média (2.100 – 1.500 a.C). Abraão chegou a Siquém e Betel (Gn 12) em cerca de 2.000 a.C. Desde então, os genitores da nação de Israel passaram a viver na Palestina ou no Egito.

b – Vem, então, o relato sobre José, que foi vendido ao Egito. Ele acabou assumindo a segunda posição de maior mando no Egito (cerca de 1.991-1.785 a.C), durante o tempo da 12ª dinastia egípcia. Esse ponto, porém, é muito disputado pelos estudiosos. Alguns eruditos preferem pensar que José governou o Egito durante a época dos intrusos semitas, os reis hicsos. Nesse caso, o período de José foi cerca de 1.750 a.C, ou mais tarde. E o rei que não conhecera a José pode ter sido o primeiro rei que se elevou ao trono do Egito, depois da expulsão dos hicsos (Ex 1.8) não pertencendo a raça semita. Se a data posterior para a carreira de José estava correta, então ele deve ter morrido em cerca de 1.570 a.C.

c – Cativeiro de Israel no Egito. Os descendentes de Jacó, após José, foram escravizados no Egito, visto que, José tornou-se um fator desconhecido ali. O cativeiro no Egito parece ter durado entre 200 a 300 anos.

d – O Êxodo. A data desse grande evento também é intensamente debatida pelos intérpretes. Alguns pensam que ele ocorreu em cerca de 1.445 a.C., ou seja, cerca de 500 anos antes de Salomão ter erigido o Templo de Jerusalém. Mas há quem pense que o êxodo ocorreu na 19ª dinastia egípcia (135 – 1200 a.C). Seja como for, Moisés foi levantado pelo Senhor, com o propósito de por fim ao cativeiro dos israelitas no Egito.
e – Vieram, então, os quarenta anos de vagueação de Israel pelo deserto, que atuaram como uma espécie de resfriamento e período de planejamento, um tempo de preparação para a conquista da Terra Prometida, Canaã. Em parte, foi uma espécie de retorno á pátria, uma renovação dos antigos modos de viver. Parece que, a essa altura dos acontecimentos, as doze tribos de Israel já estavam bem formadas, podendo ser distinguidas uma das outras, e assim elas entraram na Terra Prometida. Josué e seus exércitos encontram o país dividido em muitas pequenas cidades-estado, sempre se hostilizando mutuamente, mas unindo-se quando tinham que combater algum intruso comum. As cartas de Tell El-Amarna nos fornecem esse tipo de quadro, em concordância com os detalhes que encontramos no livro de Josué.

f – Josué é livro que relata como Israel invadiu a terra de Canaã, apossou-se dela (com várias falhas, deixando que muitos nativos continuassem no território), e então dividiu o país em regiões, cada qual pertencendo a uma tribo. Quanta coisa precisou ser corrigida mais tarde, e se as conquistas consumiram um tempo mais dilatado do que aquilo que nos é dito (pois pode ter havido uma espécie de condensação das narrativas), não sabemos dizê-lo. No entanto, podemos confiar na mensagem geral que ali nos é exposta, sem nos preocuparmos muito com detalhes cronológicos.

III - Autoria e data

1 – Josué – O autor    

Josué
Se aceitarmos Josué como o autor do livro que leva o seu nome, conforme assevera uma antiga tradição cristã, então a data atribuída ao livro pode variar entre 1.400 a 1.200 a.C, ou um pouco mais, conforme sugerido nas especulações colocadas no item “pano de fundo histórico” do livro. Entretanto, quase todos os eruditos modernos acreditam que o livro, na verdade, é uma obra anônima. Nesse caso, um autor desconhecido o compilou em alguma data após a conquista da Palestina ser fato inteiramente consumado. Considerando então, a questão seria: quão mais tarde o livro de Josué foi escrito depois da conquista de Canaã? As próprias fontes históricas, sem dúvida, são anteriores a escrita do livro, por algum tempo. A maioria dos eruditos liberais parte do pressuposto de que o livro foi escrito ou algum tempo antes, ou bem pouco tempo depois do cativeiro babilônico (586 a.C.). Estão envolvidos nesse ponto problemas como autoria e fontes, conforme se vê na teoria J.E.D.P. (S), sobre o que discutimos no item a que se refere – Problemas Especiais, ponto primeiro (onde se examina a fonte informativa “D”, considerada por alguns a principal fonte informativa do livro de Josué). Alguns pensam que os capítulos 1 e 2 de Josué se apoiaram na fonte “E”; que a maior parte dos capítulos 1 e 2 esta alicerçada em “D”; e, então, em alguns trechos desses capítulos transparecem informes derivados da fonte “S”. A fonte informativa “J”, por sua vez, seria vista em Js 5.13-14; 9.6 e 17.14-18. Adições baseadas em “D”, que não representam grande volume, são vistas em 1.1-18; 10.17-43; 11.10 a 12.24; 21.43 a 22.6 e no capítulo 23. Esse tipo de análise, porém, é rejeitado por outros críticos, para nada dizermos sobre os eruditos conservadores. Também têm sido sugeridas as mais arbitrárias divisões para o livro. A teoria mais simples a que se chegou é que é inútil tentar deslindar tão grande complexidade de fontes informativas, embora a fonte “D” seja a mais pesadamente envolvida no livro. Por essa razão é que o livro de Josué tem sido chamado de “inteiramente deuteronômico” em sua natureza.

2 – Um autor antigo desconhecido?

Mesmo que se suponha ter sido desconhecido o autor do livro de Josué, é bastante provável que ele tenha incorporado material antiquíssimo que remontava à época do próprio Josué, ou de alguém intimamente ligado a ele. Josué ordenou que se fizesse por escrito uma descrição do território (Js 18.9). Ele poderia ter escrito pessoalmente as palavras do pacto renovado, com vários estatutos e ordenanças para o povo de Israel, no livro da lei de Deus, em Siquém (Js 24.25,26). Talvez ele também tenha escrito pessoalmente o juramento acerca de Jericó e a maldição que sobreviria a qualquer reconstrutor futuro daquela cidade. Comparar Js 6.26 com I Rs 16.34. Além disso, devemos observar que I Rs 16.34 diz que a maldição foi proferida pelo Senhor, “ por intermédio de Josué, filho de Num ”. E isso pode indicar que uma forma escrita da maldição foi redigida pelo próprio Josué. Naturalmente, Josué não pode ter sido o autor final do livro, uma vez que, Js 24.29-30 registra a sua morte, o que evidencia a atividade de algum editor ou autor posterior. O talmude afirma que Eleazar, o sumo sacerdote, adicionou esse apêndice, e que seu filho, Finéias, acrescentou o último versículo (Js 24.33), a fim de dar o toque final ao livro (Baba Bathra 14b-15).

3 – Narrativas de testemunhas oculares

O material mais antigo deve ter incorporado algum relato de testemunhas oculares diretas. O trecho de Js. 5.1 diz que o Senhor bloqueou o Rio Jordão até que passamos”. O pronome “nós” é empregado em Js 6.6, embora não apareça em nossa versão portuguesa., que prefere usar a terceira pessoa do plural. Alguns itens indicam condições anteriores a Davi, como o fato de que os cananeus ainda estavam de posse de Gezer (Js 16.10, conforme I Rs 9.16). Saul massacrou muitos gibeonitas e queria destruir todos eles. (II Sm 21.1-9) Nos dias de Josué, Sidom (e não Tiro), era a principal cidade fenícia, situação que só foi revertida bem mais tarde. (ver Js 11.8; 13.6 e 19.28). Os cananeus dominavam a Palestina nos dias de Josué. Mais tarde, os filisteus é que tiveram esta distinção. O território que Josué queria tomar era essencialmente cananeu (Js 13.2-4). Depois de 1.200 a.C., os filisteus entraram armados na planície costeira da Palestina, conforme os registros egípcios de Ramsés III. Esses dados históricos mostram que há material antiquíssimo no livro de Josué, embora não nos revelem quando eles foram incorporados e nem quando o livro foi publicado pelo próprio Josué ou outro autor.

4 – Um autor sacerdotal?

O sacerdote Finéias pode ter sido o autor de certas partes do livro de Josué. Ele era filho e sucessor de Eleazar, o sumo sacerdote, e foi uma das colunas de Israel, naqueles tempos (Nm 25.7-13). Ele, e não Josué foi a figura mais proeminente na solução das disputas em torno do altar erigido pelas duas tribos e meia que preferiram residir na parte oriental do vale do Jordão (Js 22.10-34). Ou então, algum sacerdote associado a Finéias poderia ter feito contribuições para o livro. Isso tem sido sugerido por alguns, devido ao interesse todo especial que se dá, no livro de Josué às cidades de refúgio (ver Js 20.7; 21.13), bem como as questões atinentes às quarenta e oito cidades dos levitas (Js 21.11-13). Há uma longa lista das fronteiras e cidades de Judá (Js 15.1-63), o que pode indicar que ali ficava o território dos sacerdotes envolvidos. Outras fronteiras e terras são citadas apenas de passagem. (ver capítulos 16 e 17. Tais especulações, entretanto, são curiosas e podem refletir a verdade da questão, mas é difícil julgar tais coisas.

5 – Dependências literárias

Seja como for, o autor sagrado parece ter dependido dos livros de Números e Deuteronômio quanto a algum de seu material, que Josué pode ter utilizado, se é que, realmente, Moisés escreveu o Pentateuco. Porém, se temos nisso, igualmente, um produto das fontes informativas J.E.D.P. (S), então teremos voltado a uma data posterior para o Hexateuco inteiro. Seja como for, visto que, o livro de Josué embora traga o seu nome, não afirme quem teria sido o seu autor (pelo que é uma obra anônima), isso significa que não podemos dizer que é teste de ortodoxia alguém afirmar ou negar a autoria do livro a Josué, filho de Num. Outrossim, nem sempre a palavra ortodoxia é o sinônimo de veracidade. Tradições, e não fatos compõem uma boa porção daquilo que, em teologia, se tem chamado de ortodoxia. A isso sentimo-nos na obrigação de adicionar que as disputas sobre questões como essas pouco ou nada tem que ver com a espiritualidade, pois essas questões não são cruciais e em nada afetam a fé de quem quer que seja. Ao mesmo tempo, se quisermos entender as situações históricas dos livros que formam a Bíblia, é bom que as examinemos, evitando atitudes hostis para com aqueles que de nós discordem.

IV – Destino e propósito

Duas características distinguiam o antigo povo de Israel:
1 – a preocupação com a história;
2 – a preocupação com o material religioso escrito, que agisse como guia nas crenças e na conduta. As palavras de Moisés (O Pentateuco) foram postas sob forma escrita desde o começo, como testemunho escrito sobre o relacionamento entre Yahweh e o povo de Israel. A esses escritos mosaicos foram adicionados os registros das vitórias de Israel na conquista da Terra de Canaã, o que envolve significados tanto históricos quanto teológicos. O livro de Josué foi escrito tendo em vista a edificação moral e espiritual de Israel, como parte de sua herança histórica e religiosa. As escrituras eram lidas diante do povo, e a substância delas era explicada por sacerdotes eruditos. Mui provavelmente, poucas pessoas sabiam ler, e as poucas que podiam fazê-lo não tinham obras manuscritas. Os manuscritos existentes tornaram-se um dos principais tesouros da nação, sendo guardados ciosamente pelos sacerdotes. O trecho de Ne 8.9 reflete esse costume de fazer leitura bíblicas em público, o que, segundo supomos, é um costume antiquíssimo em Israel. Historicamente falando, o intuito do livro de Josué é dar continuação á história sagrada da nação de Israel. Essa história é sagrada porque, segundo a crença de Israel, o processo histórico daquele povo era controlado por forças divinas. E, naturalmente, concordamos com isso. Portanto, para Israel a história era um aspecto importante da teologia. A mensagem do livro de Deuteronômio, de que Israel seria abençoada enquanto obedecesse a Deus, mas amaldiçoada quando fosse desobediente ao Senhor, é o conceito mais central da teologia histórica de Josué. O registro sagrado tinha por finalidade instruir e inspirar o povo de Israel em sua inquirição espiritual e em sua expressão como nação escolhida pelo Senhor, a fim de que, pudesse cumprir seus propósitos especiais e seu destino impar no mundo. Nos livros proféticos posteriores do antigo Testamento, encontramos a exortação, dirigida a Israel, para que, voltasse a aderir ao pacto mosaico (ver Ne 9.30; Zc 7.8-12). Portanto, o respeito pelas raízes era tido como chave para a correta conduta. Deus é capaz de cumprir todas as Suas promessas (Js 21.45), mas Ele precisa encontrar uma reação favorável por parte de Seu povo, que assim preencha as condições divinamente impostas. Deus envolve-se diretamente na história da humanidade, e até nos menores detalhes (ex. Teismo, em contraste com o Deismo). Isso é absolutamente ilustrado no A. T. Consideraremos, só para exemplificar, o incidente em que Ação esteve envolvido. Ele cometeu um erro, e a comunidade judaica inteira sofreu por causa desse erro (Js 07.1,18-20,24 e 11.1-15). A história era muito importante nos escritos sagrados dos hebreus. Mas essa história nunca foi escrita somente com finalidades históricas. As lições morais e religiosas estão sempre na base de todos os escritos históricos dos hebreus. “O livro de Josué demonstra a fidelidade de Deus às Suas promessas, a qual guiou Israel até a Terra Prometida (Canaã), conforme também os tirara do Egito (Gn 15.18 e Js 1.2-6). A narrativa da conquista é altamente seletiva e abreviada. Os acontecimentos enumerados foram considerados suficientes, para servir aos propósitos, que os autores sagrados tinham em mente”.

V – Canonicidade; texto; traduções.

1 – Canonicidade
O livro de Josué era classificado na coletânea dos livros sagrados dos hebreus como parte dos Profetas Anteriores. Esses informes cobrem o período histórico que vai da conquista da Terra Prometida ao exílio babilônico. É isso que encontramos nos livros de Josué, Juízes, I e II Sm, e I e II Rs. Naturalmente, a porção mais fundamental desse cânon são livros de Moisés, o Pentateuco. Todavia, a história teológica de Israel começa no livro de Deuteronômio, mas como parte integrante do Pentateuco. Josué dá continuidade a esse relato e, pelo menos em parte, depende dele. Alguns eruditos supõem que a fonte informativa “D” seja a mais saliente no livro de Josué e no livro de Deuteronômio, razão pela qual haveria tão intima vinculação entre eles. Josefo, o historiador, falava sobre os cinco livros, distinguindo-os dos 13 livros proféticos que vinham em seguida. O tempo atribuído por Josefo a esses treze livros era da morte de Moisés até o reinado de Artaxerxes. Apesar de muitos estudiosos considerarem a suposta unidade de seis livros (O Hexateuco) uma teoria inventada (porquanto nem os judeus nem os samaritanos reuniram assim esses seis livros), torna-se claro que Josué demonstra certa dependência ao livro de Deuteronômio (ver o que comentamos no item relativo a Problemas especiais, primeiro ponto, logo a seguir). O livro de Josué fornece uma apropriada conclusão para o Pentateuco. As condições adversas ali relatadas, quando Israel estava cativo no Egito, são inteiramente revertidas na Terra Prometida, restaurando assim as esperanças dos tempos patriarcais. Por isso mesmo, a canonicidade do livro de Josué era comumente aceita em Israel, embora os samaritanos, e, posteriormente, os saduceus, reconhecessem somente a autoridade dos cinco livros de Moisés, o Pentateuco. Josué, porém, obteve posição sólida no cânon reconhecido pelos fariseus. E essa posição era mais popular e aceita entre o povo de Israel. E a primitiva igreja cristã, concordando com a maneira farisaica de pensar acerca dessas questões canônicas, aceitava o cânon do A.  O Testamento inteiro (o cânon palestino, como era chamado). Na igreja antiga também foram aceitos livros que faziam parte do cânon chamado Alexandrino, que incluía vários dos livros apócrifos.
2 – Texto
O texto hebraico do livro de Josué é essencialmente puro. Alguns poucos e óbvios erros escribais penetram no texto – e foram perpetuados pelo texto massorético (Massorah). Entre os manuscritos achados em Qumran (Khirbet Qumran), popularmente chamados de Manuscritos do Mar Morto, havia fragmentos do livro de Josué. A Septuaginta mostra ser uma boa tradução do texto hebraico do livro de Josué, o que também é demonstrado no que concerne ao restante do antigo Testamento. Algumas vezes, porém, a Septuaginta exibe um texto superior aos manuscritos massoréticos típicos. Tal fenômeno, porém, deve ser averiguado individualmente, visto que nenhuma declaração geral envolve todos os casos possíveis. (consultar sobre os Manuscritos do Mar Morto).
3 – Traduções
No parágrafo anterior, vimos a importância da tradução da Septuaginta, no caso do livro de Josué. A tradução da Septuaginta não difere do texto hebraico em nenhum sentido apreciável. No entanto, é fraca quanto a tradução dos nomes geográficos, pelo que os nomes hebraicos (transliterados, e não traduzidos), quase sempre são preferidos. Há versões mais longas e mais breves da Septuaginta do livro de Josué. Os escribas tendem muito mais a alongar os livros do que abreviá-los, visto que, os comentários escribais aumentam o texto. As primeiras versões latinas baseavam-se quase inteiramente na Septuaginta, e não no texto hebraico. A versão de Jerônimo, porém, foi feita diretamente do hebraico. As traduções modernas dependem essencialmente do texto massorético, embora os textos críticos tenham a vantagem de contar com a evidência representada pelas versões, mormente Septuaginta.

VI – Problemas especiais.

1 – Fontes informativas
Deve-se pensar na teoria J.E.D.P.(S), e, especialmente, na relação entre "D" e Josué. Sob as seções I e II, 4 e 5, damos as informações essenciais sobre as fontes propostas para o livro de Josué. Temos visto que, excetuando a fonte informativa “D”, as teorias que cercam a questão são bastante incertas e até mesmo contraditórias. Que o livro de Josué é deuteronômico é fato que se pode demonstrar até com certa facilidade. Josué em relação a Números e a Deuteronômio.
01 – Comissão de Josué. (Js 1.1-9 com Dt 31)
02 – Extensão das promessas (Js 1.3-4 com Dt 11.24)
03 – Informações sobre as tribos orientais. (Js 1.12-15 com Nm 32 e Dt 3.18 ss.)
04 – Ebal. (Js 8.30-35 com Dt 27)
05 – Conquistas na Transjordânia. (Js 12.1-6 com Nm 21.21-35, Dt 2 e 3; 4.45-49)
06 – Divisão da Terra Prometida. (Js 13.6-7 com Nm 24.7 e Dt 1.38)
07 – Fixação na Transjordânia. (Js 13.8-14 com Nm 32.33-42 e Dt 2.32 ss)
08 – Josué e Eleazar. (Js 14.1 com Nm 34.7 e Dt 1.28-36)
09 – A herança de Calebe. (Js 14.1-4 com Nm 14.24 e Dt 1.28-36)
10 – A fronteira sul (Js 15.1-4 com Nm 34.3-5)
11 – As filhas de Zelofeade. (Js 17.3-6 com Nm 27.17 ss)
12 – Comissão sobre o alocamento de terras (Js 18.4-10s s com Nm 34.17 ss)
13 - Cidades de refúgio. (Js 22 com Nm 35.9 ss e Dt 19.1-13)
14 – As cidades dos levitas (Js 21 com Nm 35.2-8)               
Alguns intérpretes têm chegado ao extremo de propor uma história deuteronômica, na qual Josué aparece como o segundo livro dessa história. Outros estudiosos repelem terminantemente a teoria que diz que houve uma fonte informativa comum para os livros de Deuteronômio e Josué. Supondo que somente em certo número de casos tenha havido material paralelo de diferentes autores. Os desacordos entre os críticos têm fortalecido a causa dos conservadores, que relutam em considerar que aquela teoria é necessária, visto que seu intuito consiste em tentar demonstrar uma data posterior para o Pentateuco e para o livro Josué, afim de que, nem Moisés e nem Josué sejam autores dos livros que lhes são atribuídos. Além disso, alguns eruditos preferem manter o Pentateuco como uma unidade separada para estudos, sem se envolver nas controvertidas teorias que circundam a ideia do Hexateuco. Parece-nos que somente um erudito do Antigo Testamento e do idioma hebraico muito profundo poderia fazer juízo muito inteligente sobre essas questões. Com base no que temos lido, diríamos o seguinte:
A teoria do J.E.D.P (S), considerada como um todo, não parece explicar informativas do livro de Josué. Mas a fonte informativa “D” parece figurar fortemente nesse livro. Alguns críticos dizem que o livro de Josué tem um estilo deuteronômico, mas outros negam tal estilo. Pelo menos a teologia deuteronômica se evidencia no livro de Josué, se alguém obedecer à lei de Deus, prosperará, e isso envolve tanto indivíduos quanto nações.

2 – O Tratamento dado aos Cananeus

Como todas as narrativas sobre guerras, o relato de Josué é bastante brutal e selvagem. Não apenas os estudiosos modernos, mas também os antigos intérpretes cristãos tiveram dificuldades em explicar a questão. Podemos atribuir a Deus toda aquela matança, tantas coisas feitas das maneiras mais violentas? Deus é realmente o Deus dos Exércitos? Não há uma diferença muito grande entre o Deus retratado no livro de Josué e o Deus retratado no Novo Testamento, que se manifestou em Jesus Cristo? Em defesa da visão de Deus no Livro de Josué, temos argumentos que dizem que a ira Divina contra o pecado é parte necessária da teologia. Às vezes, os homens chegam a extremos de maldades que assumem a posição extremada do voluntarismo, ensinando que aquilo que Deus quer é correto, sem se importar com a nossa atitude para a questão. Essa posição se parece muito com antiga teoria grega, que dizia: “O poder é direto”. Mas essa teoria deveria ser rejeitada com base em suma revelação mais iluminada sobre a natureza de Deus. Sabemos que os cananeus eram excessivamente malignos (Lv 18.21-24), e também que existe tal coisa como contaminação pelo mau exemplo. (Dt 7.1-5) É sabido que a religião dos cananeus era tremendamente imoral (o que tem sido demonstrado pelas escavações arqueológicas em Ras Shamra). O principal deus dos cananeus, El, era uma espécie de deus brutal e imoral. Seu filho Baal, também não servia de bom exemplo para homens piedosos. Ao admitir tudo isso, indagamos até que ponto podemos fazer uma comparação entre Yahweh por um lado, e El e Baal pelo outro. Não podemos evitar reconhecer que as representações de Yahweh, no Antigo Testamento, em alguns trechos, não se diferenciam grandemente das representações de El, na antiga literatura não-bíblica. Além disso, tanto El como Yahweh, são nomes compartilhados pelas culturas dos assírios, dos babilônicos e dos hebreus. Não admira, pois, que elas também compartilhassem idéias religiosas, e não meramente nomes divinos. De fato, sabemos que havia essa herança comum de idéias. Até hoje, os homens se deleitam em culpar a Deus por tudo quanto eles pensam e fazem; e até mesmo homens bons recorrem a esse estratagema. Pessoalmente é bom se ter cuidado como o uso de nomes divinos, relutando em juntar a palavra “Senhor” a tudo que se pensa ou se faz. Em contraste, há pessoas que vivem dizendo: “O Senhor me disse isto”, “O Senhor levou-me a fazer isto ou aquilo”. O “Senhor” quase passou a ser um bichinho de estimação envolvido pelas pessoas em todas as coisas tolas que elas pensam ou fazem como a escolha da cor do automóvel ou o lugar a ser visitado nas próximas férias. E assim os homens envolvem o nome de Deus em coisas que o Senhor não está nem um pouco interessado, por serem extremamente triviais. Alguns problemas no Antigo Testamento não são nada triviais. Em primeiro lugar, gostaríamos de frisar que a própria revelação bíblica é algo progressivo, não sendo de admirar que as idéias dos homens acerca de Deus se aprimorem, à medida que eles se espiritualizam e se tornam capazes de ter uma concepção mais nítida da deidade. É inútil imaginar que Josué se encontrava no mesmo nível de compreensão de Jesus ou dos vários autores do Novo Testamento quando eles falavam a respeito de Deus. Sabemos que, por muitas vezes, não menos que os gregos e muitos outros povos, Israel agiu como qualquer tribo selvagem e saqueadora. Como poderíamos negar esse fato? A história fala por si mesma.
Consideramos o caso de Davi. A época de Davi deve ter sido mais iluminada que os dias de Josué. No entanto, quando Davi fugia de Saul e se refugiava em Ziclague, que lhe fora dada como residência por Aquis, rei de Gate, ele iniciou uma série de ataques de terror e matanças nas áreas circunvizinhas. Por que ele agiu assim? O trecho I Sm 27.10 ss. revela o motivo (E dizendo Aquis: Onde atacastes hoje? Davi dizia: Sobre o sul de Judá, e sobre o sul dos jerameelitas, e sobre o sul dos queneus.) Ele, Davi, agia daquela forma para impressionar Aquis, dando ideia que estava atacando a sua própria gente, quando, na verdade, atacava inimigos de Israel. I Sm 17.9 diz que Ele a ninguém deixava vivo, nem homem, nem mulher, nem animal. Aquis aceitou a mentira, supondo assim que Davi se alienara totalmente de Israel, pelo que seria seu servo (de Aquis) para sempre. As palavras de Jesus por certo devem ter um peso decisivo em qualquer discussão desse tipo. Quando Seus discípulos quiseram invocar fogo do céu para consumir os samaritanos que tinham negado hospitalidade a Jesus e seu grupo, imitando assim uma figura nada menor que Elias, Jesus os repreendeu e declarou: “Vós não sabeis, de que, espírito sois. Pois, o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las.” (Lc 9.51-56). A ignorância e a falta de maturidade espiritual continuam afirmando que não há diferença entre as atitudes refletidas no Antigo Testamento e aquelas refletidas no Novo Testamento, no tocante à pessoa de Deus. Mas o que ganharíamos com a hipótese de que as idéias dos homens não melhoram, a medida que eles são iluminados e a sua espiritualidade se desenvolve? Poderíamos asseverar que não há diferença entre o Antigo e o Novo Testamento sobre uma questão tão importante quanto a natureza de Deus? Deus não mudou, mas nossa compreensão sobre a natureza divina certamente melhorou. A ira de Deus é uma realidade, mas isso é apenas um dedo de Sua amorosa mão. Ele julga os homens a fim de melhorá-los. O juízo divino é remedial, e não apenas retributivo.
Vejamos Pe 4.6, quanto a natureza remedial do julgamento divino. Notemos que, na passagem Petrina, os perdidos estão em foco. A cruz do calvário foi um julgamento, mas também serve de medida do amor que Deus tem pelos homens perdidos.

Conclusão

Temos que admitir o propósito de Deus atuante e através da entrada dos patriarcas hebreus na palestina, segundo o registro de Gênesis. Também devemos reconhecer que o propósito de Deus se manifestou no cativeiro egípcio. Seria ridículo dizer que Deus não estava com Moisés, nem realizou uma obra grandiosa, tirando Israel do Egito. Além disso, dentro do plano de Deus, era necessário que Israel, uma vez, mais, ocupasse a Palestina, a fim de preparar o caminho para o Messias e para os futuros desenvolvimentos espirituais, em escala mundial. Porém, quase não podemos desculpar a maneira como a conquista da Terra Prometida foi efetuada, com excessos de brutalidade. Em tempos menos selvagens, Deus poderia ter feito a mesma coisa de maneira diferente, sem tanto morticínio. Mas, se tribos e nações selvagens começarem a lutar, então teremos um registro como aquele do livro de Josué. Isso não significa que tais atos concordavam com a natureza de Deus, mas somente que essas coisas naturalmente ocorreram em face ao tipo de material humano com o qual Deus teve de tratar diante do primitivismo e da violência dos tempos em que aqueles acontecimentos se deram. Em outras palavras, usa-se o material disponível, mais isso não significa que aquilo que é feito reflete a natureza e os ideais divinos.

O testemunho do livro de Jonas

O livro de Jonas é o João 3.16 do Antigo Testamento. Jonas foi enviado para salvação de um povo pagão, e o verso final do seu livro mostra-nos que Deus estava interessado na vida dos animais, para nada dizermos sobre os seres humanos. Acresça-se a isso o próprio trecho de João 3.16, no Novo Testamento. Deus enviou o Seu filho amado para salvar os pecadores e não destruí-los. A destruição física faz parte do programa de purificação de Deus, mas as matanças violentas e excessivas que acontecem por ocasião das guerras dificilmente se coadunam com a natureza de Deus. O longo dia de Josué (Bete-Horon) Js 10.13. A palavra de ordem de Josué realmente fez o sol parar? O represamento da águas do Jordão – Js 4.15 ss. Temos ai uma divisão, em miniaturas, da água do mar Vermelho, uma reiteração daquele prodígio. Houve realmente uma intervenção divina que fez com que as águas do rio se avolumassem, ou um deslizamento de terras, convenientemente, ocorreu no momento crucial?

VII – Problemas arqueológicos

As evidências arqueológicas que nos podem ajudar a respeito do livro de Josué permanecem incertas. Quanto a Jericó, sabemos que no local foram erguidas diversas cidades com esse nome. Alguns arqueológicos, como Kathleen M. Kenyon acreditam possuir provas de que ali não havia nenhuma habitação na idade do Bronze Média (1.550 a 1.400 a.C). As evidências acerca da idade do Bronze Posterior foram apagadas. Túmulos e outros itens testificam acerca da ocupação do lugar na idade do Bronze Posterior II, pertencente ao séc. XIV a.C. Essa evidência pode favorecer uma data mais remota para a composição do livro de Josué, embora as questões atinentes a isso permaneçam incertas. A cidade de “Ai” até hoje não foi localizada com certeza. As ruínas de El-Tell, 3 km e pouco a leste-sudeste de Betel, têm sido considerada um local possível, mas as escavações no local não provam que ele tenha sido ocupado durante as idades do Bronze Médio ou Posterior, quando devemos datar o livro de Josué. Restos de fortificações foram encontrados, pertencentes a um período ainda mais antigo (cerca de 2.900 a 2.500 a.C), da idade de Bronze anterior ou de um período ainda mais recente (cerca de 1.200 a 1.000 a.C), de tal modo que Aí dos dias de Josué ainda não foi descoberta pelos arqueólogos. (Js 8.1-29). Outras escavações, feitas nas vizinhanças de Khirbet Haiyan e em Khirbet Khudriya não produziram nenhuma prova de ocupação humana que corresponda á época de Josué. Talvez Aí fosse apenas posto militar avançado, e não uma cidade, o que poderia explicar a ausência de evidências arqueológicas correspondentes aos dias de Josué. Outros supõem que, nos capítulos 7 e 8 de Josué, esteja em pauta a destruição de Betel, e não Aí. E as dúvidas que cercam a verdadeira data do livro de Josué apenas se somam às incertezas que circundam toda a questão.

VIII – Teologia distintiva do Livro

1 – O problema da matança dos cananeus, pelos israelitas, foi abordado nesta análise, em “Problemas Especiais item 2, O tratamento dado aos cananeus”. Isso nos envolve na visão de Deus dada pelo livro de Josué.
2 – O livro de Josué certamente apresenta-nos uma grande fé no destino determinado por Deus. Enfrentando grandes forças contrárias, Israel entrou em uma terra desconhecida para aquela geração, (a anterior havia morrido no deserto) e mesmo assim venceu. Eles creram que Deus era quem ordenava sua vida e obras. E assim cumpriram, com sucesso os propósitos que lhes foram atribuídos.
3 – O tema do teísmo é bem destacado. É Deus quem controla a história humana e nela intervém. Ele não é uma figura distante, divorciada de Sua criação, conforme prega o deísmo.
4 – A fidelidade de Deus ao Seu pacto é um dos temas dominantes (Dt. 7.7 e 9.5-6).
5 - O monoteísmo é ilustrado no livro especialmente através da determinação de extirpar o povo e a religião dos cananeus (Gn 15.16; Ex 20.2-6; Dt 7).
6 – A necessidade de um discipulado autêntico e resoluto é o tema geral do livro de Josué; sem isso, a conquista da Terra Prometida teria sido impossível.
7 – Vários tipos simbólicos podem ser encontrados no livro de Josué.
Vejamos a matéria em tipologia, a seguir.

IX - Tipologia.

“Essas coisas lhes sobrevieram como exemplos, e foram escritas para advertência nossa...” (I Co 10.11).
1 - O trecho de Hb 4.1-11 usa o relato da conquista da Terra de Canaã para ilustrar como entramos no descanso de Deus, ou seja, na vida eterna, que é a grande Terra Prometida. Josué não deu ao povo final e verdadeiro descanso (Hb 4.8), pelo que resta um descanso espiritual. (v. 9) Compete a nós buscar esse estado bem-aventurado. (v. 11) A desobediência e a dureza de coração são nossos inimigos. Moisés (representante da lei) não foi capaz de conduzir o povo de Israel até o interior da Terra Prometida. Josué (representante de Cristo e da graça divina) foi quem conseguiu fazer isso. Como é sabido, Josué foi um tipo e Jesus, o Cristo. Cristo é o comandante que vence a batalha, lutando juntamente com seu povo, com Seu exército. No sentido cristão, Jesus, o Cristo (cujo nome é o equivalente neotestamentário de Josué, Salvador), é quem provê um lar na Terra Prometida celestial, providenciando descanso para nós, após as vitórias espirituais que obtivermos neste mundo.
2 - Lutas e vitórias. A vida de todo homem espiritual e sério é uma luta em busca da vitória, e cada vitória é uma espécie de conquista da terra prometida.
3 – A experiência da redenção é prefigurada pelo fato de que o povo de Israel foi batizado em Moisés, na nuvem e no mar. (I Co 10.2) Os homens obtem posição espiritual quando o Espírito os imerge no corpo de Cristo (I Co 13.13; Ef 103; Rm 6.2-3). Essa posição espiritual consiste na união com Cristo e na participação na redenção que há em Seu sangue.
4 – A travessia do Jordão é uma figura simbólica da morte física, através da qual chegamos à vida plenamente espiritual.
5 – A terra de Canaã pode tipificar nosso encontro com os adversários espirituais e nossa subseqüente vitória sobre eles; ou, então, pode apontar para o céu, os mundos da luz, visto que, esses mundos celestes são equivalentes à Terra Prometida.
6 – Os vários povos inimigos, em torno da Terra Prometida, como os cananeus, os fariseus, os heveus, etc., aludem aos nossos adversários espirituais, aos quais precisamos vencer (Ef 6.12)
7 – As cidades de refúgio (Js 20). Há segurança espiritual em Cristo, abrigando-nos do pecado e seus efeitos.
8 – A divulgação do território (Js 13.1 – 21.45). Em nossa herança espiritual há variedade e abundância. Vale à pena perseguir a santidade. Há abundância espiritual para todos, em nossa herança eterna.

X – Subsídios

A compreensão do livro de Josué será grandemente auxiliada mediante a leitura da introdução ao livro. São abordadas questões como caracterização geral, pano de fundo histórico, autoria e data, destinatários, propósitos, canonicidade, problemas especiais, problemas arqueológicos, teologia do livro, tipologia, informações de quem foi Josué, a figura de herói do livro, etc... Em um sentido espiritual, o livro de Josué é como a epístola aos Efésios do Antigo Testamento. Os “lugares celestiais” da epístola aos Efésios são, para o crente, aquilo que a Terra de Canaã era para os Israelitas – lugar de vitória, pelo que também não é somente um tipo do céu, más também um lugar de vitória e benção através do poder divino. (Js 21.43-45; Ef 1.3)” (Scofield Reference Bible, em sua introdução ao livro)

Os livros históricos.

Embora todos os livros que fazem parte do antigo testamento contenham alguma história, os chamados “Livros Históricos” consistem-se, essencialmente, em história. Esses livros históricos são em números de doze, a saber: Josué, Juízes, Rute, I e II Samuel, I e II Reis, I e II Crônicas, Esdras, Neemias e Ester. Depois deles aparecem os chamados “Livros de Sabedoria” e finalmente, os “Livros Proféticos”. Para os hebreus, a história era uma questão muito importante; e muitas de suas proposições teológicas estavam alicerçadas sobre os eventos históricos. A grande quantidade de evidências arqueológicas confirma a exatidão dos escritos históricos dos hebreus. “A narrativa dos “Livros Históricos” é a história da ascensão e queda da comunidade de Israel, ao passo que, os profetas predisseram a restauração e a glória futura daquele povo, nos dias do “Rei Messias” (Scofield Reference Bible, em sua introdução ao livro de Josué). Podemos dividir a história de Israel em sete períodos distintos, a saber:
1 – Abraão ao Êxodo (Gn 12 – Ex 22);
2 – Do Êxodo à morte de Josué (Êxodo a Josué);
3 – O período dos juízes, da morte de Josué ao chamado de Saul (Jz 1.1 – I Sm 10.24)
4 – O período dos reis. De Saul aos cativeiros (I Sm 11.1 – II Rs 17.6);
5 – Os cativeiros (Ester e as porções históricas de Daniel);
6 – O período da comunidade restaurada de Israel, sob a hegemonia gentílica, o fim dos setenta anos de exílio na Babilônia, o retorno remanescente, até 70 d.C., quando os romanos destruíram Jerusalém. Então começou o cativeiro romano, em, 132 d.C., através de Adriano. Esse cativeiro estendeu-se até o nosso próprio século, e está começando a ser revertido (em maio de 1948, teve o inicio o Estado de Israel);
7 – A era futura do reino, no milênio (livros proféticos). Tempo coberto pelo livro de Josué. Se seguirmos de modo estrito a cronologia do livro de Josué, este cobre somente cerca de 26 anos. Os críticos, entretanto, opinam que o livro representa uma condensação dos acontecimentos, tendo a conquista da Terra Prometida sido prolongada por maior número de anos do que o livro de Josué dá impressão. Além disso, talvez a invasão tenha ocorrido mediante ondas de hebreus invasores, e não em uma única campanha geral.

O Hexatêuco

Muitos eruditos acreditam que o livro de Josué pertence aos primeiros cinco livros da Bíblia, compartilhando das mesmas fontes informativas múltiplas que se vêem no caso do Pentateuco. Isso formaria o Hexateuco. O artigo com esse título no dicionário apresenta argumentos completos a respeito.

Titulo do livro de Josué

No texto hebraico é intitulado Yehsua, nome hebraico do herói do livro. Significa “Yaweh salva”. Josué foi o salvador do povo de Israel, no sentido de que lhes deu a Terra Prometida, da mesma maneira que Cristo nos proporciona a Pátria Celeste. A ordem dos Livros Históricos. A maioria das traduções modernas segue o exemplo da Septuaginta, dando ao Livro de Josué o primeiro lugar no arranjo dos livros históricos. Em contraste, a Bíblia Hebréia tem a seguinte divisão geral:

1 – a Lei;
2 – os Profetas;
3 – os Escritos.

E o livro de Josué de acordo com esse arranjo da Bíblia em hebraico, encabeça a segunda dessas seções, ou seja, os Profetas. Por sua vez, os Profetas estão divididos em Profetas Anteriores e Profetas Posteriores. Os Profetas Anteriores incluem os livros de Josué a II Reis, mas sem o Livro de Rute; e os Profetas Posteriores incluem os Livros de Isaias a Malaquias, mas sem os Livros de lamentações e Daniel. Os Escritos, por sua parte, incluem, nesta ordem, os Livros de Salmos, Jó, Provérbios, Cantares de Salomão, Rute, Eclesiastes, Lamentações, Ester, Daniel, Esdras, Neemias e I e II Crônicas. Os estudiosos têm feito indagações sobre a razão de o Livro de Josué estar a testa dos livros Proféticos, dentro da disposição da Bíblia em hebraico, mas não conseguem chegar a uma resposta convincente. É possível que a vida de Josué tenha ilustrado os princípios pregados pelos profetas, ou que ele mesmo tenha sido um profeta, mas isso é insuficiente para colocar o livro de Josué no começo dos livros dos Profetas. Josué é um livro histórico, razão pela qual o arranjo adotado pela Septuaginta, e daí pelas traduções modernas, certamente é melhor do que aquele que aparece na Bíblia em hebraico.

Título: Juízes
Autor: Anônimo
Data: 1.050 a 1.000 a.C
Versículo-chave: Jz 21.25 (Naqueles dias não havia rei em Israel; porém cada um fazia o que parecia reto aos seus olhos. - (Ver também Jz 7.06; 18.1; 19.1)
Tema: A obediência redunda em benção de Deus; A desobediência redunda na disciplina de Deus.
(Apostasia e Livramento)


I – Caracterização geral         

O titulo “Juízes” é referido às 15 pessoas que presidiram os israelitas durante um período de 350 anos (ou pouco menos), entre o falecimento de Josué e a subida de Saul ao trono, como primeiro rei de Israel. Há estudiosos que pensam que esse período consistiu em apenas 200 anos. As diferenças nos cálculos devem-se quase totalmente à possibilidade de justaposição entre os períodos em que os Juízes governaram Israel. Esses períodos têm deixado perplexos os cronologistas. Juízes é o sétimo livro do Antigo Testamento. Israel havia escapado da servidão no Egito e conquistado, com sucesso, a Terra Prometida, mas muitos adversários nela permaneceram instalados em derredor e gostariam de expelir os israelitas dali. Assim, Israel esteve em turbulência constante, e sob ameaça de extinção. Os Juízes foram, entre outras coisas, libertadores de várias opressões estrangeiras. O livro de Juízes consiste de três blocos bem definidos de materiais:
1 – um breve repasse da ocupação de Canaã pelos israelitas (Jz 1.2-5);
2 – a história dos juízes (Jz 2.6 – 16.31);
3 – e, finalmente, um apêndice que fala sobre a migração dos danitas e o conflito interno contra os benjamitas (Jz 17 – 21).
Este livro está envolvido na controvérsia sobre a teoria J.E.D.P. (S), que trata das supostas fontes informativas dos primeiros livros da Bíblia. Aqueles que advogam essa teoria supõem que o bloco principal do livro (Jz 2.6 – 16.31) tenha procedido da escola deuteronômica de historiadores, que teria tido acesso a informes históricos mais antigos, relacionados a um período muito antigo, e que seriam as fontes informativas J e E. Presumivelmente, os relatos sobre os juízes teriam sido preservados em uma espécie de arcabouço estereotipado. Esse material informativo teria sido manipulado e incluído no relato geral do livro. Em cada um dos casos, temos a história de alguma opressão estrangeira, o clamor dos israelitas a Yahweh pedindo livramento em, então o próprio livramento. Os autores envolvidos encaram a história de Israel como uma série ou ciclos de apostasias e livramento, devido ao julgamento divino contra a transgressão, seguido pelo arrependimento do novo e sua restauração ao favor divino. Os eruditos que defendem a teoria J.E.D.P. (S), supõem que a introdução do livro de Juízes (1.1 - 2.5), tenha sido adicionada posteriormente, derivada de material informativo mais antigo, paralelo de certos trechos do livro de Josué, especialmente em seus capítulos 15 a 17. Presumivelmente, o apêndice do livro de Juízes também estaria alicerçado sobre tal material. Além disso, eles crêem que o relato sobre Abimeleque (Jz 9) e sobre certos juízes menores (Jz 10.1-5; 12.8-15), que seriam não deuteronômicos, foram adicionados posteriormente. Uma porção especial do livro seria o cântico de Débora (capítulo 5). Essa é uma obra-prima da poesia hebreia primitiva, que mostra consideráveis habilidades literárias. Os juízes formam líderes militares e religiosos, usualmente em defesa de tribos (uma ou duas), e nunca da nação inteira, uma vez que, não havia governo centralizador. O livro está permeado pela crença, comum aos livros históricos do antigo Testamento, de que, Israel prosperava quando obedecia à Lei de Deus, mas caia em desgraça, decadência e destruição, quando não obedecia a essa Lei. Muitos historiadores consideram simplista esse ponto de vista teológico da história. Seja como for, esse é um conceito fundamental que persiste tanto nos livros canônicos do Antigo testamento quanto em seus livros Apócrifos. Muitos estudiosos supõem que o livro de Josué dê um relato muito otimista a respeito da conquista da terra Prometida, sugerindo uma completa conquista daquele território. Na verdade, porém, foram feitos muitos inimigos ferozes, que nunca perderam certos territórios, como também até tentaram apossar-se novamente dos territórios que haviam perdido. O primeiro capítulo de Juízes deixa claro que a conquista militar, por parte de Israel, teve sucesso apenas parcial. Talvez os relatos de como Israel se defendeu dos ataques posteriores desses vários inimigos, antes de se tornar um reino unido sob Saul, tenham sido preservados como tradições das tribos envolvidas nos conflitos. O livro de Juízes, nesse caso, reuniria as histórias de como certos heróis locais derrotaram os vários adversários, tendo de enfrentar grandes dificuldades. Historicamente, é muito difícil determinar até que ponto Israel se sentia como uma única nação, e não um grupo de tribos frouxamente relacionadas, antes que houvesse um governo centralizador representado pelo rei. O livro de Juizes reveste-se de capital importância para entendermos esse período de transição dentro da história de Israel. O comentário dos editores finais do livro de Juízes, acerca dos frouxos laços que unificavam o povo de Israel com suas doze tribos, é a seguinte:
“Naqueles dias não havia rei em Israel: cada um fazia o que achava mais reto” (Jz 21.25).
Não tivessem surgido aqueles heróis locais, que se levantaram para defender o que a conquista da Terra Prometida havia ganho, e Israel, como nação, bem poderia ter desaparecido durante aquele período. Para piorar ainda mais a situação, as tribos de Israel com frequência entram em conflito interno, umas contra as outras. O livro de Juízes é a história da sobrevivência de um pequeno e ameaçado povo, que gradualmente se solidificou para formar uma nação que deixou uma marca perpétua na história da humanidade.

II – Pano de fundo histórico.

1 – Início.
Os patriarcas hebreus estiveram jornadeando na terra de Canaã, durante a Idade do Bronze Média (2.100-1.550 a.C.). Abraão chegou a Siquém e Betel (Gn 12) em cerca de 2000 a.C. Desse tempo em diante, os genitores da nação de Israel viveram na Palestina.

2 – José.

Em seguida, ocorreu o incidente no qual José foi vendido como escravo e levado para o Egito. Ele chegou ao segundo posto de autoridade naquele país em cerca de 1.991 – 1.786 a.C., durante a 12ª dinastia egípcia. Porém, esse ponto é intensamente disputado; e alguns preferem pensar que seu governo foi exercido durante o tempo dos intrusos semitas, os reis hicsos. Nesse caso, seu período foi cerca de 1.750 a.C., ou mesmo depois. O rei que não conhecera José pode ter sido o primeiro dos reis hicsos (Ex 1.8), ou então o monarca egípcio que pôs fim ao domínio dos hicsos. Maiores informações haveríamos de obter estudando outros artigos cronológicos sobre o patriarca José. Mas se a data posterior para a vida de José é a correta, então ele deve ter falecido em cerca de 1570 a.C.

3 – O cativeiro egípcio.

Os descendentes de Jacó acabaram sendo escravizados no Egito, como minoria ameaçadora, porquanto, José se tornara nessa época um fator desconhecido. O cativeiro no Egito pode ter durado entre 200 a 300 anos.

4 – O êxodo.

A data desse evento é muito debatida. Alguns pensam que ocorreu a cerca de 1.445 a.C., ou seja, perto de 500 anos antes de Salomão haver construído o Templo de Jerusalém. Mas outros estudiosos opinam que o êxodo se deu na 19ª dinastia egípcia (1.350-1.200 a.C.). Seja como for, Moisés foi levantado como profeta do Senhor no fim do grande cativeiro egípcio de Israel.

5 – Deserto.

Vieram, então, os quarenta anos de vagueação pelo deserto, que atuaram como um período de resfriamento e preparação para a invasão da antiga terra dos patriarcas hebreus, a Palestina. Seja como for, foi uma espécie de retorno genético e uma renovação da antiga confiança própria dos hebreus. Parece que as doze tribos de Israel eram formadas por unidades distintas umas das outras, mesmo quando estavam no Egito. Sem dúvida, isso foi confirmado quando a invasão da Terra Prometida se iniciou. Josué e seus exércitos encontraram o país dividido em muitas cidades-estado do regime tipo feudal, sempre guerreando umas contra as outras, embora também sempre dispostas a aliar-se para expelir qualquer invasor estrangeiro. As cartas de Tell El-Amarna, contam aspectos da história e fornecem pormenores que concordam com o relato do livro de Josué.

6 – Josué é livro que relata como o povo de Israel invadiu a terra de Canaã.

Israel conquistou essencialmente o território, embora tivessem ficado bolsões a serem conquistados. Certos estudiosos pensam que o relato do livro de Josué é excessivamente otimista. O primeiro capítulo do livro de Juizes deixa claro que parte do território ficou sem ser conquistada. Seja como for, muitos nativos da terra continuaram vivendo ali sem serem molestados. Apesar dessa falha, o território foi dividido entre as doze tribos de Israel. Os eruditos disputam se a terra foi conquistada em uma única e prolongada campanha, ou se aconteceu em ondas sucessivas. O livro de Josué, de fato, pode fornecer-nos a condensação da questão, uma espécie de esboço histórico, e não uma narrativa contínua do que sucedeu. De qualquer modo, podemos confiar na historicidade geral do livro, não nos preocupando com detalhes dessa natureza.

7 – Juízes.

Este livro relata o período que vai da morte de Josué até a unção de Saul como primeiro rei de Israel. Se esse período dos juízes durou 350 anos, conforme alguns dizem, então deve ter começado em 1.350 ou 1.375 a.C. Alguns limitam esse período em apenas 200 anos; e, nesse caso, começou em cerca de 1.225 ou 1.250 a.C. (notar no tópico, caracterização geral deste serviço, o que diz a respeito da natureza desse período).

III – Arqueologia

A ocupação da terra Prometida por parte de Israel foi obtida em um período relativamente curto e também foi uma conquista contínua. As explorações arqueológicas não mostram nenhuma interrupção no processo da conquista. As evidências colhidas nessas escavações indicam que os israelitas não eram nômades, que já haviam desenvolvido uma sociedade permanente e bem estruturada, ainda que, no período pelos livros de Josué e de Juízes, eles não formassem uma nação estreitamente solidificada. Todavia, não eram bons arquitetos e construtores. As culturas que eles destruíram eram bem superiores no tocante à arquitetura e às artes. A invasão israelita baixou-lhes o nível de vida e acabou com muitas atividades artísticas. No entanto, os hebreus eram superiores em relação às nações religiosas, com também no registro dos fatos históricos e na produção literária. A arqueologia também tem ilustrado o fato de uma contínua ocupação cananeia, sobretudo das terras baixas (em Megido e Bete-Seba). Os cananeus contavam com exércitos mais bem preparados que os hebreus, incluindo carros de combate. Os israelitas muito aprenderam deles quanto a esses armamentos. Os trechos de Js 11.13; 13;1 ss; 17.16 e Jz 1.19, 27, admitem que muitas áreas da terra de Canaã não foram ocupadas, porquanto os adversários dos israelitas eram simplesmente mais fortes que eles e estavam muito bem entrincheirados em suas fortalezas locais. A falta de água restringia os cananeus a certas áreas da Palestina. As descobertas arqueológicas mostram que Israel trouxe do Egito ou então, desenvolveu grandemente o conceito de armazenar água potável em cisternas. Era usada a forração das paredes das cisternas, tornando-as estanques. Essa invenção possibilitou a ocupação dos israelitas em áreas que antes disso haviam sido ocupadas muito esparsamente. A ausência de santuários antigos, nos lugares ocupados pelos israelitas, é conspícua, segundo as descobertas arqueológicas. Mas isso talvez se deva a falta de durabilidade dos materiais usados ou, então, à proibição divina acerca da construção de santuários. (Ex 20.24-26; Dt 12.1-7). Artefatos pagãos têm sido encontrados pelos arqueólogos com relativa abundância. Figurinhas de argila, representando mulheres despidas, têm sido encontradas em conexão com as deusas cananeias da fertilidade. Talvez essas figurinhas fossem amuletos de boa sorte, pelo que serviriam de duplo propósito. Nunca foram encontradas figurinhas representando homens despidos.

Megido e Taanaque.

As evidências arqueológicas, mostram que essas cidades não foram ocupadas ao mesmo tempo. Ficavam cerca de 8 km de distância uma da outra. Quando Débora e Baraque obtiveram a vitória na batalha de Taanaque, Megido já jazia em ruínas. Jz 5.19 talvez reflita isso, porque Megido não é mencionado como uma localidade habitada então. Pequenos reinos da Transjordânia continuaram a fustigar os israelitas, especialmente Moabe e Amon. A arqueologia tem mostrado que esses lugares eram bem habitados. Além disso, a ocupação do Neguebe (em sua porção mais ocidental) têm sido confirmada e ilustrada por várias descobertas. Outro tanto se pode dizer quanto a Sefelá. Figuras representando divindades e peças de cerâmica tem sido ali encontradas, fornecendo diversas informações. Uma das divindades filisteias era Dagon, uma antiga deidade dos amorreus.

Silo.

O culto ali existente foi destruído. Esse fato não é mencionado no livro de Juízes, mas a tradição israelita o confirma em Sl 78.60; Je 7.12 e 26.6. O local foi destruído mediante um incêndio, conforme demonstram as evidências, cerca de 1.050 a.C. Sem dúvida, isso resultou da derrota sofrida por Israel, a Afeque (I Sm 4). Nessa mesma época os filisteus destruíram outras cidades israelitas, o que demonstra como o poder dos filisteus permanecia, apesar de todos os esforços das tropas israelitas.

IV – O propósito e plano do livro

O autor sagrado, como é óbvio, tinha um plano bem definido ao escrever o livro. Jz 2.11-23 demonstra isso. Nessa passagem o autor explicita os pontos principais de sua narrativa, segundo se vê a seguir:
1 – No primeiro capítulo do livro, ele diz até que ponto progredira a guerra contra os cananeus; quais tribos de Israel tinham obtido êxito e quais haviam falhado, não conseguindo dominar regiões alocadas; e também como se conseguiu impor tributo a alguns filisteus. O trecho de Jz 2.1-10 dá-nos algumas informações nesse sentido.
2 – Em seguida, ele afirma a tese de sua teologia histórica, a saber, que o povo de Israel ia bem quando obedecia a Yahweh, mas ia mal quando desobedecia. A apostasia aparece como o principal impedimento ao pleno sucesso de Israel: “Porquanto deixaram o Senhor, e serviram a Baal e a Astarote”. (Jz 2.13) O castigo era imposto aos desobedientes: ”Por onde quer que saiam, a mão do Senhor era contra eles para seu mal, como o Senhor lhes havia dito e jurado; e estavam em grande aperto”. (Jz 2.15) Mas, quando se arrependiam, novamente as coisas lhes corriam bem. (Jz 2.16,23) Presume-se que o desígnio do autor sagrado não era fornecer uma narrativa definitiva sobre o período dos juízes, e, sim, prover um esboço que ilustrasse a sua tese. Ele não queria apenas ser um cronista, mas desejava explicar por que houve um declínio moral, religioso e político em Israel; e por que finalmente impôs-se o surgimento da monarquia. E ele conclui com a melancólica observação de que, durante aquele período, predominava o caos, pois cada um fazia o que lhe parecia melhor, não havendo um governo central que unificasse as coisas. (Jz 21.25)

V – Autoria e data

Os eruditos liberais pensam ser inútil tentar descobrir um único autor do livro de juízes, visto que a principal fonte informativa do livro, segundo eles creem, é “D” (escola deuteronômica), e também há contribuições das fontes informativas “J e E”. (Obs. Seria interessante obter mais detalhes consultando outras informativas, por exemplo. as “J.E.D.P.”) Todavia, o livro não inclui nenhuma menção a seu(s) autor(es), pelo que é uma obra anônima. Segundo alguns teóricos, “D” teria sido uma escola formada por editores ou historiadores que viveram no século seguinte ao da publicação do livro de Deuteronômio, que, segundo eles, teria sido lançado em 621 a.C. Esses homens teriam empregado o mesmo vocabulário e o mesmo estilo usado naquele livro. Presumivelmente, também foram os responsáveis pelas edições dos livros de Josué, I e II Reis e Jeremias, além do livro de Juízes e possivelmente porções de outros livros. Naturalmente, os eruditos conservadores consideram que essa data é tardia demais. No entanto, o próprio livro não nos fornece nenhuma declaração direta quanto ao tempo que em foi escrito, embora haja alusões que nos ajudam no tocante à questão, embora apenas parcialmente. O cântico de Débora (Jz 5.2-31) afirma ser uma composição contemporânea. Isso deve ter ocorrido em cerca de 1215 a.C. Mas o livro como um todo não pode ter sido compilado senão aproximadamente dois séculos depois, pois refere-se a captura e destruição de Silo (Jz 18.30-31), que ocorreu durante a juventude de Samuel (I Sm 04), por volta de 1.080 a.C. O último evento registrado no livro de Juízes é a morte de Sansão (Jz 16.30-31), que se deu pouco antes da instituição de Samuel como juiz, ou seja, em cerca de 1063 a.C. E a alusão ao fato de que não havia rei em Israel deixa claramente inferido que a monarquia, então, já havia começado, visto que o autor sagrado parece estar comparando um tempo em que não havia rei, com o tempo então presente, em que havia sido instaurada a monarquia. Não parece que o autor sagrado estivesse predizendo sobre a monarquia (Jz 17.6; 18.1 e 26.25). Saul tornou-se rei em cerca de 1.043 a.C., pelo que a compilação do livro de Juízes deve ter sido depois disso, embora tenham sido incorporados materiais mais antigos, orais e escritos. O livro parece ter sido composto antes que Davi capturasse Jerusalém, o que sucedeu em 1.003 a.C (II Sm 5.6-7), porquanto não há nenhum indicio, no livro, de que Israel tenha conquistado aquela cidade. Por todos esses motivos, muitos estudiosos, supõem que o autor sagrado tenha escrito durante os anos de reinado de Saul, chegando mesmo a asseverar que Samuel foi o mais provável autor do livro. Naturalmente, ao assim precisarem, já estão conjecturando. Não há como negar ou confirmar essa conjectura, contudo, pois o próprio livro nada diz quanto a identidade do autor. É verdade que o Talmude (Baba Bathra 14b) assim afirma, mas não há nenhuma comprovação histórica de tal afirmação. A mesma tradição afirma que Samuel também escreveu o livro de Rute e os livros que levam o seu nome; informação que também não se submete a prova ou negação Jz 1.21 declara que os jebuseus residiam em Jerusalém lado a lado com os filhos de Benjamim, até o dia em que o material sobre essa informação foi escrito, ou seja, antes da época de Davi. Todavia, é possível que isso inclua material mais antigo, deixado intacto por um compilador posterior (de depois dos tempos de Davi). Mas, se aceitarmos essa informação como dada pelo autor-compilador do livro de Juízes, torna-se plausível pensarmos em uma data que coincida com os dias de Saul, antes da época de Davi. Se o autor falava do ponto de vista da época de Saul, então é patente que a sua obra consiste, na maior parte, em compilações, pois ele registrou coisas que haviam acontecido muito tempo antes. Ele pode ter tido acesso a tradições antigas, de natureza oral e escrita, as quais podem ter sido preservadas por certas tribos de Israel, cujos heróis (Juízes) eram decantados e cujas narrativas merecem ser preservadas.

VI – Integridade e Unidade

O ponto de vista dos liberais envolve-nos na teoria J.E.D.P.(S), conforme dito na seção – Caracterização geral -. Ali damos um esboço das idéias concernentes aos vários materiais que um editor-autor teria reunido para formar o livro de Juízes. Os eruditos conservadores, apesar de defenderem a ideia de um único autor essencial (ou seja, a unidade do livro), admitem que ele deve ter sido mais um compilador do que um autor, conforme comentamos no último parágrafo da seção V, anteriormente. A unidade de propósito do livro é salientada como prova de que houve um único autor, embora não seja a razão pela qual um editor não possa ter reunido e dado unidade ao trabalho de vários autores. Infelizmente, questões dessa natureza tem-se tornado desnecessariamente o centro de debates e querelas, embora se revistam de pouca importância comparativa, exceto pelo fato de que é bom que saibamos o máximo possível a respeito dos livros da Bíblia. Pelo menos, nesses debates, nenhuma questão de fé é envolvida, e também não deveriam tais questões tornar-se padrão de julgamento sobre a espiritualidade de quem quer que seja. Os eruditos têm salientado que o livro de Juízes divide-se em três partes naturais:
1 – A natureza incompleta da conquista da Terra Prometida, com descrições sobre como cada tribo se saiu na empreitada.
2 – Os repetitivos ciclos de apostasia, perda de liberdade e restauração das tribos de Israel.
3 – Um quadro de desorganização no qual Israel caiu antes do estabelecimento da monarquia, uma espécie de idade das trevas de Israel. Alguns estudiosos pensam que um único autor foi o responsável por essas três seções do livro. Outros vêem a terceira dessas seções com a primeira seção. Porém, o que temos lido a respeito mostra-se muito vago a respeito; e os eruditos conservadores não se sentem impressionados diante desses argumentos. Alguns, dizem que os capítulos 9, 16 e 17-21, são destituídos de conteúdo religioso, pelo qual, não refletiriam um único e constante propósito do autor-editor, que, sempre quis lembrar-nos de que, Israel passou bem quando seguiu a retidão, mas deu-se mal quando se desviou do Senhor. Esses capítulos, pois, para esses intérpretes, seriam adições posteriores. Alguns deles vêem dois trabalhos editoriais distintos, o primeiro no século VII a.C., que teria envolvidos os capítulos 9, 16 e 17-21; e, então uma segunda edição, presumivelmente no século VI a.C., quando os capítulos que haviam sido omitidos na primeira adição foram desenvolvidos ao livro. Desse modo, os citados capítulos teriam escapado aos comentários editoriais que caracterizam o restante do livro. Supostamente, a forma final do livro teve de esperar pelos primeiros anos do cativeiro babilônico. No entanto, as evidências acerca de todas essas conjecturas são apenas subjetivas, faltando-lhes consubstanciação histórica.

VII – Os Juízes de Israel    

O livro de Juízes lista catorze juízes diferentes. Os nomes deles e as referencias bíblicas atinentes a cada um aparecem na seção VIII, O Conteúdo. A essa lista devem-se adicionar os nomes de Eli e Samuel. Débora deve ser contada juntamente com Baraque, em Jz 4.1 – 5.31. E Gideão e Abimeleque também devem ser associados um ao outro, formando um único juizado. Isso nos daria doze períodos de juizado no livro de Juízes. Mas, se contarmos os juízes individualmente, então acharemos catorze deles. Alguns estudiosos pensam que Abimeleque foi um usurpador, pelo que não deveria ser contado como um dos juízes. Os nomes dos juízes representam heróis locais que se tornaram lendários na história das tribos de Israel. Os governos deles poderiam ter coberto um período de nada menos de 400 anos. Os eruditos liberais creem que muitas lendas, ou mesmo mitos, penetraram nessas narrativas, tal como sucede em várias obras literárias do mundo, quando se trata de glorificar heróis nacionais. De fato, certos eruditos acreditam que Sansão representa o deus Sol, e Débora, Samuel e ainda outros seriam tipos tradicionais de lideres semi religiosos, semi tribais, que talvez tenham mesmo existido, mas cujos relatos chegaram até nós de mistura com muitas lendas. Contra essa opinião pode-se salientar que uma das grandes características do povo de Israel sempre foi a sensibilidade diante da história. Acima de qualquer outro povo, os israelitas sempre trataram a história como uma questão séria, incluindo suas genealogias e seus registros históricos. Por essa razão, apesar de admitirmos que o livro de Juízes pode representar um esboço da história, ainda assim não há razão para duvidarmos da veracidade desse esboço da histórico.

VIII – O conteúdo

A – O período antes dos juízes (1.1-2, 5):
1 – Condições sociais e políticas (1.1-36);
2 – condições religiosas (2.1-15)

B – Descrições de juízes específicos:
1 – Otniel (3.7-11);
2 – Eúde (3.12-30);
3 – Sangar (3.31);
4 – Débora e Baraque (4.1 - 5.30)
5 – Gideão e Abimeleque (6.1 - 9.57);
6 – Tola (10.1,2);
7 – Jair (10.3-5);
8 – Jefté (10.6 - 12.7);
9 – Ibzã (12.8-10);
10 – Elom (12.11-12);
11 – Abdom (12.13-15);
12 – Sansão (13.1 - 16.31)

C – Apêndice (17.1 - 21.25):
1 – A idolatria de Mica e Dã (17.1 - 18.31);
2 – O crime em Gibeá e seu castigo (19.1 - 21.25).

IX – Principais idéias teológicas

Poucos historiadores, ou mesmo nenhum, escrevem sem preconceitos ou propósitos subjetivos, que deixam transparecer em seus escritos. Toda a história é acompanhada de interpretação. O autor do livro de juizes ansiava por destacar idéias espirituais e juízos morais, e tornou-se parte integrante de suas narrativas, mas com o intuito de mostrar-nos que certas coisas sucederam, ou não sucederam, em face das condições espirituais do povo de Israel. O livro de Juízes apresenta-nos uma história teológica, e não apenas um relato sobre as condições sociais e políticas.
1 – A ira de Deus volta-se contra o pecador (Jz 2.22, 14). Israel era abençoado quando obedecia a Yahweh, mas castigado quando se revelava. A nação de Israel só podia sobreviver, cercada como estava por poderosos adversários, mediante a graça divina. Esforços de cooperação que rendiam resultados positivos tinham de estar alicerçados sobre a lealdade coletiva a Deus. (Jz 5.8-9, 16-18). Os juízos corretivos de Deus tocavam tanto sobre cada individuo quanto sobre a sociedade israelita como um todo.
2 – O arrependimento produz a misericórdia divina (Jz 2.16);
As opressões de povos estrangeiros serviam de meios para corrigir as condições de decadência moral, e isso tinha em vista o bem de Israel (Jz 3.1-4).
3 – O homem é, verdadeiramente, um ser decadente. Após cada livramento descrito no livro de Juízes, Israel escorregava novamente para a idolatria, o que exigia ainda outro ato de juízo divino e outro libertador. Parece que essa lição nunca foi absorvida, ou, então, que tinha de ser aprendida de novo a cada geração. Juízes 2.19, que diz: “Sucedia, porém, que, falecendo o juiz, reincidiam e se tornavam piores do que seus pais, seguindo após outros deuses, servindo-os e adorando-os; nada deixavam das suas obras, nem da obstinação dos seus caminhos”. Uma sociedade individualista por excelência estava repleta de erros, pessoais e coletivos.
“Naqueles dias não havia rei em Israel: cada um fazia o achava reto”. (Jz 17.6 e 21.15).
4 – Os sistemas centralizados no homem fracassam. Esta é lição geral ensinada pelo livro de Juízes. Na história de Israel, aprende-se que a única esperança reside na espiritualidade. Os políticos mostram-se corruptos, quando não antes, pelo menos depois que galgam posições de autoridade.

XI – Subsídios

No presente estudo foram abordados certos tópicos, que merecem um exame mais cuidadoso e extremamente necessário para um bom entendimento de cada tema e do respectivo livro em si.

A – O arcabouço do livro.

Este livro recebe o nome dos treze homens que foram levantados para livrar Israel, por ocasião do declínio e da desunião que se seguiram à morte de Josué. Através daqueles homens, Yahweh continuou governando pessoalmente o povo de Israel. O versículo-chave acerca das condições em Israel, durante a época coberta pelo livro, é Jz 17.6, que diz: “... cada qual fazia o que achava mais reto”.
Na escolha de vários guizes, vemos a ilustração da grande mensagem de Zacarias (Zc 4.6): “Não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos”. E também das palavras do apóstolo Paulo: “Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação, visto que, não foram chamados muitos sábios, segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento”. (I Co 1.26).

B – Continuação da narrativa de Josué.

O autor sacro do livro de Josué tinha-nos informado que havia restado, no território da Terra Prometida, vários bolsões de resistência, pois os hebreus não conquistaram todos os palmos do terreno que lhes cabiam conquistar. (Js 13.1) E o livro de Juízes mostra-nos que o relato dado por Josué, grosso modo otimista, não contava a história inteira. Somente nos dias de Davi aquele território seria conquistado na integra; e o relato do livro de Juízes deve ser considerado uma dentre várias tentativas, derrotas e vitórias, tendo em mira a conquista completa.
Os Juízes não foram reis. A autoridade deles não teve alcance nacional, mas na maioria das vezes limitou-se apenas a áreas específicas. Suas narrativas conferem-nos muitas lições morais e espirituais, e nelas os intérpretes tem encontrado subsídios valiosos através dos séculos.

Título: Livro de Rute
Autor: Anônimo
Data: Século X a.C
Tema: Em sua providência, Deus conduz e abençoa aqueles que Nele confiam.
(O amor que redime)
Versículo-chave: Rt 4.12 (E seja a tua casa como a casa de Perez (que Tamar deu à luz a Judá), pela descendência que o SENHOR te der desta moça.)

Introdução       
  
Entramos a estudar o Livro de Rute, uma moabita, nora de Noemi, uma israelita, que voltando a sua terra após ficarem ambas viúvas, é remida por Boaz, um parente próximo conforme o costume judaico. Boaz ao casar-se com Rute, com ela tem Obede, que por sua vez gera Jessé, pai do rei Davi, de quem Jesus é descendente. Analisemos esse livro.

I – Significado do Nome

No hebraico, Rutt, na Septuaginta Routh. Embora haja estudiosos que dão a esse nome próprio feminino o sentido de “companheira”, outros preferem pensar que o significado do nome é desconhecido. No cânon hebraico, o livro de Rute faz parte de sua terceira seção, os hagiógrafos. O livro era um dos cinco rolos (no hebraico Megilloth), cada um dos quais usado em uma das cinco principais festividades de Israel. O livro era lido por ocasião da festa das Semanas ou Pentecostes. Entretanto, na Septuaginta na versão latina “Vulgata” e na Bíblia portuguesa, o livro Rute vem imediatamente depois de Juízes. E essa arrumação parece historicamente lógica, porque o autor situa sua narrativa dentro daquele período da história de Israel, ao dizer logo no inicio da obra:
“Nos dias em que julgavam os juízes...” (Rt 1.1).
O livro gira principalmente em torno de sua heroína, Rute, a moabita. O nome dela aparece treze vezes na Bíblia, doze no próprio livro de Rute, e uma vez no livro de Mt 1.5, dentro da genealogia do Senhor Jesus Cristo. Aliás, por três razões principais a heroína, Rute, merece figurar como uma das grandes personagens femininas da Bíblia:
1 – O romance de sua vida e de sua fé no Deus de Israel, Yahweh.
2 – O fato de ter sido bisavó de Davi, o grande rei de Israel.
3 – O fato consequente anterior, de ter sido uma das antepassadas do Senhor Jesus.
Na genealogia de Cristo, no livro de Mateus, há menção de quatro mulheres: Tamar, nora de Judá; Rute, a que fora mulher de Urias; Bate-Seba; e Maria, Sua mãe. Tamar, era cananeia; Bate-Seba e Maria, israelitas; Mas, Rute, era moabita. Somente este fato, bastaria para torná-la uma estranha, porquanto Deus havia decretado que nenhum moabita faria parte do povo de Israel. Lemos em Dt 23.3: “Nenhum amonita nem moabita entra na assembléia do Senhor; nem ainda a sua décima geração entrará na assembléia do Senhor, eternamente”. Portanto, seu casamento com Quiliom e, posteriormente, com Boaz, e dessa vez, na terra de Israel, tem de ser atribuídos a duas causas:
1 - Ou esses israelitas afrouxaram na proibição acerca dos moabitas ou então Rute mereceu ser uma exceção à regra, devido à sua excelência de caráter.
2 - Quanto a Rute, ela se integrou perfeitamente ao povo de Israel, o que transparece, acima de tudo, em sua famosa declaração à sogra, Noemi: “Não me instes para te que te deixe, e me obrigues a não te seguir; porque aonde quer que fores, irei eu, e onde quer que pousares, ali pousarei eu; e teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus” ( Rt 1.16 ).

II – Pano de fundo

A origem racial de Rute faz parte do pano de fundo da narrativa. Ela pertencia a um dos povos cuja entrada na comunidade de Israel era vedada até a décima geração (Dt 23.3). Os dois primeiros capítulos do livro armam palco para a introdução de Rute na vida e história do povo de Israel. Havendo uma época de escassez de alimentos em Judá, um habitante de Belém de Judá, migrou para a terra de Moabe (não muito distante), levando consigo sua esposa e seus dois filhos solteiros. O Chefe da família chamava-se Elimeleque. Seus familiares eram Noemi, sua esposa, Malom e Quiliom. Elimeleque faleceu em Moabe. Agora a família de Noemi era composta de somente três pessoas, ela mesma e seus dois filhos rapazes. Mas, como é natural, eles se enamoraram de duas jovens moabitas, com as quais acabaram se casando: Malom com Órfã, e Quiliom com Rute. A alegria de Noemi, já amargurada com sua viuvez e distante de sua terra, não durou muito. Menos de dez anos depois, seus dois filhos, Malom e Quiliom, também faleceram. Agora, a família estava em situação difícil como nunca, pois eram três viúvas numa só casa, uma já idosa e as outras duas ainda bem jovens, ambas sem filhos. A situação da mulher na antiguidade era da mais total dependência ao homem. Se não houvesse homem que tomasse conta dela, e se ele não tivesse recursos próprios, geralmente, ficava reduzida à mais abjeta situação. Se fosse viúva, então, seu estado piorava mais ainda. Muitas mulheres nessas condições só dispunham de uma solução: entregar-se a prostituição. Era insustentável a situação de Noemi em Moabe. Então ela resolveu voltar à sua terra, velha e amargurada, sem marido, sem filhos, sem netos, com duas noras viúvas... e moabitas! Noemi sabia das dificuldades que as três enfrentariam, mesmo em Israel. Por isso, no caminho, tentou convencer suas noras moabitas a retornar a terra delas, onde poderiam casar-se de novo. Órfã, viúva de Malom resolveu atender às instâncias de sua sogra e desistiu de continuar viagem. Mas Rute, como já vimos, não quis afastar-se dela, disposta a compartilhar as durezas da vida diária de mulher estrangeira e viúva na terra de Israel, na época dos juízes, período extremamente conturbado para o antigo povo de Deus, conforme toma consciência todo o leitor do Livro de Juízes. Assim. apreensivas quanto ao presente e ao futuro, as duas mulheres finalmente retornaram a Belém de Judá. Os anos se tinham passado, e Noemi envelheceu. Mas os habitantes da cidade ainda se lembravam dela. Desoladas diante da situação de Noemi e Rute, as mulheres judias perguntavam: “Não é essa Noemi?”. E ela, muito triste e amargurada de espírito, respondia: “Não me chameis Noemi (no hebraico, “agradável”), chamai-me Mara (no hebraico, ”amarga”), porque grande amargura me tem dado o Todo-Poderoso”. (Rt 1.20) Todavia, o Senhor é Aquele que fere e cura a ferida, e o futuro próximo traria a Noemi perenes alegrias, como ela nem imaginava. O amargor e a desesperança de Noemi cederiam lugar á satisfação e ao senso de realização, conforme se vê no decorrer da história. Um dado interessante aparece no último versículo do primeiro capítulo do livro: Noemi e Rute “chegaram a Belém no principio da sega das cevadas”. Esse informe permite-nos saber que a seca terminara em Judá – os campos estavam novamente floridos e produtivos. E também faz-nos saber que elas chegaram em abril/maio. Na Palestina, era primavera! Semanas mais tarde começaria a colheita do trigo e do linho. De acordo com Lv 23.10-11, no mês de abib, mais ou menos correspondente ao nosso abril, ocorreria a entrega das primícias do campo. Portanto, tudo era festivo em Israel. Somente Noemi guardava no coração sua profunda tristeza. Mas, para Rute, as coisas começavam a perder os tons sombrios e iam-se tornando róseas e promissoras! Havia um parente rico de Elimeleque, falecido marido de Noemi. O nome desse parente era Boaz. Era o tempo da sega das cevadas, e Rute desejou ser uma das segadoras. Com a permissão de Noemi, ela foi. E por casualidade, entretanto, podemos ver a mão de Deus, que controla desde os movimentos das estrelas até o voo dos pássaros. Quando Boaz veio ver como ia a colheita, pôs a vista em Rute e perguntou ao encarregado: “De quem é esta moça?”. E a resposta que recebeu foi: “Esta é a moça moabita que veio com Noemi da terra de Moabe” (Rt 2.5-6). Imediatamente Boaz se interessou por ela, posto que grande discrição e respeito, chamando-a de “filha”. De fato, a diferença de idade entre os dois era bastante grande. Embora viúva, Rute provavelmente não havia chegado aos vinte e cinco anos (25), pois, na antiguidade, as mulheres casavam-se muito jovens. Boaz, entretanto, conforme a história nos permite depreender, já era um homem maduro. O segundo capítulo do livro permite-nos ver com que carinho Boaz tratou Rute. Não há que duvidar que ele sabia que ela era nora de Noemi. Viúva de Elimeleque, um parente seu já falecido. Mas, sem dúvida, também sabia que Rute havia aceitado o povo de Israel como seu povo, e o Deus de Israel como o seu Deus! Além disso, por que haveríamos de pensar que Rute fosse feia e sem graça? Quando Rute contou a sua sogra, Noemi, onde estivera trabalhando durante todo aquele dia, estampou-se um sorriso na enrugada fisionomia da velha judia. E Noemi disse triunfante: “Esse homem, esse Boaz, é um dos nossos parentes chegados. Ele é um dos nossos possíveis remidores” (Rt 2.20).
Encontramos ali menção à lei mosaica do parente-remidor. Esse parente tinha várias obrigações: cuidar dos membros necessitados de sua família mais imediata e mais remota, saldar dívidas incorridas por esses membros, e fazer tudo do bem-estar deles, incluindo o dever de ser o vingador do sangue. (Dt 25.5-10; Lv 25.25-28,47-49; Nm 35.19-21) Esse aspecto será ventilado com maiores detalhes na seção VII, Teologia do Livro. Por enquanto, diremos apenas que a “redenção” é um dos temas-chave do livro de Rute. Ora, tudo isso mostrou à Noemi que a mão do Senhor estava com ela e com sua nora, afinal de contas! A esperança brilhava cada vez mais intensamente para as duas! Diante de um protetor da qualidade de Boaz, por que Rute procuraria outra ocupação? Por isso mesmo, o segundo capítulo do livro termina com esta informação acerca de Rute:
“Assim passou ela à companhia das servas de Boaz, para colher, até que, a sega da cevada e de trigo se acabou, e ficou com a sua sogra”.
O terceiro capítulo do livro de Rute é muito romântico. Narra o namoro de Boaz com Rute. Noemi agiu como cupido, instruindo a nora viúva sobre como comportar-se de modo que atraísse a atenção de Boaz, sem também mostrar-se vulgar. Esse capítulo do livro é interessante porque nos mostra antigos costumes sociais na antiga nação de Israel, uma época romântica e repleta de mesuras e respeito, que nunca mais voltará. Há muitos lances, inclusive aquele de outro parente ainda mais chegado que Boaz, que, contudo, não quis cumprir o seu dever de parente-remidor. Pensamos que somente a própria leitura do livro será capaz de descortinar, para o leitor, o véu do tempo, a fim de que penetre naquela atmosfera para nós tão diferente. Eram outros tempos, e as pessoas não se sentiam ameaçadas de extinção repentina, em face de uma explosão atômica. Havia muito respeito pelos sentimentos das pessoas. É verdade que os tempos em Israel eram conturbados, e Israel só conseguia sobreviver graças às intervenções divinas, quase sempre miraculosas. Mas Boaz era um nobre de sua época e todas as suas ações refletem sua condição social.

III – Autoria

O livro é anônimo, isto é, seu autor não se identifica.
Segundo uma tradição judaica, o autor do livro de Rute foi o profeta Samuel. Outros opinam, todavia, que isso é improvável, porque o trecho de Rt 4.17,22 menciona Davi, oque já implica uma data posterior. No entanto, alguns intérpretes defendem a autoria de Samuel, argumentando que essas notas sobre Davi foram adicionadas por algum editor posterior. Além disso, os filólogos ajuntam que o estilo literário do livro, em seu original hebraico, sugere que a obra tenha sido escrita durante o período da monarquia em Israel. Voltam a carga os que defendem a autoria de Samuel, apelando para o Talmude (Baba Bathra 14), que diz que os livros de Rute, Juízes, I e II Samuel devem ser todos atribuídos a Samuel, embora ele só possa ter sido o cronista do âmago histórico dessas obras, ao que editores posteriores vieram juntar suas anotações e acréscimos. Mas, conforme temos insistido no tocante a outros livros do Antigo testamento, questões como autoria e data de composição não são de primária importância. O que realmente importa é a mensagem do livro, dentro do fluxo da história revelada. Entretanto, estas questões secundárias dão margem a intermináveis discussões e debates, que não levam a coisa alguma. Visto que, em muitos casos, a própria Escritura não nos fornece tais dados, e tudo quanto se possa dizer será dito por inferência, ou mesmo por pura especulação.

IV - Data

A questão da data da composição do livro está presa à questão da autoria, como é lógico. Todavia o livro de Rute pelo menos fornece-nos um indício seguro quanto a questão da data. Visto que em Rt 4.17-22 Davi aparece como rei e, sabendo-se que Davi só se tornou o segundo monarca de Israel após a morte de Samuel, por isso mesmo o livro deve ter sido escrito após a época daquele profeta. Se aceitamos as datas extremas de Samuel como 1.170-1.060 a.C., então teremos de datar o livro de Rute depois disso. Todavia, a questão tem suscitado muitos debates, com a apresentação de argumentos especiais. Procuraremos mencionar aqui os mais pesados desses argumentos.
1 – A inclusão do livro de Rute entre os Hagiógrafos (ou escritos), de acordo com o cânon hebraico, não determina necessariamente uma data posterior para a obra. O livro pode ter sido colocado ali devido ao fato de que era um dos cinco livros lidos nas festividades judaicas (os Megilloth);
2 – Alguns aramaísmos e outras formas literárias posteriores tem levado certos eruditos a aceitar uma data pós-exílica para o livro. Mas esse argumento é rebatido por outros estudiosos, que afirmam que os aramaísmos podem ser vistos nos livros da Bíblia desde o período mosaico, e isso anula (possivelmente) esse argumento.
3 – Aqueles que dizem que o livro de Deuteronômio é uma obra posterior, pertencente ao século VII a. C., e não ao período mosaico propriamente dito, também argumentam que o livro de Rute não pode ser posterior a Deuteronômio 23.3, onde se encontra a proibição da aceitação de amonitas e moabitas na comunidade judaica. Esse argumento, porém, depende inteiramente da data da composição do livro de Deuteronômio. E a opinião dos autores da teoria do J.E.D.P.(S), que envolve o livro de Deuteronômio (“D”), dizendo que ele é de composição tardia, em relação aos demais livros do Pentateuco, cada vez mais cai no descrédito. A maioria dos eruditos continua atribuindo a Moisés a autoria do Deuteronômio. E isso arrasta novamente mais para a antiguidade a data da composição do livro de Rute.
4 – É verdade que a pureza do hebraico, que se vê no livro de Rute, quanto à gramática e ao estilo, aponta para uma data pré-exílica. Mas pré-exílica até que ponto?
O outro extremo é obtido graças à genealogia que se encontra em Rt 4.18-22, a menção a Davi e a explicação acerca de um costume antigo, em Rt 4.7. Isso nos mostra que a época da composição do livro deve ter sido após a subida de Davi ao trono de Israel.
5 – Uma aproximação talvez maior é obtida levando-se em conta a falta de hostilidade contra os moabitas. Não há necessidade alguma de apelar para Dt 23.3, quanto a essa amizade entre israelitas e moabitas. Pois, nos primeiros anos de Davi, não havia hostilidades entre Israel e Moabe, conforme se aprende em I Sm 22.3-4, embora esse quadro seja um tanto negado em II Sm 8.2,12 (trechos que o leitor deve examinar para que entenda a força desse argumento). Todavia, sabe-se que mais tarde, ainda durante o período monárquico dividido, quando a nação de Israel já se havia separado em duas – Israel (ao norte) e Judá (ao sul) -, houve hostilidades entre Israel e Moabe. E os profetas posteriores chegaram a ameaçar os moabitas, conforme se vê, por exemplo, em Is 15 e 16; 25.10; Je 9.26; 25.21 e 27.3 e Ez 25.8-11. Levando-se em conta todos esses argumentos, embora não se possa precisar uma data exata para a composição do livro de Rute, pelo menos pode-se afirmar, com alguma segurança, que ele deve ter sido escrito no começo da monarquia de Israel unida, nos dias de Davi ou Salomão.

V – Propósito do livro

O propósito do livro de Rute também depende, em muito, da data da sua composição. Na opinião de muitos estudiosos, pelo menos o principal propósito dessa joia literária sagrada de Israel é servir de elo de ligação entre o conturbado período dos Juízes,”...quando não havia rei em Israel...” (Jz 21.25), e a monarquia, sobretudo o governo perenemente decantado de Davi, o maior de todos os monarcas de Israel.
Que rei não tem a sua genealogia?
O livro de Rute, pois, preenche um período histórico que formaria um hiato misterioso e obscuro sem ele. Contudo, talvez nenhum outro livro do Antigo Testamento, dos menos volumosos, na opinião dos eruditos, tenha tanto propósitos, conforme se pode observar na lista a seguir:
1 – Para alguns, seria uma novela sem valor histórico, um relato idílico em torno de personagens com nomes bem escolhidos: Rute, “companheira”; Noemi, “agradável”; Mara, “amargurada”; Malom, “enfermidade”; Quiliom, “desperdício”; Órfã, “teimosa”; Eimeleque, “Deus é rei"; Boaz, “préstimo”. No entanto, o próprio livro apresenta-se como uma obra histórica (Rt 1.1), não havendo evidências de anacronismo.
2 – Para outros, o livro quis mostrar como uma moabita foi incluída na linhagem ancestral de Davi. O clímax da narrativa do livro é atingido quando Rute dá a luz a Obede (no hebraico, “servo”). Obede foi pai de Jessé, e este pai de Davi. Contudo, alguns pensam que esse propósito é pequeno demais, e que deveríamos incluir algo mais.
3 – Um apelo para que se desse continuidade a lei do levirato.
Essa lei impedira a extinção de uma importante família em Judá. E isso de mistura com sentimentos humanitários para com Rute, uma estrangeira, moabita, viúva, desamparada, sem filhos, mas que aceitara tornar-se parte integrante do povo de Israel. Assim pensam outros eruditos.
4 – Há quem creia que o livro foi escrito como um tratado pós-exílico a fim de combater o estreito exclusivismo dos judeus, introduzido por Esdras e Neemias. Destaca-se, então, o estatuto deles contrário a casamentos de mulheres estrangeiras com homens judeus. Todavia, há fortes razões para não aceitar essa opinião. A canonicidade do livro dependeu, em grande escala, de judeus que eram herdeiros espirituais de Esdras e Neemias, pelo que, se esse tivesse sido o propósito do livro, eles o teriam rejeitado. Conforme dizem alguns comentadores, a possibilidade de uma guerra literária em torno de questões ideológicas é muito duvidosa naquele período tão remoto.
5 – Outros pensam que Rute é o modelo mais fulgurante de proselitismo. Assim também disseram rabinos posteriores. Lembremos que ela rompeu definitivamente com o seu próprio povo, tornando-se leal a nação e a religião que preferiu adotar. Não há que duvidar que esse motivo é forte no livro de Rute.
6 – Talvez não devêssemos pensar em um único propósito abrangente. O livro de Rute foi preservado por seus próprios méritos, como reflexo da providência abrangente e amorosa de Deus, que condescende em dirigir a vida simples de pessoas como Noemi e Rute. A história é muito consoladora para os desesperançados, desolados e destituídos de seus entes queridos. Também não podemos esquecer o papel de Boaz como parente-remidor, um tipo do nosso grande Parente-remidor, o Senhor Jesus Cristo, que nos remiu da servidão do pecado ao preço do Seu próprio sangue vertido na Cruz do Calvário. Se a isso ajuntarmos que o livro serviu de importante elo na corrente histórica do povo de Israel, na história da redenção, então teremos penetrado na mente e no coração do autor sagrado, fosse ele quem fosse, dirigido como estava sendo pelo autor maior, o Espírito de Deus.
Há muitas lições preciosas no livro de Rute. Elas nos faz lembrar do que diz Paulo, em uma de suas epístolas: “Pois tudo quanto outrora foi escrito, para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das escrituras, tenhamos esperança” (Rm 15.4).

VI – A canonicidade

A canonicidade do livro de Rute nunca foi posta em grande dúvida. Nem pelos judeus, que não tardaram em incluí-lo entre seus livros mais conhecidos, lido que era anualmente, publicamente, durante a festa das Semanas ou Pentecostes. Josefo, historiador, (Contra apoio 01.08), aparentemente contou Rute juntamente com o livro de Juízes, tal como reuniu Lamentações com Jeremias, perfazendo assim 22 livros, segundo o cânon hebraico. Jerônimo, outro historiador, um dos pais da Igreja, também indica, no seu “Prolugus Galeatus, que os judeus juntavam Rute com Juízes, embora também tivesse dito que outros punham Rute e Lamentações entre os Hagiógrafos. Esta última disposição do livro, dentro do cânon, foi feita na sinagoga judaica, embora não se saiba quando nem por que, isso é o máximo que se pode dizer sobre a história do canon hebraico quanto ao livro de Rute. Dentro do Cristianismo, o livro também nunca viu sua canonicidade ameaçada em nenhum sentido.

VII – Teologia do Livro. “quando Abraão foi abençoado por Deus, o senhor decretou!... em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3).
Esta promessa permanece em pé, para os judeus, sempre que eles se conservam obedientes ao Senhor e entendem sua missão na Terra. É claro que a benção mais definitiva chega a todos os povos da terra por meio de Jesus Cristo, descendente de Boaz e Rute. No entanto, muitos judeus, em cada geração, mas especialmente em certos períodos de sua história, tem esquecido esse fato e sido até exclusivistas e xenófobos. (aquele que pratica a xenofobia: aversão por coisas ou pessoas estrangeiras). O livro de Rute ensina o erro desse exclusivismo judaico, sem dúvida uma das atitudes de defesa àqueles que apelam quando muito perseguidos. O amor de Deus é universal, englobando todos os povos. A história de Rute, a moabita, veio ilustrar exatamente isso. Ela foi um exemplo vivo da verdade de que a participação no reino de Deus não depende de carne e sangue. pois ela era moabita, estando vedada sua entrada na comunidade de Israel por dez gerações, e sim em face da “obediência por fé” (Rm 1.5). Ela aceitou de todo o coração ao povo de Deus e ao Deus do povo de Israel. Mas Deus a aceitou de tal maneira que ela se tornou antepassada não somente de Davi, mas do próprio Cristo. Boaz, por sua vez, é o grande tipo de Redentor, no livro de Rute. De fato, como já dissemos, a “redenção” é o conceito central do livro. O termo hebraico correspondente, em suas várias formas, ocorre por nada menos de vinte e três vezes no livro. Esse termo é goel. Boaz fez isso publicamente, à porta da cidade, diante de testemunhas: “Sois hoje testemunhas de que comprei da mão de Noemi tudo o que pertencia a Elimeleque, a Quiliom e Malom; e também tomo por mulher à Rute, a moabita... ” No tocante à Noemi, o relato acompanha a transformação pela qual ela passou depois que voltou a sua terra, de mulher amargurada para mulher feliz. Ela chegou ali empobrecida (Rt 1.21; 3.17), destituída de todos os seus parentes (Rt 1.1-05), e terminou uma mulher segura de si, feliz, radiante de esperança (Rt 4.13-17). Podemos ver dois reflexos disso.
Primeiro na história nacional de Israel, após a morte de Eli (Is 4.18), quando a nação chegou a perder a arca da aliança, o emblema visível, por excelência, da presença do Senhor, e daí passou à paz e à prosperidade dos primeiros anos do reinado de Salomão, trineto de Rute (I Rs 4.20-34; 5.4). Muito mais dramática, entretanto, é a transformação experimentada por toda alma remida ao sangue de Cristo, do que todo o Novo Testamento dá testemunho. Podemos citar um trecho neotestamentário para avivarmos a memória: “...pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificas gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.23-34).
Esse segundo reflexo à teologia do livro de Rute é ainda maior que o primeiro, porquanto fala de bençãos universais e eternas.

VIII – Valor literário

O valor literário do livro de Rute é indiscutível. Ombreia-se com o melhor que a literatura mundial tem produzido. É um conto rápido, mas escrito com consumada habilidade. Em gênero, talvez não tenha igual dentro da Bíblia inteira. Damos a mão à palmatória. Os antigos israelitas deveriam escrever. A melhor técnica de obra literária de ficção é ali observada, desde a introdução, passando por um cativante enredo, com sua crise quase insolúvel, até a solução mais feliz, que satisfez a todos os envolvidos. Na observação de vários comentários o livro mostra-se muito simétrico em seus lances. A solução começa a descortinar-se exatamente no meio do livro, quando Noemi diz a sua nora “... O Senhor ainda não tem deixado a sua benevolência nem para como os vivos nem com os mortos. Esse homem é nosso parente chegado, e um dentre os nossos resgatadores...” (Rt 2.20). Tem-se também observado que o encerramento de cada episódio facilita a transição para o que vem em seguida (Rt 1.22; 2.23; 3.18 e 4.12). Outra característica do livro, que prende o interesse dos leitores, são as duas personagens principais: Rute e Boaz. A primeira é jovem, estrangeira e desamparada em sua viuvez; a outra personagem é um homem de meia idade, abastado, respeitado em comunidade. Boaz desempenha o papel masculino de protetor com admirável ternura. Rute, por sua vez, soube oferecer-se sem ser coquete, desempenhando seu papel feminino com muita dignidade. Além disso, ambas as personagens principais contaram com alguém que fez contraste com elas, salientando suas qualidades de caráter e de realização. Rute teve uma Órfã, que ficou muito aquém dela em valor; Boaz teve o parente mais chegado ainda, mais cujo nome nunca é dado, e que, por causa de seus próprios interesses, não cumpriu seu papel de parente-remidor, que lhe cabia, por dever, por parente ainda mais chegado que Boaz. Outros lances da narrativa não são menos dignos de comentários. Noemi e Rute voltaram a Judá, para a cidade de Belém (no hebraico, “Casa do Pão”), enquanto em Moabe tinham sofrido privações. E voltaram no tempo da sega, o que, por si só, serviu de previsão de abundância de bençãos materiais e espirituais. Isso constituiu uma autêntica restauração. Nesse episódio, Noemi representa o povo judeu do futuro, e Rute, a moabita, representa os povos gentílicos que tiveram permissão de compartilhar a sorte renovada e feliz do povo de Israel, durante o milênio. Enfim, aquele que começa a ler o livro de Rute só cessa a leitura quando chega ao fim. E, então, sente o seu espírito refrigerado, compartilhando a felicidade da idosa e simpática Noemi. Obede, filho nascido de Boaz e Rute, embora não fosse autêntico neto de Noemi, representou grande consolo para ela. As mulheres judias compreenderam isso e lhe disseram: “Ele, (o menino) será restaurador da tua vida, e consolador da tua velhice, pois tua nora, que te ama, o deu à luz, e ela te é melhor do que sete filhos”. E Noemi, com o coração transbordando da felicidade recém-encontrada, “... tomou o menino, e pôs no regaço, e entrou a cuidar dele”. Todos devem ter percebido o apego de Noemi pela criança, pois as mulheres da localidade comentavam: “A Noemi nasceu um filho! (Rt 4.15-17). Também nós, quando da volta do Senhor Jesus, haveremos de apegar-nos a Ele para nunca nos casarmos. E Ele nunca se cansará de nós.
Cristo já não mostrou como nos tratará?
Eis que Ele mesmo diz: “Eis aqui estou eu, e os filhos que Deus me deu” (Is 8.18 e Hb 2.13);

IX – Esboço do conteúdo

Rute e Noemi
A – Introdução: O drama de Noemi (Rt 1.1-5)
B – Noemi Volta a Judá (Rt 1.6-22)
1 – Rute apega-se a Noemi (Rt 1.6-18)
2 – Noemi e Rute chegam a Judá (Rt 1.19-22)
C – Encontro de Rute e Boaz (Rt 2.1-23)
1 – Rute começa a colher (Rt 2.1-7)
2 – Bondade de Boaz para com Rute (2.8-16)
3 – Rute volta a Noemi (Rt 2.17-23)
D – Rute e Boaz na eira (Rt 3.1-18)
1 – Instruções de Noemi a Rute (Rt 3.1-5)
2 – Boaz resolve ser parente remidor (Rt 3.6-15)
3 – Boaz prepara-se para casar com Rute (Rt 4.1-12)
4 – Conclusão: A felicidade de Noemi (Rt 4.13-17)
5 – Epílogo: genealogia de Davi (Rt 4.18-22)

Queremos ainda tecer alguns comentários esclarecedores sobre certos pontos desse esboço do conteúdo.
1 – A desastrosa migração a Moabe (Rt 1.1-5)
Uma data aproximada para esses acontecimentos, se formos retrocedendo da genealogia de Rute 4.17, é de 110 a.C. O período de fome, em Israel, tomou Elimeleque e os três membros de sua família “peregrinos”, em Moabe onde eles não tinham nenhum direito de cidadão. Não há nenhuma menção sobre algum castigo divino por haverem eles deixado a sua terra, e em face ao casamento de Malom e Quiliom, com mulheres moabitas, mas esse castigo pode aparecer implícito nos desastres que se abateram sobre a família com a morte dos três membros masculinos:
Eimeleque, primeiro, e, então, Malom e Quiliom, deixando três mulheres viúvas. A lamentação de Rute 1.21, sugere a perda considerável possessões materiais, que a família teria trazido de Belém, talvez adquiridas antes que a fome apertasse em Judá. Diz aquele versículo: “Ditosa eu parti, porém o Senhor me fez voltar pobre...”
2 – A volta de Noemi a Belém de Judá (1.6-22).
Quando Noemi resolveu voltar à sua terra, suas duas noras viúvas teriam mais possibilidades de arranjar novos casamentos em Moabe. Órfã percebeu a desvantagem de ir para Judá com Noemi. Mas certas palavras de Rute mostram que ela já havia aceitado Yahweh como o seu Deus antes mesmo de resolver partir para Judá. Disse Rute: “... faça-me Senhor o que lhe aprouver...” (Rt 1.17). E assim Rute partiu com Noemi naquela viagem de apenas 80 km até Belém da Judeia. Para nós essa distância nada representa. Com um automóvel, nas estradas modernas, tal distância pode tomar apenas uma hora de viagem. Mas, naquele tempo, viajando a pé, duas mulheres podem ter passado vários dias no trajeto, enfrentando os mais diversos perigos.
3 – Rute e Boaz conhecem-se (Rt 2.1-23).
Os cuidados demonstrados por Boaz em favor de Rute mostram-nos quão indefesa estava uma mulher, jovem e estrangeira, em outra terra que não sua. Apesar do perigo, Rute trabalhou arduamente, a fim de sustentar a si e a sua sogra idosa. Sem dúvida, isso não deixou de ser observado por Boaz. Quem gosta de uma mulher preguiçosa, mesmo quando sofre penúria?
4 – O plano de Noemi (Rt 3.01-5).
Assim como Rute mostrou-se disposta a trabalhar para sustentar a sogra, também Noemi planejou a felicidade de sua nora. As instruções de Noemi a Rute foram apelo indireto a Boaz, para que ele desempenhasse seu papel de parente-remidor. Nessas instruções, Rute teria de tomar a iniciativa na conquista amorosa. Talvez Noemi tenha visto que Boaz, por ser homem de meia-idade, e solteirão, não tomaria a iniciativa. Mas depois que Rute pediu que ele lançasse a capa sobre ela, mostrando assim com prazer que o aceitaria como o marido, Boaz começou a agir. Assim, Noemi planejou de modo estratégico certo. O primeiro obstáculo para Boaz foi afastar o parente ainda mais chegado, o qual ele conseguiu valendo-se do argumento de que ele também deve casar com Noemi, o que o parente mais chegado não aceitou. Então começou a tomar as providências para casar com Rute; Boaz não era homem irresoluto para ficar pelo meio do caminho, conforme Noemi reconheceu. (Rt 3.18)
5 – Na porta da cidade (Rt 4.1-12)
Essa porta sempre dava para a praça principal das cidades antigas. Ali se faziam os negócios comerciais, judiciais e sociais. Interessante é o antigo costume refletido Rt 4.7-8. Aquele foi o sinal público de que o parente mais chegado desistia do dever de ser o parente-remidor, transferindo-o a Boaz o ato que solenizou e deu legalidade ao casamento de Boaz e Rute.

X – Subsídios

Citações de Rute no Novo Testamento.
Não existem citações diretas do livro de Rute no Novo Testamento. Os nomes Boaz e Rute aparecem em Mt 1.5, na genealogia de Jesus. Ao casar-se e ter filhos com Boaz, Rute tornou-se a bisavó do rei Davi (Rt 4.13-22). Foi assim que uma desprezada viúva moabita entrou na genealogia de Davi, que culminou na pessoa de Jesus. A história passou nos dias dos juízes de Israel, embora nada tenha em comum com os relatos sangrentos das guerras internacionais e intertribais que são narradas no livro de Juízes. Talvez um dos propósitos do livro consista em criar um sentimento favorável acerca dos estrangeiros e de seu potencial espiritual, ao passo que o livro de Juízes tem o efeito precisamente oposto, porquanto ali a palavra “estrangeiro” sempre aparece como sinônimo de “opressor”. Nos tempos pós-exílicos, a lei de Israel forçava o divórcio de hebreus que se tivessem casado com estrangeiros, visto que Novo Israel, que começou logo depois do cativeiro babilônico, tinha de ser racialmente puro. Alguns estudiosos supõem (sem duvida de forma errônea que Rute seja um livro de tempos pós-exílicos, cuja intenção era suavizar a postura acerca dos “estrangeiros”). Seja lá como for, o amor universal de Deus brilha através de todos os limites nacionais e até os transcende, porquanto, “Deus amou o mundo de tal maneira” (Jó 3.16). O fato de que os antepassados de Jesus incluem indivíduos gentios, e até uma humilde viúva moabita, é instrutivo e dificilmente pode ter ocorrido como mero acidente histórico. Embora houvesse uma nação escolhida (Is 19.24), o Messias também serviria de “luz para os gentios” (Is 49.6). E o povo escolhido de Israel veio a existência precisamente para tornar essa luz mais brilhante e eficaz. Os livros de Jonas e de Rute, pois, atuam como se fossem os trechos de Jó 3.16 do antigo testamento. “Essa amorosa história deve ser lida em conexão com a primeira metade do livro de Juízes, porquanto, nos apresenta um quadro da vida em Israel, durante a época deles. Mui tipicamente o livro de Rute pode ser tido como uma visão antecipada da Igreja (Rute), como noiva gentílica de Cristo, o betelemita, capaz de redimir. Rute também serve de exemplo do serviço cristão normal:

1 – decidindo (capítulo 1)
2 – servindo (capítulo 2)
3 – descansando (capítulo 3)
4 – recebendo a sua recompensa (capítulo 4) – Scifuek reference Bible, introdução.

A - Ideia geral do Livro de Rute.

O livro recebe seu nome de uma jovem moabita que se casou com um homem hebreu que fora viver na terra de Moabe. Quando morreu esse seu marido, Rute migrou para Israel em companhia de sua sogra, Noemi, para a cidade de Belém. Ali a providência divina mostrou-se graciosa e fê-la conhecer Boaz, um próspero agricultor hebreu. A união que resultou desse encontro tornou Rute avó do rei Davi, fazendo-a assim entrar na genealogia de Jesus, o Cristo. (Mt 1.5)

B - Rute e Ester

Os dois livros com esses nomes são os únicos volumes formadores da Bíblia que foram chamados de acordo com duas personagens femininas. Ambas as mulheres desempenharam um papel-chave na história de Israel. Ester casou-se com um rei gentio, sendo assim alçada a uma posição que garantiu a sobrevivência do povo de Israel em tempos atribulados. Rute foi usada por Deus a fim de perpetuar a linhagem do Messias. O livro de Rute é lido anualmente pelos judeus ortodoxos por ocasião da festa do Pentecoste. O casamento. De Rute ocorreu durante o tempo dessa festa religiosa, o que explica a conexão histórica (Rt 3.2 e Rt 1.22).

C – A data do livro

É impossível determinar com precisão a data do livro. Visto que Salomão não é mencionado na genealogia existente no final do livro. (Rt 4.18-21) É possível que o livro tenha sido escrito antes dos dias do seu reinado, provavelmente ainda nos dias de Davi. No entanto, o costume de trocar de sandálias (Rt 4.7) parece refletir os dias de Salomão.

D – Época Refletida

Visto que, Rute foi a bisavó de Davi (Rt 4.17), o qual começou a reinar em Hebrom em 1010 a.C., as experiências do livro devem ter ocorrido na última metade do século XII, a.C. Alguns estudiosos creem que Rute foi contemporânea do juiz Gideão. Um dos propósitos do livro de Rute pode ter sido, a tentativa de afirmar os direitos de Davi ao trono de Israel. A providência divina especial, que tinha operado em favor de Rute, também operou no caso de Davi, para torná-lo rei, em lugar de qualquer outro pretendente. Boaz tipifica Cristo, o qual, em Sua graça, realizou o propósito da redenção. Rute, por sua vez, simboliza a noiva gentílica de Cristo, a igreja.

E – Problemas em Rute quanto à lei do levirato.

Devemos examinar outras fontes como, por exemplo, um dicionário bíblico, artigos intitulados Goel e Lei do Levirato, quanto às informações mais detalhadas sobre essa questão. Verificando esse material, tornar-se-á patente a nós que o livro de Rute vai além das provisões dessa lei, conhecida através de outras fontes. De fato, Rute tornou-se uma fonte de informações sobre a flexibilidade da lei, e como, em diferentes épocas, ela era aplicada de formas diversas. Os críticos, todavia, supõem que o livro de Rute seja apenas uma novela romântica dos hebreus, e que suas referências históricas não deveriam ser tomadas literalmente e de forma estrita. Em outras palavras, não seria um relato histórico autêntico, pelo que seus informes não deveriam ser sempre lidos como acurados. Os estudiosos conservadores, por sua vez, supõem que as explicações dadas quanto às diferenças e adições sejam adequadas para preservar a convicção de que o livro é uma obra literária histórica, e não apenas um romance.

F – Problemas específicos.

1 – No livro de Rute, foi Rute, a nora, que foi remida, juntamente com a terra que nem ao menos era dela, em lugar de Noemi, a viúva, e as suas terras. Isso supõe grande liberalidade na aplicação da lei do levirato, de tal modo que uma mulher foi capaz de tomar o lugar de outra, ao mesmo tempo, que, terras puderam ser legalmente transferidas para outrem, coisas essas, jamais ouvidas fora do livro de Rute.
2 – Além disso, um parente mais remoto (não o irmão do morto) teve permissão de fazer a redenção, algo que também só aparece no livro de Rute.
3 – Rute apresentou a questão como se Boaz tivesse o dever de realizar o ato de redenção; mas, se ele não era irmão do falecido, então somente por um ato de graça e amor poderia desempenhar o papel de parente-remidor, e não por ser obrigado a isso, a menos que a lei tivesse assumido aspectos nunca ouvidos através de outras fontes informativas.
4 – A cerimônia da sandália, de acordo com o livro de Rute, não envolveu nenhum senso de vergonha; mas no trecho de Dt 25.9, a viúva cuspiria no rosto do homem que não estivesse disposto a desempenhar o seu papel de parente - remidor. No livro de Rute, de fato, não há nenhuma menção à ideia de desprezo, diante da substituição de um parente-remidor por outro, ficando assim automaticamente resolvidos todos os problemas relacionados ao caso. Além disso, não há indício, no livro de Rute, de que o parente-remidor era irmão do falecido Elimeleque. Portanto, seu suposto dever era uma questão de escolha pessoal. O episódio do livro de Rute pode representar um estagio histórico no desenvolvimento das leis envolvidas no caso. Os códigos legais dos assírios e de nuzi mostram que a cerimônia da sandália era renúncia a um direito, o que, por sua vez, significa que havia ampla aplicação daquele costume. Sem dúvida, essa lei do levirato tinha suas variações de cultura para cultura, e de época para época. John Gill mencionou a cerimônia da sandália em conexão com negociações, nada tendo que ver, pois, com o problema do casamento levirato, pelo que, até mesmo em Israel, o rito era aplicado sem rigidez. (Dt 25.6-9)

Título: I Samuel
Autor: Anônimo
Data: Fins do século X a.C
Versículo Chave: I Sm 12.22 (E vendo vós que Naás, rei dos filhos de Amom, vinha contra vós, me dissestes: Não, mas reinará sobre nós um rei; sendo, porém, o SENHOR vosso Deus, o vosso rei.)
Tema: (Reino teocrático) - A instituição de um rei em Israel

Introdução      
   
Nome

Nossos livros de I e II Samuel, no cânon hebraico, aparecem como um único volume. Isso é provado pela nota marginal, ao lado de I Samuel 28.24, que diz que ali se encontra “ a metade do livro“. Naturalmente essa nota posta à margem não aparece em nossa versão portuguesa. O nome do livro deriva-se de uma das três personagens principais da obra, o profeta Samuel. Ele aparece, com proeminência, nos primeiros quinze capítulos de I Samuel. E, mesmo depois que a história passa a gravitar em torno, primeiramente, de Saul, então, de Saul a Davi, e, finalmente, de Davi apenas, Samuel continua aparecendo como uma das três personagens principais do relato, até a sua morte (Sm 25.1), relacionando-se com Saul e Davi. De fato, Samuel continua a desempenhar importante papel no livro de I Samuel. O trecho de I Samuel 28.20 é a ultima menção a esse grande profeta de Deus. Interessante é observar que o nome de Samuel nunca aparece no livro de II Samuel. Isso se repete em ambos os livros de Reis. Mas o seu nome reaparece em I Crônicas 6.28; 9.22; 11.3; 26.28; 29.29; II Crônicas 35.18; Sl 99.6 e Je 15.1 (no restante do Antigo Testamento); e também em At 3.24; 13.20 e Hb 11.32 (Novo Testamento). Seu nome, figura por um total de 136 vezes em toda a Bíblia, das quais 125 vezes em I Samuel. Esse nome significa “ouvido por Deus”. Samuel era levita, filho de Elcana e Ana. Nasceu em Ramataim-Zofim, no território montanhoso de Efrain. Foi o último dos juízes e o primeiro dos profetas (depois de Moisés) uma categoria de servos de Deus que, quanto ao Antigo Testamento, prosseguiu até Malaquias, e, na verdade, até João Batista, o precursor do Senhor Jesus. Quanto a maiores detalhes sobre sua pessoa, podemos encontrar em dicionários específicos de bibliografia

I – A caracterização geral.

Como já dissemos, o cânon hebreu tinha um único livro de Samuel, que nós conhecemos como I e II Samuel. Foi a Septuaginta que, pela primeira vez, apareceu a divisão em dois livros, quando eles foram chamados “Livros dos Reinos” (no grego, Bibloi Baseileiõn). Foi na mesma ocasião que os livros que chamamos I e II Reis apareceram como “Livros dos Reinos III e IV”, visto que o conteúdo desses dois últimos continha o relato iniciado em I e II Samuel. Jerônimo, por sua vez, afixou o titulo “Livros dos Reis” (no latim, Libri Regum) a esse novos quatro livros. Foi também ele quem modificou o titulo “Reinos” para “Reis”. E, finalmente, com o tempo, a Vulgata Latina, conferiu o nome “Samuel”, aos dois primeiros desses quatro livros. Os livros de Samuel, pois, historiam a transição do povo de Israel da teocracia para a monarquia. Teocracia, que indica o governo de Deus sobre o povo de Israel, mediante homens divinamente escolhidos, colmo Moisés, Josué e os juízes, foi iniciada no livro de Êxodo; instaurada na Terra Prometida, quando da conquista sob liderança de Josué, e teve continuidade até os dias do próprio Samuel, que atuava como agente escolhido por Deus para representar a teocracia. Isto posto, há um vínculo inegável entre os livros de Moisés, Josué, Juízes, Rute, I e II Samuel, como se fossem elos de uma corrente. Na verdade, a corrente prossegue nos livros de Reis e de Crônicas, dentro dos quais também devemos incluir os livros proféticos pre-exílicos, os livros dos profetas pós-exílicos e, finalmente, livros como Esdras, Neemias e Ester. Os livros poéticos (Jó a Cantares de Salomão), embora também nos propiciem alguns informes históricos, tem o seu material englobado nos primeiros livros bíblicos que mencionamos, que constituem o Pentateuco, os livros históricos e os livros proféticos. Todavia, os livros de Samuel assinalam um período histórico todo especial na vida da nação de Israel: o período do surgimento da monarquia, com Saul e Davi. Organizacionalmente, a nação galgou um degrau na evolução histórica; espiritualmente, porém, houve algum retrocesso, que só será anulado por ocasião da segunda vinda do Senhor Jesus. Todavia, como o Senhor nunca é frustrado em seus planos eternos, a monarquia, afinal, acabou contribuindo para que o palco fosse armado para a primeira e a segunda vinda do Senhor Jesus; por quanto Cristo, quanto à carne, é descendente de Davi, o segundo e o mais importante dos monarcas da nação de Israel.

II – Autoria

Os próprios históricos da Bíblia nos fornecem algumas indicações sobre a autoria da I e II Samuel. Lê em I Sm 10.25: “Declarou Samuel ao povo o direito do reino, escreveu-o num livro, e o pôs perante o Senhor”.
E também somos informados em I Crônicas 29.29: “Os atos, pois, do rei Davi, assim os primeiros como os últimos, eis que estão escritos nas crônicas, registrados por Samuel, o vidente, nas crônicas, nas crônicas do profeta Natã e nas crônicas de Gade, o vidente”. Esses trechos bíblicos dão-nos a entender que, pelo menos em parte, Samuel é um dos autores do âmago da narrativa de I Samuel e também que Natã e Gade, que viveram na geração seguinte à Samuel, tiveram participação na obra. Que outros autores dos livros de Samuel (I e II), possam ter participado já não passa de especulação, pois a Bíblia faz total silêncio à respeito. A autoria dos livros de Samuel, pelo menos em parte, é confirmada pelo Talmude, que diz que esse profeta escreveu os livros de Samuel. É claro que Samuel não pode ter sido o autor da obra inteira (I e II Samuel, segundo o nosso cânon), porque ele morreu quando Saul ainda era rei; assim Samuel não pode ter acompanhado nem mesmo o começo do reinado de Davi, com cujo governo se ocupa o livro de II Samuel, embora possa ter sido autor do âmago inicial de I Samuel. A composição dos livros de I e II Samuel, por isso mesmo, tem dado margem a diversas teorias:
A – A alta critica oferece mais de uma opinião acerca da origem dos livros de Samuel. Eles falam em contradições “óbvias”, relatos duplicados e outras evidências de múltipla autoria. Para eles, essa múltipla autoria explicaria tais problemas, criados no decorrer de muito tempo, em que os autores envolvidos tanto teriam apelado para informes históricos dignos de confiança quanto para informes meramente orais e tradicionais. Outros estudiosos da alta crítica acham que grande parte de Deuteronômio a Reis foi reescrita entre 621 e 550 a.C., e que esses compiladores foram os responsáveis pela composição final de I e II Samuel.
B – A maioria dos estudiosos acredita que I e II Samuel se formaram pela mistura de várias fontes informativas, que seriam duas ou três. Eissfeldt vincula os livros de I e II Sm às fontes informativas J.E. e L, as duas primeiras teorias J.E.D.P.(S), e L sendo uma criação dele, para denominar informantes “leigos”. Todos os estudiosos que apelam para essa teoria pensam que os livros bíblicos, de Gênesis até Reis, tiveram por base essas supostas fontes informativas. A suposta fonte informativa L, representaria opiniões populares sem interesses teológicos, mas com a atenção concentrada na arca da aliança.
C – Bentzen expressa dúvidas se as fontes J e E realmente prosseguem nos livros de I e II Samuel. Albright nega explicitamente a validade das fontes informativas J e E quanto aos livros de Samuel. De fato, ele pensava que nenhuma teoria baseada em supostas fontes informativas poderia ser formada no tocante aos livros de Samuel.
D - Segal, que também rejeitava a hipótese de tais fontes informativas documentais, prefere pensar na combinação de duas narrativas independentes acerca de Davi. A primeira delas seria uma boa biografia; e a segunda era mais lendária quanto à sua natureza. A isso teriam sido acrescentados relatos independentes sobre a arca, sobre Saul e sobre o profeta Samuel.
E – a escola tradicional histórica enfatiza que teriam havido ciclos de sagas em torno das vicissitudes sofridas pela arca da aliança, a respeito das quais se criaram crônicas históricas um tanto desconexas entre si. Alguns membros dessa escola adiam a fase escrita dos livros de Samuel até os tempos pós-exílicos.
F – A maioria dos críticos pensa que os livros de Samuel refletem tanto fontes informativas exatas quanto meras tradições orais, pelo que seu valor histórico flutuaria muito. Muito deles creem que os relatos fragmentares sobre Davi, de I Samuel 16 a II Samuel 8, não passam de uma novela histórica, com propósito de glorificar a Davi. Essas narrativas teriam sólida base histórica, mas com muitos adornos fantasiosos. Por outra parte, o material de II Samuel 8-20 consistiria, juntamente com os livros de I e II Reis, em “narrativas de sucessão de Trono”. Muitos críticos dão mais valor histórico a essa porção de Samuel (II Sm 9) do que a todo o restante do livro. O quadro formado pelos críticos torna-se extremamente complicado quando eles supõem ter havido um propósito “político” nos livros I e II Sm e de I e II Rs. Quanto às complexas idéias desse grupo, queremos destacar apenas que eles pensam que os trechos de I Sm 15 a II Sm 8 representam uma “apologia” da dinastia davídica, em tudo superior à dinastia de Saul. Preferimos ficar com a ideia de que o âmago dos livros de I e II Samuel, consiste nas crônicas históricas de Samuel, Natã e Gade. Então, algum autor-compilador-editor, para nós desconhecido, formou a obra com base nos escritos daqueles três, utilizando-se também do “livro dos Justos” (II Sm 1.18), uma fonte informativa histórica que ele sem dúvida, usou, pois, ele próprio mencionou. O trabalho desse compilador talvez explique como pode ter havido uma transição suave de episódio para episódio e de seção para seção nos livros de Samuel, conferindo-lhes assim a inequívoca unidade. Por trás desses livros há um propósito único (ver seção V - Propósito). Eles foram escritos em uma linguagem uniforme.

IV - A data

A questão da data dos livros de I e II Samuel depende, em muito, da questão de sua autoria. Assim, se Samuel, Natã e Gade foram os autores essenciais, então esses dois livros foram escritos durante os dias do reinado de Davi, ou imediatamente depois. Todavia, os estudiosos pensam que certas porções da obra, particularmente II Sm 9 – 20, teriam sido escrita no século X a.C., ao passo que outras porções são atribuídas por eles a períodos posteriores, que se estenderiam até depois do exílio babilônico. Mas se a ideia de “apologia” davídica tiver que ser aceita, então, pode-se argumentar em favor de uma data anterior para aqueles capítulos. E isso porque a necessidade de tal defesa da dinastia davídica seria uma imposição nos dias do próprio Davi e nos dias de Salomão, mas especialmente durante os primeiros anos do governo de Davi, quando seu trono estava seriamente ameaçado, de sorte que apenas a tribo de Judá o aceitava como rei, ao passo que as demais tribos permaneciam em compasso de espera. (Ver II Sm 2.1 – 4.12) Em Sm 27.6 lemos que “Ziclague pertence aos reis de Judá até o dia de hoje”. Isso pode indicar ou que o livro de Samuel foi escrito durante os dias da monarquia dividida, isto é, após Salomão, ou então que essas palavras foram inseridas posteriormente. Os eruditos conservadores fazem variar a data dos livros de Samuel desde 970 a.C. (pouco depois da época de Davi), até 722 a.C. (época em que a cidade de Samaria foi destruída pelos Assírios e começou o exílio de Israel, nação do norte). Todavia, a ausência de qualquer referência a queda de Samaria prove um extremo temporal seguro. Os livros de Samuel não podem ter sido escritos após a queda de Samaria. Doutra sorte, haveria alguma alusão a esse acontecimento, por demais importante para ter sido esquecido por um autor-compilador, caso, porventura, já tivesse ocorrido.

V – O propósito

Os livros de Samuel, como já dissemos, foram escritos para apresentar uma narrativa conexa dos eventos que cercaram a instauração da monarquia em Israel. Esses livros historiam tanto a carreira do último dos juízes, que também foi o primeiro (depois de Moisés) da longa série de profetas, Samuel, quanto os acontecimentos que circundaram a vida de Saul e Davi, os dois primeiros reis de Israel. Portanto, os livros de Samuel assinalam um período critico de transição. É com toda a razão que os livros se chamam I e II Samuel, porque o papel desempenhado por esse profeta de Deus é crucial para a correta compreensão tanto da instauração da monarquia quanto do desenvolvimento do oficio profético no antigo testamento, que terminou com a figura fulgurante de João Batista, precursor do Senhor Jesus. Foi Samuel, o agente da teocracia, quem deu legitimidade à dinastia davídica, diante dos olhos um tanto duvidosos de toda a nação de Israel. As lições morais e espirituais que derivamos das experiências pessoais de Samuel, de Saul e de Davi também se revestem de importância capital. Um ponto a destacar, nessas lições, é a atitude de desobediência a Yahweh, por parte de Saul. Isso o condenou aos olhos do Senhor, que o rejeitou como rei. Esse é um dos pontos altos da narrativa.
“... visto que rejeitastes a palavra do Senhor, já Ele te rejeitou a ti, para que não sejais rei sobre Israel” (I Sm 15.26).
Outra dessas lições foi a queda de Davi, no caso de Bate-Seba, que quase lhe custou a coroa e a vida (II Sm 11.1 – 12.25) Contudo a despeito de seus graves defeitos, Davi era escolhido e ungido do Senhor, pelo que a sua dinastia foi firmada. O Senhor estabeleceu com Davi o chamado pacto davídico (ver II Sm 7.1-29). De acordo com os termos desse pacto, o Messias procederia da casa de Davi consoante as palavras do Senhor, através do profeta Natã:
“Quando teus dias se cumprirem, e descansares com teus pais, então farei levantar depois de ti o teu descendente que procederá de ti, e estabelecerei o seu reino. Este edificará uma casa ao Meu Nome, e Eu estabelecerei para sempre o trono do seu reino” (II Sm 7.12-13).
Acrescente-se a isso o que os livros de Samuel fornecem um excelente pano de fundo para alguns dos salmos. E, finalmente, vários fatos importantes acerca da cidade de Jerusalém são esclarecidos no livro. O propósito dos livros de Samuel é, pois, multifacetado.

VI – Estado do texto.

O Texto hebraico tradicional, representado pelo texto massorético, mostra-se estranhamente defeituoso no que concerne a I e II Samuel. Há mesmo casos nos quais as emendas são imperiosas, por motivo de textos muito mal preservados. Para exemplificar, temos I Samuel 13.1, que omite o número de “anos”, ao descrever a idade de Saul. Nossa versão portuguesa, juntamente com outras, atrapalha ainda mais a passagem. A tradução emendada diz, conforme NIV: “Saul tinha trinta anos de idade quando se tornou rei; e reinou em Israel por quarenta e dois anos”. Entretanto, a nossa versão portuguesa diz: “Um ano reinara Saul em Israel. No segundo ano do seu reinado sobre o povo...”
Permanecem desconhecidas as razões pelas quais o texto massorético sobre os livros de Samuel apresenta maior número de dificuldades do que o texto de qualquer outro livro do Antigo Testamento. Há estudiosos, como Archer, que sugerem que o texto oficial formulado durante o período inter-testamental, dependeu de uma antiga cópia, desgastada pelo uso ou mesmo atacada por insetos. E os massoretas teriam reproduzido fielmente o texto “oficial”. Outros, como Segal, creem que os livros de Samuel forma negligenciados em face da competição feita pelos livros mais populares de Crônicas. Por ser menos lido, o texto de Samuel, de alguma maneira, veio a sofrer de corrupções várias. Interessante é que fragmentos do manuscrito dos livros de Samuel, entre os chamados Manuscritos do Mar Morto, sobre os quais se baseou a tradução da Septuaginta, mostram-se superiores a tradição massorética. Cross tem estudado várias passagens nas quais o material das cavernas de Qumran se assemelha muito com a Septuaginta, sobretudo o Codex B. Isso indica que os tradutores dessa versão do Antigo Testamento para o grego manusearam o texto hebraico com extrema fidelidade, pelo que seriam mais dignos de confiança do que o foram até bem pouco tempo, entre os estudiosos. Pelo menos nos dois livros de Samuel, a versão da Septuaginta reveste-se de grande valor na determinação do verdadeiro texto de muitas passagens problemáticas. Albright opinou que as cópias mais antigas de Samuel, entre o material encontrado nas cavernas de Qunran, exibem superioridade em relação ao texto da Septuaginta. Os estudiosos estão preparando uma edificação melhorada do texto de I e II Samuel, com base nesses achados de Quran. Esperemos, pois, por essa edição.

VII – Problemas especiais

Os críticos geralmente apontam para três problemas especiais existentes nos livros de Samuel:
A – relatos duplicados;
B – a identidade de quem matou Golias;
C – dificuldades em torno da feiticeira de En-Dor.
No tocante ao primeiro desses problemas, os estudiosos encontram discrepâncias e contradições no texto dos livros de Samuel. De acordo com eles, as descrições dos mesmos eventos, de duas maneiras diversas, deixa-nos “antever” o uso de diferentes fontes informativas, ou então a existência de relatos paralelos, o que revelaria, no mínimo, a mão de mais de um autor do livro. 
Exemplos de duplicação seriam os seguintes:
Davi e Golias
Por duas vezes Saul é feito rei. Por duas vezes, igualmente, Davi foi apresentado a Saul; e por duas vezes os habitantes de Zife informaram a Saul acerca do local onde Davi se ocultava. Além desses casos, eles falam em várias outras duplicações. Mas, em cada um dos casos apresentados, sempre se pode encontrar uma explicação satisfatória, o que reduz a nada esses problemas especiais, criados pelos críticos. Assim os eventos que cercam as duas “coroações” de Saul foram acontecimentos diferentes um do outro. Na primeira ocasião, Saul foi escolhido mediante o lançamento de sortes e, então, foi apresentado ao povo. Porém, alguns “filhos de Belial” (I Sm 10.27) mostraram dúvidas quanto à sua capacidade de governar a nação, e recusaram-se a reconhecê-lo. No capítulo 11 de I Sm, Saul liderou o exército de Israel a obter uma vitória decisiva sobre os amonitas, e Samuel reuniu o povo em Gilgal, a fim de que renovassem o “reino”. (I Sm 11.14) Então todo o povo proclamou Saul como seu rei (v. 15), em meio a grandes demonstrações de regozijo e unidade. As palavras “proclamaram a Saul seu rei” não aparecem no capítulo 10; e a referência à renovação ou confirmação do reino deixa entendido que Saul havia sido previamente designado como rei.
Davi foi inicialmente apresentado a Saul (Is 16.21). Na oportunidade, Saul recebeu-o como músico e armeiro, e o jovem Davi foi contratado para acalmar, com sua música, o perturbado monarca. Mas depois que Davi retornou do campo de batalha, onde matara o gigante Golias, Saul indagou: ”De quem é filho este jovem, Abner”? (I Sm 17.55). Mas Abner não sabia dizê-lo. Há aqueles que interpretam isso como se Saul houvesse esquecido o nome de Davi. Notemos, porém, que a dúvida não estava sobre a identidade de Davi, e, sim, de seu pai. O rei repetiu a pergunta diretamente a Davi: “De quem és filho, jovem? E Davi, havendo entendido que Saul perguntava por seu próprio nome (de Davi) e, sim, pelo nome de seu pai, respondeu:” Filho de teu servo Jessé, belemita” (I Sm 17.56-58)
Como vemos, novamente, a falta de atenção levou alguns eruditos a imaginar que Davi precisou ser apresentado por duas vezes a Saul, o que teria sido realmente estranho, para dizer o mínimo. A indagação de Saul acerca do pai de Davi fica ainda bem compreendida em face de I Sm 17.25-27, onde o rei prometera que o homem que matasse o gigante Golias não pagaria os impostos da casa de seu pai. Para que Saul cumprisse a promessa, era mister saber o nome do pai de Davi, que abatera ao atrevido gigante. A promessa dizia: “A quem o (gigante) matar, o rei cumulará de grande riqueza, e lhe dará por mulher a filha, e, e a casa de seu pai se isentará de impostos em Israel”. (v. 25) Lembremo-nos de que, naquele período de sua vida, Davi ainda não era o famoso rei Davi e, sim, apenas um jovem cortesão, músico, proveniente de uma família que até então não havia alcançado notoriedade em Israel. Também poderíamos argumentar que a mente do rei estava tremendamente perturbada, por permissão de Deus, o que também pode ter contribuído para o seu esquecimento quanto ao nome do pai de Davi. Além disso, I Samuel 18.2 afirma que Saul, depois que Davi matou a Golias, não lhe permitiu retomar a casa paterna, sugerindo uma diferença em sua maneira de tratar o jovem, o que dever ser entendido em confronto com I Sm 17.15. Os dois episódios que envolveram os zifitas são também superficialmente semelhantes. Nos capítulos 23 e 26 de I Samuel, os habitantes de Zife levaram ao conhecimento de Saul informações sobre o paradeiro de Davi. Os dois eventos, porém, envolvem circunstâncias muitos diferentes, em períodos diferentes, embora o local envolvido, como esconderijo de Davi fosse o mesmo: o Outeiro de Haquilá. Um caso similar a esse foi o de Abraão, que apresentou Sara como sua irmã, por duas vezes, nos capítulos 12 e 20 do livro de Gênesis. Mas os críticos não argumentavam que ali houve duplicação de narrativas, em face de fontes informativas diferentes! A impressão que se tem é de que os críticos, querendo fazer prevalecer sua opinião sobre as origens de diversos livros antigos da Bíblia, criam hipóteses que depois não são capazes de consubstanciar. Conforme dissemos anteriormente, outro problema especial criado pelos intérpretes gira em torno da pergunta: “Quem, realmente, matou o Golias?” Certos críticos pensam que houve uma versão mais popular do feito, segundo a qual o matador do gigante teria sido Elanã. Entretanto, na verdade, Elanã (de acordo com II Sm 21.19) é quem teria abatido o gigante. Mas, posteriormente, o feito teria sido transferido para Davi, a fim de torná-lo uma figura heroica, capaz de ocupar o trono de Israel. Essa suposição, contudo, esbarra com dificuldades intransponíveis. Se Davi não tivesse matado Golias, como explicar o intenso ciúme de Saul? E como explicar o cântico triunfal, que atribuiu, imediatamente em seguida, o triunfo de Davi (I Sm 18.7). Essa suposta dificuldade teria sido prontamente dirimida mediante a atenção ao trecho de I Crônicas 20.54, onde se lê: “... e Elanã, filho de Jair feriu Lami, irmão de Golias, o geteu, cuja lança tinha a haste como eixo de tecelão”. Davi matou Golias, e Elanã matou a Lami, irmão de Golias. Não há nenhuma duplicação de relatos. Evidentemente houve um erro primitivo de transcrição em II Samuel 21.19, onde se lê: “... e Elanã, filho de Jaaré-oregim, o belemita, feriu Golias, o geteu, cuja lança tinha a haste como eixo do tecelão”. Mas essa passagem, quando comparada com aquela outra, de I Crônicas, fica esclarecida. O que houve não foi a repetição de relatos, na qual em um deles Davi teria sido o matador de Golias, e, em outro, o matador teria sido Elanã. O que, realmente, houve, foi um erro primitivo de transcrição.
E acerca da feiticeira de En-Dor? Sobre o que objetam os críticos? Alguns declaram que, em face de certas proibições bíblicas, o contato de vivos com os mortos não pode ter acontecido. Tudo teria sido apenas um fenômeno psicológico, talvez fruto da condição perturbada de Saul. Um ponto de vista mais conservador admite que Deus permitiu que Saul visse uma forma semelhante a Samuel, embora tudo não passasse de uma visão, e não do corpo ou do espírito real daquele profeta. Entretanto, a explicação mais certa e obvia é aquela que reconhece que Samuel realmente apareceu a Saul em forma visível, e que o profeta já morto realmente comunicou-se com Saul. O relato está no capítulo 28 de I Samuel. A médium de En-Dor, diante da pergunta de Saul: “Não temas; que vês?" - replicou: “Vejo um deus que sobe da terra." (v. 13) Sabemos que os médiuns espíritas e outros realmente se comunicam com espíritos dos lugares tenebrosos. Isso é ensinado desde o livro de Gênesis, no caso dos magos do Egito. Esses médiuns, porém, não tem normalmente contato com espíritos remidos. Portanto, Deus deve ter intervido, permitindo o aparecimento de Samuel à vidente de En-Dor. Isso surpreendeu a mulher, que gritou. Que os mortos podem aparecer aos vivos, vê-se no caso de Moisés e Elias, que apareceram juntamente com o Senhor Jesus, mas quando de sua transfiguração, diante de três de seus discípulos (Mt 17.1-8; Mc 9.14-29 e Lc 9.37-43). Esse episódio, juntamente com o do aparecimento de Samuel após a sua morte, por intermédio da médium de En-Dor, incidentalmente prova a existência consciente dos espíritos humanos que daqui partiram por força da morte biológica, além de ser um fortíssimo apoio a doutrina da imortalidade da alma! Por conseguinte, toda essa objeção à aparição de Samuel a feiticeira de En-Dor, e ao recado que ele deu a Saul, baseia-se naquela razão que foi dada pelo Senhor Jesus aos saduceus: “Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus (Mt 22.29).

VIII – Teologia do Livro

Embora a ênfase principal dos dois livros de Samuel seja histórica, e não teológica, vários capítulos contém importantes doutrinas, que nos são ensinadas de maneira equívoca. Três são as lições teológicas destacadas nos livros de Samuel:

A – A vontade soberana de Deus.

Muitos estudiosos ficaram perplexos diante da atitude de Deus em relação ao estabelecimento da monarquia em Israel. Indícios suficientes indicam que Deus não ficou satisfeito com o fato de que os israelitas rejeitaram o governo teocrático. Vejamos I Samuel 8.7, onde se lê: “Disse o Senhor a Samuel: Atende a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não te rejeitaram a ti, mas a mim, para eu não reinar sobre eles”.
Mesmo assim, o homem de Deus tentou dissuadir o povo de desejar um rei: mas a maioria esmagadora do povo mostrou-se inflexível na exigência de ter um monarca que os conduzisse às batalhas conforme sucedia aos povos em derredor. Por outro lado, antes mesmo de Saul haver sido ungido rei, Deus prometeu abençoá-lo e usá-lo para livrar seu povo dos inimigos, segundo se aprende em I Samuel 9.16.
“Amanhã à estas horas te enviarei um homem da terra de Benjamim, o qual ungirás por príncipe sobre o meu povo de Israel, e ele livrará o meu povo das mãos dos filisteus. Porque atentei para o meu povo, pois, o seu clamor chegou a mim”.
É evidente que devemos traçar uma distinção entre a vontade diretiva e a vontade permissiva de Deus. Assim, o desejo que os israelitas tiveram de um rei foi um desejo pecaminoso, mas o Senhor Deus contornou isso, permitindo que, ainda assim, o povo fosse abençoado. Outro aspecto da vontade de Deus diz respeito à questão da predestinação em relação à responsabilidade humana. Depois que Saul já era rei de Israel fazia algum tempo, ele desobedeceu a Deus, oferecendo um sacrifício, privilégio reservado exclusivamente ao sacerdócio. Samuel repreendeu-o severamente por isso, anunciando que Saul havia perdido o direito de ser cabeça de uma dinastia reinante duradoura. No dizer de Samuel:
“Procedeste nesciamente em não guardar o mandamento que o Senhor teu Deus te ordenou; pois teria agora o Senhor confirmado o teu reino sobre Israel para sempre” (I Sm 13.13).
Mas, em vez disso, por causa desse ato de precipitação e rebeldia de Saul, o Senhor transferiu a liderança do reino a outro, a saber, Davi. É evidente que o pecado de Saul pode ser apontado como a causa da perda de seus direitos dinásticos. No entanto, desde os dias do patriarca Jacó, estava profetizado que o “cetro não se arredaria de Judá” (Gn 49.10). A tribo governante sobre o povo de Israel seria a tribo de Judá, a qual pertencia Davi, e não a tribo de Benjamim, a qual pertencia Saul. O cumprimento dessa predição do Espírito de Deus, por intermédio de Jacó, não exigia a desqualificação de Saul? Por outra parte, vemos que Samuel não consolou Saul, dizendo-lhe: “O pecado que cometeste não foi uma falta tua, e tinha mesmo de acontecer”. Pelo contrário, Saul não foi desculpado por sua desobediência, mas foi severamente julgado. Deus tanto previu esse acontecimento quanto cuidou para que ele realmente se efetuasse; porém a responsabilidade humana permaneceu sendo um fato e Saul foi julgado culpado, apesar de seu ato ter sido previsto desde há muito.

B – A doutrina do pecado.

Os livros de I e II Samuel ilustram, em vivas cores, a pecaminosidade do coração humano e os inevitáveis maus resultados do pecado. Lideres piedosos de Israel, como Elí, Davi e Samuel, não acertaram sempre, pois suas falhas foram salientadas no relato bíblico. O que é de admirar, entretanto, é que esses três homens tiveram filhos que foram rebeldes contra o Senhor. Na qualidade de pais, os três enfrentaram tremendas dificuldades para encaminhar seus filhos na senda da retidão. Assim, os filhos de Eli furtavam os sacrifícios trazidos pelo povo, blasfemavam contra Deus e cometiam fornicação, e isso no papel de sacerdotes do Senhor. (I Sm 21-13-17.22; 3.13.) Não admira que eles tenham sido mortos pelos filisteus. O trágico, na história de Samuel, é que foi justamente por causa dos delitos de seus filhos que o povo de Israel chegou a exigir que lhes fosse dado um monarca. (I Sm 8.5) Saul começou seu governo como homem humilde, que recebia orientação do espírito de Deus. No entanto, à medida que seu governo avançava no tempo, ele passou a rebelar-se contra o Senhor, até que terminou sob a influência de espíritos malignos e foi atacado por acessos de inveja e fúria que nos fazem pensar em demência, ou coisa pior. Sua queda moral e espiritual foi tão vertiginosa que ele acabou apelando para a médium de En-Dor! Para quem chegara a receber instruções diretas da parte de Deus, isso foi como ser precipitado do Céu para o inferno! Deus não mais lhe respondia. Lemos em I Sm 28.6:” Consultou Saul o Senhor, porém este não lhe respondeu, nem por sonhos, nem por Urim, nem por profetas”. Por isso, em seu desvario, desesperado, Saul perguntou onde poderia encontrar uma médium que consultasse os mortos. Quando aconteceu a batalha dos israelitas com os filisteus, estes conseguiram cercar Saul e seus três filhos, seu escudeiro e todos os homens de guerra que estavam em sua companhia.
A experiência pecaminosa de Davi prove-nos uma triste instrução, que tem aspectos positivos e negativos. O grande rei Davi era homem segundo o coração de Deus. Mas, em um momento de falta de vigilância, deixou-se arrastar pela tentação, tendo se envolvido em adultério secreto e homicídio cometido sob as circunstancias mais covardes e agravantes. E isso depois de ter exibido, por anos a fio, grande fé e devoção ao Senhor. Todavia, tendo Davi finalmente reconhecido seus pecados, foi espiritualmente restaurado. (II Sm 12.13) . O senhor perdoou e deu continuidade à benção a ele prometida, demonstrando-lhe, assim, grande graça e misericórdia. Entretanto, um aspecto que não podemos esquecer a lição que esses incidentes nos ensinam é que, apesar da confissão sincera de Davi – e de haver sido ele perdoado -, ele precisou sofrer as inevitáveis conseqüências penais do pecado. O filhinho dele e de Bate-Seba acabou morrendo ainda tenro infante. Amon, primogênito de Davi, imitou-o e cometeu o incesto com sua meia-irmã, Tamar. Isso precipitou a vingança de Absalão, que terminou, traiçoeiramente, tirando a vida de Amom. E houve várias outras tragédias na família, como a da revolta de Absalão, que violentou as mulheres de seu pai e acabou sendo morto com três dardos que lhe transpassaram o coração, estando ele preso pelos longos cabelos, enroscados em um galho de árvore pendurado cerca de um metro acima do solo. Apesar desses pontos extremamente negativos na vida de Davi e de seus familiares mais diretos, ainda assim o Senhor muito o abençoou, assim como o seu reinado, em Sua incalculável misericórdia. Deus também recuperou Bate-Seba, culpada com Davi de adultério. E o Senhor até abençoou a Salomão, o outro filho que, mais tarde, Davi e Bate-Seba tiveram, escolhendo-o para ser o sucessor de seu pai no trono de Israel.

C – O pacto davídico

Este é um dos mais importantes pactos estabelecidos por Deus, em todo o antigo Testamento. Deus firmou esse pacto com Davi (II Sm 07.1-29), ampliando ainda mais as provisões do pacto abraâmico, que encontramos no livro de Gênesis. À Davi foi prometida uma linhagem permanente, um trono firme e um reino perpétuo. O direito de governar Israel sempre caberia a um de seus descendentes, promessa que antecipa e garante o reinado eterno do Senhor Jesus Cristo, o Filho maior de Davi. A fidelidade e o amor constante de Deus pelo seu servo Davi podem ser vistos no fato de que Ele o perdoou graciosamente de seu grave pecado duplo: adultério e homicídio. Não admira, pois, que Davi se tenha regozijado diante da promessa divina feita à sua casa. As “últimas palavras” de Davi, que encontramos em II Sm 23.1 ss., referem-se a essa aliança eterna. Um ponto deveras tocante nos livros de I e II Sm foi a profunda e fiel amizade que se estabeleceu entre Davi e Jonatas, filho de Saul. A amizade entre eles ilustra a responsabilidade daqueles que se compactuam de alguma maneira. Jônatas não traiu seu amigo, Davi, em momento algum, até o último dia de sua vida, embora tivesse todas as razões para compartilhar da inveja e hostilidade que seu pai, Saul, nutria por Davi. E Davi também não se mostrou menos leal a seu amigo Jônatas. Depois que se tornou rei, Davi cuidou zelosamente do bem estar de um filho aleijado de seu amigo Jônatas, Mefibosete. (II Sm 9.1-13) Em uma época sangrenta e violenta como foi a de Davi, é grato encontrarmos uma amizade como essa entre Davi e Jônatas, que redime muito daquilo que nos provoca repulsa, quando consideramos a selvageria própria do período. Os homens são frutos do meio em que vivem. Davi era um bom filho de sua época história, mas ele mostrou ser um homem sensível, amigo fiel, artista, poeta, músico, embora também um gênio militar, muitas vezes sanguinário e cruel. A personalidade de Davi era tão cativante que todos os israelitas, até hoje, tem como um de seus mais caros ídolos um governante como Davi.

IX – Conteúdo e Cronologia

Conforme dissemos na segunda seção, Caracterização Geral, a Bíblia dos hebreus tinha um único livro de Samuel, que englobava o que conhecemos como I e II Samuel. A divisão apareceu, inicialmente, na Septuaginta (a tradução do Antigo Testamento hebraico para o grego, terminada cerca de 200 anos antes da eclosão do cristianismo). Mas, que há uma unidade e continuação ininterrupta na narrativa, pode-se ver claramente nas passagens sumariadoras: I Sm 14 e II Samuel 8, que destacaremos a seguir, no decurso dos comentários sobre cada ponto importante do esboço do conteúdo. Essas passagens dão-nos as chaves para uma boa compreensão sobre a estrutura de I e II Samuel. Isto posto, nosso esboço de conteúdo não observará essa divisão literária em I e II Samuel, mas exibirá as vinculações óbvias entre um livro e outro, como se não houvessem dois livros de Samuel.

A – Samuel (1.1-17)         
1 – Seu nascimento (1.1-28)
2 – O cântico de Ana, mãe de Samuel (2.1-10)
3 – O sacerdote Eli e seus filhos (2.11-36)
4 – A chamada de Samuel (3.1-21)
5 – A arca da aliança é tomada (4.1-22)
6 – A arcana Filístia (5.1-12)
7 – Devolução da arca (6.1 – 7.1)
8 – Exortação ao arrependimento (7.2-17)

B – Samuel e Saul (8.1 – 15.35)
1 – O fim da teocracia (8.1-22)
2 – Saul e Samuel encontram-se (9.1-24)
3 – Saul ungido rei (9.25 – 10.27)
4 – Primeiras vitórias de Saul (11.1-11)
5 – Saul é proclamado rei (11.12-15)
6 – Samuel resigna o cargo de Juiz (12.1-25)
7 – Temeridade de Saul e sua reprovação (13.1-15)
8 – Vitória sobre os filisteus (13.15b – 14.52)
9 – Saul é rejeitado (15.1-35)

C – Samuel unge Davi (16.1-13)

D – Davi e Saul (16.14 – II Sm 1.27)
1 – Davi, o músico (16.14-23)
2 – Davi e Golias (17.1-58)
3 – Davi e Jônatas (18.1-5)
4 – A inveja de Saul (18.6 – 19.24)
5 – Aliança entre Davi e Jônatas (2.1-43)
6 – Fuga de Davi (21.1 - 27.12)
7 – Saul e a médium de Em-Dor (28.1-25)
8 – Davi e os filisteus (29.1 – 3.31)
9 – Morte de Saul (31.1-13)
10 – Davi lamenta por Saul e Jonatas (II Sm 1.1-27)

E – Davi torna-se rei (II Sm 2.1 – 24.25)         
1 – Sobre Judá (2.1-7)
2 – Oposição a Davi (2.8 – 4.12)
3 – Sobre todo o Israel (5.1-12)
4 – Feitos vários de Davi (5.13 – 10.19)
5 - O pecado de Davi (11.1 – 12.31)
6 – Consequências temporais do pecado (13.1 – 19.10)
7 – Davi novamente em Jerusalém (19.11 – 20.22)
8 – Oficiais de Davi (20.23 – 21.22)
9 – Ação de Graças de Davi (22.1-51)
10 – Últimas palavras de Davi (23.1-7)
11 – Feitos dos maiores guerreiros de Davi (23.8-39)
12 – O recenseamento (24.1-25)

Comentários sobre o item A (I Sm 1.1 - 7.17)

1 - Samuel nasceu como resposta graciosa de Deus às instantes orações de sua mãe Ana. Até então Ana tinha profunda tristeza por ser estéril. Fiel à sua promessa, Ana dedicou o filho, Samuel, já desmamado, ao Senhor.
2 – O Cântico de gratidão de Ana.
Seu salmo é chamado de “oração“. Em Sl 72.20 (Aqui acabam as orações de Davi, filho de Jessé), os salmos de Davi também são chamados de “orações”.
3 – Os filhos de Eli eram pecaminosos.
Lembremo-nos de João 1.12,13, que ensina que “os filhos de Deus não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem”.
A responsabilidade diante de Deus é pessoal. Ez 18.1 ss., onde é estabelecido um principio básico: “a alma que pecar, essa morrerá”;
4 – O espírito de Deus entra em contato real com o espírito humano. A experiência dos grandes homens de Deus confirma isso. O titulo posto acima do capítulo 3 de I Sm, em nossa versão portuguesa, diz “ Deus fala com Samuel em sonhos”. Isso é um erro. Deus apareceu a Samuel; houve uma teofania.
5 – Não somente a arca foi tomada, mas seu santuário, Silo, foi destruído. Isso foi um castigo divino, conforme se aprende em Je 6:9 e 7.12,26. O quanto isso representou para o povo de Israel, pode-se depreender das palavras da nora de Eli: ”Foi-se a glória de Israel, pois foi tomada a arca de Deus”. (v. 22)
6 – Os filisteus não puderam saborear o gosto da tomada da arca. A mão do Senhor veio contra eles sob a forma de graves enfermidades.
“Os homens que não morriam eram atingidos com os tumores; e o clamor da cidade de “Asdode” subiu até o céu”. (5.12)
7 – Não há que duvidar que houve o impulso de forças divinas ou angelicais sobre as vacas que puxavam o carro em que era devolvida a arca da aliança. A arca era apenas um objeto, mas um objeto sagrado que representava muito. Setenta israelitas morreram, por terem olhado o interior da arca. A pergunta dos habitantes de Bete-Semes faz-nos pensar: “Quem poderia estar perante o Senhor, este Deus Santo? (6.20)
8 – Os israelitas seriam livrados da opressão filisteia caso se arrependessem. Essa era e sempre será a condição do livramento divino. Samuel entendia isso e exortou o povo ao arrependimento. E o povo se arrependeu: “Então os filhos de Israel tiraram dentre si os baalins e os astarotes, e serviram só ao Senhor”. (7.4)

Comentários sobre o item B Samuel e Saul (8.1 – 15.35)

1 – Findou-se um período importante no trato de Deus com o povo de Israel.
O aviso de Samuel foi profético: “... naquele dia clamareis por causa do vosso rei, que houverdes escolhido; mas o Senhor não vos ouvira naquele dia”. (8.18) Só haverá novamente a teocracia por ocasião da Segunda vinda do Senhor Jesus, mas dessa vez sobre bases muito superiores, no milênio e no estado eterno. Os israelitas queriam ser iguais aos povos vizinhos. Eles não queriam um governo justo, mas um governo militarista: “... o nosso rei poderá governar-nos, sair adiante de nós, e fazer as nossas guerras”. (8.20) Mas, no milênio, não haverá mais guerra, e as nações desaprenderão a arte bélica. (Is 2.4)
2 – O primeiro rei de Israel tinha muitas qualidades humanas, entre as quais é destacada sua beleza física: “Saul, moço, e tão belo que entre os filhos de Israel não havia outro mais belo do que ele; desde os ombros para cima sobressaia a todo o povo”. (9:2) Era, porém defeituoso quanto às qualidades morais e espirituais, conforme deixa claro toda a narrativa bíblica sobre ele.
3 – “O Espírito de Deus se apossou de Saul, e ele profetizou no meio deles”. (10.10) Alguma coisa tinha sucedido a Saul, mas não fora o novo nascimento. Isso deve ser entendido à luz de Hb 6:4-8. A unção divina, pois, é uma realidade espiritual transformadora, mas não necessariamente salvadora.
4 – Um dos resultados da unção divina sobre Saul foi a sua nova habilidade militar. “E o Espírito de Deus se apossou de Saul, quando ouviu essas palavras, e acendeu-se sobremodo a sua ira” (11.6)
5 – Não temos aqui a repetição do relato sobre sua unção (9.25 – 10.27), mas sua aclamação como monarca, sua aceitação como rei por parte do povo. Vejamos a seção VII, Problemas especiais, segundo parágrafo.
6 – Samuel terminou seu juizado de maneira vitoriosa e digna, embora triste por ter-se encerrado a teocracia. Notemos que ele não renunciou às suas funções proféticas; e nem poderia tê-lo feito, porquanto era caso escolhido por Deus para tanto, e os dons de Deus são sem arrependimentos. (Rm 11.29)
7 – A guerra de Saul foi gradativa.
Primeiro ele foi reprovado por ter-se imiscuído em funções que não lhe cabiam, usurpando uma função sacerdotal. Contudo, Deus continuou dando vitórias a Israel, por meio de Saul e de Jônatas, seu príncipe herdeiro, que se mostrou um digno e honrado candidato a sucessão ao trono, quando seu pai fechasse os olhos. Mas a queda moral e espiritual de Saul prosseguira, anulando todas as possibilidades futuras de Jônatas.
8 – O voto de Saul, muito precipitado, demonstra que ele já estava perdendo o contato com o Espírito de Deus. E a decisão popular, mais sábia que o voto impetuoso de Saul, salvou a vida de Jônatas. (14.45)
9 – Repreendido por Samuel, Saul não deu o braço a torcer, e tentou justificar-se. As palavras de Samuel são uma lição para todas as questões: “Tem porventura o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender melhor do que a gordura de carneiros. Porque a rebelião é como a idolatria e culto a ídolos do lar...” (15.22-23)
Quando Saul buscou lugar de arrependimento, já era tarde. E Samuel sentenciou: “Visto que rejeitasse a palavra do Senhor, já Ele te rejeitou a ti, para que não sejas rei sobre Israel” (v. 26). Um dos pontos cruciais do livro de Samuel facha-se no v. 28: “O Senhor rasgou hoje de ti o reino de Israel, e deu a teu próximo, que é melhor do que tu”. O reino estava passando de Saul para Davi.

Comentários sobre o item C. Samuel e unge a Davi . (16.1-13)
Saul era belo como nenhum outro jovem em Israel. Quando ia ungir a Davi, Samuel deve ter pensado que ungiria a um lindo moço. Mas Deus lhe ensinou uma grande lição, à qual todos devemos prestar atenção: “Não atentes para a sua aparência, nem para a sua altura, porque o rejeitei (a Eliebe, irmão mais velho de Davi), porque o Senhor não vê como vê o homem. O homem vê o exterior, porém o senhor, o coração (16.7) e (II Co 5.16). Por que primeiro Saul teve de ser rei, e somente então Davi? Porque um dos princípios básicos espirituais é o que se aprende em I Co 15.46: “Mas não é primeiro o espiritual, e sim, o natural; depois o espiritual.”

Comentários sobre Davi e Saul. (I Sm 16:4 – II Sm 1.27)

1 – Agora, um espirito maligno perturbava Saul. Mas ele se aliviava ouvindo a harpa do jovem Davi. Os psicólogos reconhecem atualmente os efeitos benéficos ou maléficos da música. Lemos que houve profetas que profetizavam impelidos pela música. (I Sm 10.5-6 e II Rs 3.15). Mas também há música sensual e degradante. Há música que, embora não seja sacra, nem por isso é errada para um crente. Mas há música que, definitivamente deveríamos evitar. A música mexe muito conosco, para melhor ou para pior.
2 – Golias confiava em seu gigantismo e em sua armadura. Davi confiava em Deus. “Por isso, Davi replicou ao filisteu: Tu vens contra mim com espada e com lança e com escudo; eu, porém, vou contra ti em nome do Senhor dos exércitos, o Deus dos exércitos de Israel, a quem tens afrontado”. (17.45) Como é que o resultado daquela batalha singular poderia ter sido diferente? Os antigos, “... por meio da fé... puseram em fuga exércitos de estrangeiros...” (Hb 11.33-34).
3 – Jônatas amava a Davi “... como à sua própria alma”. (18.3) Sem dúvida, existem almas gêmeas! A sincera e duradoura amizade de Jônatas deve ter sido um grande consolo para Davi, ao mesmo tempo que as perseguições de Saul eram-lhe extremamente molestas.
4 – A inveja rói a alma do invejoso e é extremamente desagradável para o invejado. Nada demovia Saul de suas suspeitas ciumentas nem a intervenção de seus próprios filhos, Jônatas e Mical. Um momento crítico foi quando Saul intentou cravar Davi na parede com sua lança enquanto este dedilhava seu instrumento de música. (19.10)
5 – Jônatas reconheceu que Davi era o escolhido do Senhor para ocupar o trono em lugar de seu pai, Saul. Jônatas, pois, mostrou grande abnegação. Por essa sua defesa em favor de Davi, quase Jônatas paga com a própria vida. (20.33) A aliança entre Davi e Jônatas envolvia até mesmo os seus descendentes: “O Senhor seja para sempre entre mim e ti, e entre a minha descendência e a tua” (v. 42)
6 – Houve um longo período muito perigoso para Davi. Há muitos episódios, e não podemos comentá-los separadamente. Para piorar a situação de Davi, foi durante esse tempo que Samuel morreu. (25.1) Davi respeitava Saul, seu rei e seu sogro. Sua atitude para com Saul pode ser vista na observação que fez em certa ocasião: “O Senhor me guarde, de que eu estenda a mão contra o seu ungido... (26.11) Saul estava fora de si. Reconhecia momentaneamente sua tola perseguição contra Davi, seu genro, mas o espírito maligno apossava-se dele, e ele voltava a carga contra Davi. Era uma fixação doentia!
7 – Deus abandonara a Saul, e Saul abandonara o Senhor. Não sabendo para onde se voltar em busca de socorro, com medo dos filisteus, Saul resolveu consultar uma médium espírita. Foi o ponto mais baixo de toda a sua carreira. Foi a gota que fez entornar o balde.
8 – O rei dos filisteus confiava em Davi. Mas os nobres filisteus, não, porque se lembravam: “Não é esse aquele Davi, de quem uns aos outros respondiam, nas danças, dizendo: Saul feriu os seus milhares, porém, Davi os seus dez milhares? (29.5). Para eles, Davi era dez vezes mais perigoso que Saul. No caso de divisão da presa, Davi mostrou sua sensibilidade social. “Ele era homem justo e equânime.” “... qual é a parte dos que desceram à peleja, tal será a parte dos que ficaram com a bagagem; receberão partes iguais” (30.24)
9 – Gravemente ferido, Saul acabou suicidando-se, atirando-se contra a própria espada (31.4). A batalha foi uma grande derrota para Israel. O rei, que começara seu governo com vitórias sobre os inimigos em derredor, quarenta anos mais tarde amargou sua maior derrota, pagando com a própria vida! Tudo isso lhe sucedeu porque ele se afastou do Senhor, a ponto de ficar perturbado por espíritos malignos. Uma lição horrível, para todas as gerações!
10 – Só três dias depois Davi soube da morte de Saul e de seus três filhos. Não há certeza quanto às circunstâncias em que o amalequita deu o golpe de misericórdia em Saul. Mas, como todo o ungido do Senhor era “intocável”, o amalequita pagou com a própria vida por seu ato sacrílego. (II Sm 1.11) O lamento de Davi por Saul e Jônatas é comovente. Na lamentação de Davi há um estribilho, reiterado por três vezes: “como caíram os valentes!” Vêm-nos as lágrimas quando lemos acerca das palavras de Davi sobre Jônatas: tu eras amabilíssimo para comigo! Excepcional era o teu amor, ultrapassando o amor de mulheres”. (II Sm 1.26)

Comentários sobre o item E. Davi torna-se rei. (II Sm 2.1-24 – 24.25)

1 – Os judaítas foram os primeiros a reconhecer Davi como seu rei. As demais tribos ainda ficaram esperando por mais algum tempo. (II Sm 1.1-7)
2 – Abner, capitão do exército do falecido Saul, encabeçava a oposição a Davi, e fez de Is-Bosete filho de Saul, um rei rival, de tal modo que “somente a casa de Judá seguia a Davi”. (2.10) Seguiu-se sangrenta batalha, em que os homens de Davi levaram a melhor. (2.12-32) “Durou muito tempo a guerra entre a casa de Saul e a casa de Davi...” (3.1) Contudo, a casa de Davi fortalecia-se cada vez mais, até que Abner, comandante do exército partidário da casa de Saul, bandeou-se para o lado de Davi. O assassínio de Is-Bosete, por ex-partidários seus, foi um ato covarde e traiçoeiro. (4.1-12)
3 – “Então todas as tribos de Israel vieram a Davi...” (5.1) e “ungiram a Davi, rei sobre Israel! (v. 3). Quando Hirão, rei de Tiro, enviou mensageiros a Davi, este reconheceu que...” o Senhor o confirmara rei sobre Israel e exaltará o seu reino por amor do seu povo” (v. 12).
4 – A primeira coisa que Davi fez foi tomar concubinas e mulheres, além de Ainoã e Abigail (2.2; 3.2-5), Maaca, Hagite, Abital e Eglá. Em II Samuel 15.16 e 20.3, lemos que ele tinha “dez concubinas”. Davi obteve grandes vitórias militares contra os inimigos tradicionais de Israel, transportou a arca da aliança para Jerusalém e projetou a constução do templo. Um ponto importante no relato fica em II Samuel 8.15: “Reinou, pois, Davi sobre todo o Israel; julgava e fazia justiça a todo o seu povo” Para isso é que ele fora levantado como rei, embora o povo pensasse mais em um heroico guerreiro como ideal da realeza. Um detalhe que mostra algo do caráter de Davi foi a sua bondade para com Mefibosete, filho de Jônatas e neto de Saul. (9.1-13)
5 - Seu caso com Bate-Seba foi a maior mancha no caráter de Davi, que o transformou em um adúltero e assassino. Quando parecia que tudo conseguiria ficar encoberto, eis que Natã é enviado por Deus, para desmascarar Davi (II Sm 11.1 – 12.15). Deus perdoou o pecado de Davi, mas a primeira consequência adversa foi a morte de seu filho com Bate-Seba. (12.15) Todavia, Davi casara legalmente com a viúva Bate-Seba; e um segundo filho do casal foi Salomão, destinado por Deus a ser o próximo rei de Israel. (24.25)
6 – Uma série de funestos acontecimentos atingiu Davi e seus familiares, como consequências temporais de seu pecado. Os capítulos 13 a 19 de II Samuel devem ser lidos com muita atenção. Mediante essas ocorrências, Deus deixou todo o Seu povo saber do pecado de Davi. O Senhor nunca se torna cúmplice dos pecados de ninguém. Uma das coisas que mais doeu a Davi foi a revolta e a morte de seu querido filho, Absalão. Quase podemos ouvir os soluços do rei, enquanto ele clamava desconsolado: “Meu filho Absalão! Quem me dera que eu morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho!” (II Sm 18.33)
7 – Davi voltou a Jerusalém, convidado pelos homens de Judá, “... mandaram dizer-lhe: Volta, ó rei, tu e todos os teus servos” (II Sm 19.14). Houve reconciliações e protestos de fidelidade. O caso da sedição de Seba foi gravíssimo, fazendo a nação dividir-se em duas. Lemos em II Samuel 20.2: “Então todos os homens de Israel se separaram de Davi, e seguiram Seba, filho de Bicri; porém, os homens de Judá se apegaram ao seu rei...”
8 – Davi organizou melhor o reino, com oficiais civis e militares. Entrando em batalha, Davi ficou “muito fatigado”. (21.25) Que idade teria ele? Efeitos prematuros de muitas privações? Seja como for, não mais deixaram Davi sair em batalhas... “... para que não apagues a lâmpada de Israel” (v. 17). Ainda restavam gigantes quando o reinado de Davi já se aproximava do fim. Os homens de Davi mataram quatro deles. (II Sm 21.19), sobre o qual já tecemos comentários na seção sétima - Problemas especiais, sexto parágrafo;
9 – Cronologicamente esta seção deveria estar no começo de II Samuel, porque o cântico celebra o livramento de Davi das perseguições de Saul. (II Sm 22.1)
10 – Davi compõe um poema, agradecendo pela aliança eterna estabelecida pelo Senhor Deus com ele. (vejamos a oitava seção, Teologia do livro, no trecho O pacto davídico.)
11 – Davi foi um grande homem que foi assessorado por grandes homens, sobretudo no campo militar. A lista que aqui se encontra dos valentes de Davi inclui 37 nomes. Um trecho paralelo – I Crônicas 11.11-41 – acrescenta mais 16 nomes, totalizando 53 heróis de guerra.
12 - O incidente do recenseamento mostra que o orgulho começara a tomar conta do coração do idoso rei Davi. O livro de II Samuel termina com estas palavras positivas: “...O senhor se tornou favorável para com a terra, e a praga cessou de sobre Israel". (II Sm 24.25). O livro termina em uma nota de reconciliação e restauração. O Governo justo de Davi, apesar de falhas, dentre elas algumas graves, no seu todo era aprovado pelo Senhor.

X - Cronologia:

Nos livros de I e II Samuel há narrativas que nos permitem formular certa cronologia quanto aos episódios cobertos. Para exemplificar, ver I Samuel 6.1; 7.2; 8.1,5; 13.1; 25.1; II Samuel 2.10,11; 5.4-5; 14.28; 15.7. No entanto, os informes são insuficientes para que se possa formar uma cronologia precisa quanto a maioria dos eventos desse período da história de Israel. Com exceção das datas do nascimento de Davi e da duração de seu reinado, que são dados firmes (ver II Sm 5.4-5), quase todas as demais datas são meras aproximações. O problema textual que envolve a passagem de I Sm 13.1, acerca da idade de Saul, quando ele se tornou monarca de Israel (ver seção VI, estado do texto), contribui ainda mais “para essa falta de precisão cronológica, pelo menos quanto ao tempo de seu nascimento e ao começo de seu governo. Nenhuma informação nos é dada acerca do tempo do nascimento ou da morte de Samuel (I Sm 1.1 e 35.1). Porém, calcula-se que Samuel deve ter vivido desde os tempos de Sansão e de Obede, filho de Rute e Boaz, e avô de Davi. Todavia, é-nos indicado que ele já era homem bem avançado em anos quando os anciões de Israel lhe pediram que ungisse um rei a Israel. (ver I Sm 8.1, 5) Um forte fator de incerteza cronológica é que o autor sagrado nem sempre arranjou o material em estrita seqüência cronológica. Ao que tudo indica, por exemplo, II Samuel 7 deveria aparecer após as conquistas militares de Davi descritas em II Samuel 8.1-14. A narrativa sobre a escassez que houve em Israel, por castigo divino ao fato de que Saul violou um tratado estabelecido com os gibeonitas, o qual se acha em II Samuel 21.1-4, deveria aparecer antes do relato sobre a rebelião de Absalão, registrada em II Samuel 15–18. Em face dessa série de dificuldades, pois, oferecemos a seguir um quadro cronológico com datas aproximadas, alicerçado muito mais em deduções do que em informes bíblicos seguros.

QUADRO CRONOLÓGICO COM DATAS APROXIMADAS



NASCIMENTO DE SAMUEL (I SM 1.20) .............................................1105
NASCIMENTO DE SAUL ......................................................................1080
UNÇÃO DE SAUL COMO REI (I SM 10.1) ............................................1050
NASCIMENTO DE DAVI .......................................................................1040
UNÇÃO DE DAVI PARA SER O PRÓXIMO REI (I SM 16.1-13) ..........1025
DAVI COMEÇA A REINAR SOBRE JUDA (II SM 1.1; 2.1,4,11) ...........1010
DAVI COMEÇA A REINAR SOBRE TODO ISRAEL (I SM 5)...............1003
AS GUERRAS DE DAVI (II Sm 8.1-14) .................................................1007-992
NASCIMENTO DE SALOMÃO (II SM 12.23; I RS 3.7; 11.42) ..............991
O RECENSEAMENTO (II SM 24.1) .......................................................980
FIM DO GOVERNO DE DAVI (II SM 5.4-5; I RS 2.10-11) ....................970

XI – Subsídios

Os dois livros de Samuel (I e II) originalmente formavam um único livro, no hebraico. As personagens principais nos são trazidas a atenção e depois nos é oferecida uma espécie de biografia de cada uma delas: Samuel, Saul, Davi. A história de Samuel é narrada em I Samuel ; a história de Saul e de Davi aparecem em I e II Samuel. Davi é apenas apresentado, e sua história realmente começa em I Samuel 16, aproximadamente na metade do livro, e então continua em II Samuel. Os críticos apontam fontes informativas antigas e posteriores para o livro, supondo que sua edição final só tenha ocorrido após o exílio babilônico. E isso por causa de certas referências que parecerem indicar uma data posterior para algumas porções do material. Esses problemas são enfrentados e discutidos no desenrolar da exposição.

Título: II Samuel
Autor: Anônimo
Data: Fins do Séc. X a.C.
Tema: (O reinado de Davi) – O poder de Deus restaura Israel como nação.
Versículo Chave: II Samuel 22.29-31 (Porque tu, SENHOR, és a minha lâmpada; e o SENHOR ilumina as minhas trevas. Porque contigo passo pelo meio de um esquadrão; pelo meu Deus salto um muro. O caminho de Deus é perfeito, e a palavra do SENHOR refinada; e é o escudo de todos os que nele confiam.)


I - Introdução 
        
A Bíblia dos hebreus não separava I e II Samuel conforme fazem as nossas Bíblias hoje. A versão Septuaginta foi o primeiro dos documentos históricos a apresentar esses dois livros separadamente. Essa divisão foi seguida por outras versões e também pela Bíblia e, português. Apresentamos uma única introdução a I e II Samuel, pelo que o estudioso deve consultar a introdução àquele livro. O estudioso sério, ao analisar II Samuel, preparará o caminho para o estudo lendo a introdução que aborda questões a ela atinentes. Em I e II Samuel são traçados os pontos históricos de três personagens, quase como uma biografia: Samuel, o último dos juizes de Israel, que foi também o precursor da era dos profetas; Saul, o primeiro rei de Israel; e Davi, o segundo rei de Israel. A história de Saul esta contida em I Samuel, mas a história de Davi acha-se tanto no I Samuel quanto em II Samuel. Os críticos identificam várias fontes informativas para os livros à época seguinte ao exílio babilônico, porquanto certas referências pertencem, historicamente, àquele período. Esses problemas são discutidos conforme progride a exposição. A Scofield Reference Bible faz os seguintes comentários sobre Samuel: Assim como I Samuel assinala o fracasso dos homens em Eli, Saul e até no próprio Samuel, II Samuel assinala a restauração da ordem através da entronização do rei divino, Davi. Este livro também registra o estabelecimento do centro político de Israel em Jerusalém, (5.6-12), e de seu centro religioso em Sião (5.7; 6.1-17). Quando tudo assim estava ordenado Yahweh firmou o grande Pacto Davídico (7.8-17; 23.1-7), a partir do qual, doravante, toda a verdade sobre o reino é desenvolvida. Em suas palavras finais (23.1-7), Davi descreve o reino milenar que ainda surgiria. “O livro de Samuel relata o governo de Davi, primeiramente como rei apenas sobre Judá (capítulos 1 a 4, e então como rei sobre Judá e Israel (capítulos 5 a 24). Os capítulos 9 a 20 dizem respeito particularmente às atribuições domésticas e politicas do reinado de Davi. Os capítulos 21 a 24 formam uma espécie de apêndice, constituído de dois hinos (22; 23.1-7), além de vários eventos que foram cronologicamente escritos fora de ordem. Visto que, tão grande parte de II Samuel pertence a fonte mais antiga, essa classificação será acompanhada nos comentários, a menos que se anote de outra forma. Graças ao gênio do autor dessa fonte primitiva, II Samuel é um dos mais claramente escritos, mais homogêneos e mais compreendidos livros bíblicos. Isso se dá especialmente com os capítulos 9 a 20 nos quais o autor sacro parecia estar escrevendo com base em seu conhecimento pessoal. Por toda a narrativa do reinado de Davi, brilha a convicção de que Israel é o povo do Senhor e de que Sua providência está em ação na história deles” (Introdução a II Samuel da Oxford Annoted Bible).

II - Exposição do Capítulo I
A - Davi lamenta a morte de Saul e de Jônatas.    
Conforme já afirmamos, na Bíblia hebraica havia um único livro que mais tarde foi dividido em dois, como aparece hoje na bíblia em português. O capitulo final de I Samuel registra as mortes trágicas de Saul e seus filhos. O primeiro capítulo de II Samuel continua essa história, relatando como Davi lamentou essas mortes. O estudioso também poderá observar varias discrepâncias na história aqui exposta sobre a morte de Saul, quando comparada a I Samuel 31. Muitas tentativas de reconciliação tem sido feitas, mas nenhuma delas é realmente satisfatória. A principal diferença é que em I Samuel 31 diz-nos que Saul cometeu o suicídio, depois de ter sido ferozmente atingido por uma flecha, para impedir sua tortura e humilhação às mãos dos filisteus. Mas o presente capítulo diz-nos que certo amalequita foi quem deu o golpe de misericórdia que pôs fim a vida de Saul. Os críticos supõem que I Samuel 31 seja o relato mais acurado, historicamente falando, e que, se algum amalequita esteve envolvido, então o próprio amalequita inventou a história, tendo em vista sua auto glorificação e talvez em uma tentativa de agradar a Davi e obter dele benefícios, visto que Saul, por longo tempo, havia atacado aquele homem. Mas se esse foi o seu propósito, então o plano inteiro do amalequita foi um tiro que saiu pela culatra, pois, Davi, irado que tal homem tivesse assassinado o “ungido de Deus”, matou-o no mesmo local. I Samuel 4.9-10 também menciona o amalequita. Isso posto, I e II Samuel registram duas histórias da morte de Saul, sem nenhuma tentativa de reconciliação entre elas.
a – Tentativas de reconciliação:
1 – Muitos críticos supõem que é impossível e desnecessário reconciliar os dois relatos. Eles acreditam que essas narrativas baseiam-se em fontes informativas diferentes, que eram simplesmente contraditórias. A maioria dos críticos considera a narrativa de I Samuel mais exatamente histórica.
2 – Muitos estudiosos conservadores “reconciliam” os dois relatos supondo que a história contada pelo amalequita tenha sido uma fabricação, e não reflita o que realmente aconteceu. O homem teria inventado a história para agradar Davi, que se tornara conhecido inimigo de Saul. A dificuldade dessa “reconciliação” é que o compilador de I e II Samuel não afirma tal coisa. Ele não dá nenhuma indicação de que o amalequita estivesse mentindo, e, por isso mesmo, relatando uma história contraditória.
3 – Podemos tentar uma reconciliação entre os dois relatos supondo que eles sejam suplementares, e não contraditórios. Talvez a questão toda tenha acontecido como se segue:
A – Saul foi ferido por uma flecha e, potencialmente, ferido de morte. Ele sangraria até morrer.
B – Temendo a tortura às mãos dos filisteus, caso o encontrassem ferido (embora ainda não morto), Saul pediu que o escudeiro terminasse com sua vida. Mas o escudeiro, temeroso de tratar dessa maneira o ungido de Yahweh, recusou-se a atender ao pedido.
C – Diante disso, Saul tentou suicidar-se, mas realizou um trabalho inepto. Tudo quanto conseguiu foi outro ferimento horrível, dessa vez por meio de sua própria espada.
D – A essa altura do drama, chegou o amalequita e encontrou Saul agonizando (II Sm 1.9). Saul pediu que o homem pusesse fim a sua vida, ao que o amalequita atendeu, presumivelmente usando sua espada ou lança (II Sm 1.10). Isso nos fornece alguma reconciliação, mas de nossa própria imaginação, e não uma reconciliação provida pelo autor (ou autores) de I e II Samuel. Naturalmente, não há razão alguma para nos preocuparmos em reconciliar os relatos. A fé religiosa não depende desses detalhes, nem de uma harmonia absoluta, que geralmente é obtida através de alguma manipulação desonesta. Somente conservadores fanáticos e os céticos creem que tal atividade é importante, os primeiros na tentativa de provar que as Escrituras não contêm erro, e os outros para mostrar todos os erros das Escrituras. Ambos acabam recorrendo à categoria das manipulações desonestas.

1.1 – Depois da morte de Saul.

Dessa maneira, II Samuel começa vinculando seu material ao último capítulo de I Samuel, como uma continuação do livro anterior. Na Bíblia dos hebreus, I e II Samuel formavam um só livro. Assim sendo, o primeiro capítulo de II Samuel é simplesmente outro parágrafo do relato de Saul e seus filhos, a respeito de como eles morreram, e não um livro independente de I Samuel. A menção da volta de Davi depois de ter matado os amalequitas leva-nos de volta a história de I Samuel 30. Davi retornou a Ziclague com Aquis, um príncipe filisteu que lhe fornecera quartel-general em seu território. (Quanto a isso, ver I Sm 27.6) Davi tinha fugido para o território estrangeiro, a fim de escapar da incansável perseguição de Saul, em suas intenções assassinas. O centro do príncipe Aquis era Gate, uma das cinco principais cidades dos filisteus. Por algum tempo, Davi se fizera vassalo daquele homem e passara eliminando populações inimigas de Israel, na parte sul do país, sobrevivendo do saque.

1.2 – Sucedeu ao terceiro dia.

Isso após o retorno de Davi, depois de ele ter matado em massa aos amalequitas (I Sm 30). O homem amalequita veio do campo de batalha, sobre o monte Gilboa, e trouxe as noticias da morte de Saul e de seus dois filhos. Ele chegou com as roupas rasgadas (supostamente como sinal de consternação pela morte do rei de Israel) e com pó sobre a cabeça (outro sinal de luto). Ele prestou homenagem a Davi, caindo prostrado sobre o solo. Fazia uma solene mensagem. A história contada por ele não concordava com o relato da morte de Saul (I Sm 31), e o autor (compilador) não procurou reconciliar as duas narrativas. Supomos que esse amalequita fosse membro do exército de Saul, razão pela qual estava presente por ocasião da morte do primeiro rei de Israel. Por outra parte, ele pode ter sido um habitante daquela região do país, sem nenhuma relação como o exército filisteu ou com o exército de Saul. Aconteceu-lhe chegar por acaso à sangrenta batalha e cena da morte de Saul e matá-lo como um ato de misericórdia, a pedido do próprio Saul. Ele também conhecia Davi e sua rivalidade com Saul, e sabia que Davi desejava noticias a respeito de Saul, pelo que pronunciou a terrível mensagem. Alguns comentadores judaicos identificam o homem amalequita como Doegue, o idumeu (Pesikkta, em Jarchi, in loc). Mas isso a fé pura pode fantasiar. Os amalaquitas, contudo, eram uma das raças iduméias, pelo que a conjectura não apresenta grande contradição. Conforme I Samuel 4.12 quanto aos rituais de lamentação também registrados neste versículo. “A recepção das noticias da derrota, por parte de Davi, deveria ser comparada com I Samuel 4, com o que tem muito em comum, tanto quanto ao estilo como quanto aos detalhes” (John George B.Caird).

1.3 – Fugi do arraial de Israel.

Isso subentende que o amalequita estivera no exército de Saul. Por outra parte, ser apanhado na cena de uma batalha selvagem teria sido perigosos para qualquer um, estivesse ou não esse alguém diretamente envolvido na guerra. As palavras “por acaso”, no v. 6 deste capítulo, podem dar a entender que o homem simplesmente estava no monte Gilboa quando a batalha ocorreu. Ou podem indicar que foi por acaso que ele apareceu na cena em que Saul agonizava. Não importa, porém, determinar exatamente o sentido dessas palavras. Além disso, o amalequita pode ter inventado a história toda para obter favor diante de Davi, passando por um herói que eliminara o seu principal inimigo.

1.4 – Como foi isso?

Davi indagou, ansioso, sobre “como ocorrera a batalha”, somente para ouvir as espantosas noticias de que Israel havia sofrido grande derrota, fugira em confusão, e Saul e seus filhos, incluindo Jônatas, haviam sido mortos. Yahweh tinha voltado as costas a Israel naquele dia. Chegara a hora de Saul. Ele encontrou sua sorte merecida. Coisa alguma tinha acontecido por acaso. Saul e sua dinastia estavam acabados.

1.5 - Como sabes tu que Saul e Jônatas... são mortos?

Davi pressionou o amalequita quanto a maiores informações, especificamente como ele sabia o que havia acontecido. Isso o forçou a confessar (ou jactar-se) como havia dado em Saul o golpe de misericórdia que o livrara de sua agonia. Mas essa confissão, longe de agradar a Davi, custou ao amalaquita a própria vida. (v. 15)

1.6 - Chequei por acaso à montanha.

Sucedeu que o homem passou pelo monte Gilboa quando Saul agonizava. O amalaquita podia ou não fazer parte do exército de Saul. (Ver discussão v. 3). A expressão “Saul estava apoiado sobre a sua lança”, provavelmente significa apenas que Saul, cansado de fugir, tinha se apoiado em sua lança para descansar. Alguns estudiosos sugerem que esse apoio significava uma tentativa de suicídio, mas I Samuel 31.4 diz-nos que Saul se suicidou com sua espada. Ellicott (in loc) considera a história de I Samuel 31 o “verdadeiro relato”, ao mesmo tempo que supõe que a história do amalequita tenha sido uma invenção. Quando uma discussão sobre as discrepâncias nos dois relatos da morte de Saul, ver as notas de introdução 1.1 deste serviço. Ali oferecemos as reconciliações possíveis entre as duas narrativas. A batalha começou em Jezreel, mas foi apenas natural que Israel, derrotado, tivesse procurado refugiar-se no Monte de Gilboa. (I Sm 31.1 conforme 29.1).

1.7 - Viu-me e chamou-me.

Em sua agonia, Saul viu o amalequita nas proximidades e chamou-o implorando para que o matasse. II Samuel nada nos diz sobre a flecha do arqueiro que feriu a Saul, nem sobre a tentativa de suicídio; mas este versículo apresenta indícios que ele havia sido gravemente ferido, embora não corresse perigo de morte iminente. (v. 9) O relato de II Samuel também nada diz sobre o temor de Saul de que os filisteus o encontrassem vivo e o sujeitassem a torturas (v. 31.4), o que representava a exata razão pela qual ele desejava morrer imediatamente.

1.8 – Saul queria saber quem era aquele homem desconhecido que estava nas proximidades, se era um amigo ou um inimigo.

Talvez o amalequita fosse membro do exército de Saul, alguém que poderia dar o golpe de misericórdia. Se fosse um filisteu, Saul não lhe teria feito tal pedido. Se fosse um israelita, sem dúvida poderia tê-lo feito. Ele havia implorado ao escudeiro que o executasse, mais este havia se recusado (I Sm 31.4). O amalequita era uma espécie de figura neutra, capaz de terminar com a agonia de Saul. Os amalequitas antigos inimigos de Israel, haviam atacado os israelitas quando estes tinham acabado de deixar o Egito (ver Ex 17.8-13), e assim carregavam sobre si, a maldição de Yahweh, o que significava que seriam aniquilados de forma absoluta. Ademais, eles abusaram dos filhos de Israel em várias ocasiões. (Ver Dt 25.18; Jz 3.13. 6.3). Saul havia administrado uma contundente derrota sobre os amalequitas, não fazia muito tempo. (ver I Sm 15.4-9) Essa louca história, que sempre mantivera Israel e os amalequitas em conflito, não importava a Saul naquele momento. Saul queria apenas morrer e qualquer um serviria como matador, exceto um filisteu.

1.9 – Os versículos 9 e 10 dizem-nos definitivamente que Saul estava ferido, mas não corria o perigo de morrer imediatamente.

Mais provavelmente ficaria sangrando até morrer. A história aqui não fala sobre a flecha do arqueiro nem sobre o suicídio de Saul, detalhes que figuram na história de I Samuel 31. Saul estava em angústia, agonizante, mas a história de II Samuel, em seu primeiro capítulo, não nos explica por quê. Talvez o autor espere que nos lembremos da primeira narrativa, pelo que não seria necessário repetir os detalhes. Alguns intérpretes, entretanto, salientam que a palavra “me sinto vencido de cãibra” (ou alguma outra tradução) é uma tentativa de traduzir um termo hebraico desconhecido, o qual implicaria que Saul estava mortalmente ferido. Talvez ele apenas estivesse “estonteado” (conforme certa versão portuguesa diz, “uma vertigem se apoderou de mim”). Mas o versículo 10 é contrário a isso. O amalequita estava certo de que Saul não sobreviveria por muito tempo, e isso só pode ser explicado pela suposição de que ele havia sido ferido de morte;

1.10 - Com uma espada ou lança, o amalequita atendeu a solicitação de Saul e tirou-lhe a vida.

Dessa forma Saul escapou do alcance dos temidos filisteus. Ainda assim mutilaram-lhe o corpo, deceparam-lhe a cabeça e penduraram o seu tronco em uma parede, em Bete-Seã. (I Sm 31.9-10). Isso foi algo brutal e drástico da parte dos filisteus, mas Davi fez a mesma coisa com Golias (I Sm 17.54ss). “Saul morrera pela mão de um membro da tribo contra quem (no começo de seu reinado) ele falhara em executar o juízo divino. (I Sm 15) Ele foi rejeitado por sua desobediência, e por causa disso Davi foi secretamente ungido rei. Agora o julgamento completara o círculo, e um membro do povo de Agague foi o homem que matou Saul” (Ganse Little, in loc).
Tomei-lhe a coroa... e o bracelete.
Essas eram insígnias da realeza, conforme dito em II Rs 11.12. Isso implica pelo menos três coisas:
1 – O amalequita queria prova de que havia matado o rei de Israel;
2 – Provavelmente ele queria obter o favor de Davi, recebendo uma recompensa por aquele ato, visto que, Saul por muito tempo perseguira Davi como se este fosse um animal, com intuitos assassinos, e era conhecido como o arqui-rival não lhe dava um momento de sossego;
3 – E, finalmente, é possível que ao trazer as insígnias reais ele estava reconhecendo Davi como o novo rei de Israel;
Poderíamos esperar que um filho de Saul herdasse o trono. Mas Samuel já havia anulado essa possibilidade (Is 13.13-14). Ademais, Samuel é quem tinha nomeado Saul como rei, e estava dentro de seu direito nomear outro rei. De fato, ele assim fez, tendo ungido a Davi como rei quando Saul estava no auge do poder (I Sm 16). Talvez todos esses fatos fossem largamente conhecidos. Josefo diz-nos que tanto homens quanto mulheres usavam jóias (ver antiq. 1.6, capítulo 14), e as joias de Saul eram feitas de “ouro”, de conformidade com os comentários de Josefo, conforme Gn 38.18. Ez 23.42 quanto ao uso de jóias. Os militares apreciavam muito certas peças de joalheria que os adornavam nas batalhas. (vid. Liv. Hist. Decad. 1.1.10, capítulo 44)

1.11 – Apanhou Davi as suas próprias vestes e as rasgou.

Esse ato de rasgar as vestes era sinal comum de lamentação ou consternação. (vejamos sobre lamentação na seção III, quanto a informações sobre os costumes das lamentações. Os homens de Davi imitaram seus atos, e um terrível acesso de choro e lamentação seguiu-se durante horas. Conforme Gn 37.34, onde vemos que esses atos de lamentação eram esperados no caso de pessoas proeminentes

1.12 – Jejuar fazia parte dos ritos de lamentação. 

O cenário aqui, podemos ter certeza, abrangia mais que mero jejum, não somente porque o temido Saul e o amado Jônatas haviam morrido, mas também porque o povo de Israel tinha sofrido grave derrota naquele dia, muitos jaziam mortos no campo de batalha.
A narrativa nos mostra que Davi não somente era um patriota, mas também que ele se entristeceu diante da morte de Saul, a despeito de aquele homem, por muito tempo, tê-lo perseguido da maneira mais desgraçada. Ademais, Jônatas era o amigo mais querido de Davi (I Sm 18.1-3).
“Eles se amavam mutuamente como as suas próprias almas”.
A morte de Jônatas foi especialmente sentida, e nada havia de apenas ritualista ou fingido sobre as lamentações que perduraram até o pôr-do-sol.

1.13 – Perguntou Davi ao moço portador das noticias.

O Texto da a entender que somente depois de todo aquele terrível choro e lamentação Davi dirigiu novamente sua atenção ao amalequita. Ou talvez isso tenha sido feito imediatamente antes das lamentações. Seja como for, o pobre mensageiro de más notícias, que pensou estar fazendo um favor a Davi, não sobreviveu ao incidente. Outras perguntas de Davi revelaram que se tratava de um amalequita, um representante do povo amaldiçoado por Yahweh, por causa de seus atos terroristas contra Israel, durante todo o curso da história. (I Sm 15 – quando e como Saul foi envolvido na maldição contra aquele povo e falhou em cumprir todo o seu dever, em razão do que, foi rejeitado como rei de Israel.)
Sou filho de um homem estrangeiro, amalequita.
O pai do homem aparentemente tornara-se um prosélito da fé hebraica, o yahwismo. Tais pessoas tornavam-se virtuais cidadãos de Israel, pela força das leis que favoreciam o ger, (peregrino), o estrangeiro que vivia em Israel como imigrante. Os estrangeiros desfrutavam de proteção, mas não de plenos direitos civis. Eram favorecidos pelo descanso sabático (Ex 20.8; 23.12; Dt 5.14) e esperava-se que observassem os costumes religiosos sem nenhuma infração (Dt 16.10-11, 13-14; 2.6; 1.11). Um estrangeiro também estava sujeito a atos e caridade. (Dt 14.28-29; 24.14,19-20) Podemos presumir que esse filho de um prosélito também era adepto da fé hebreia, mas nem isso salvou a sua vida. De fato, ainda que um israelita tivesse levantado a mão contra um dos reis de Israel, sua vida não seria poupada.

1.14 - Como não temeste estender as mãos...?

O armeiro de Saul teve medo de estender a mão para matar o ungido do Senhor (I Sm 31.4) embora Saul lhe tivesse ordenado aplicar o golpe de misericórdia. Como, pois, o amalequita (um cidadão de segunda classe) imaginou cometer tal ato sem retaliação? O desejo de morrer de Saul e sua necessidade de auxilio para fazer isso, configurando o que seria uma matança por misericórdia, impressiona nossa mente. Assim, parece injusto que o homem tivesse sido morto por haver obedecido ao rei. Mas Davi não pensava da nossa maneira. Para ele, era um crime permitir que o amalequita continuasse vivo.
“Davi agiu aqui sob o impulso de um sentimento religioso genuíno, chocado por um ato de sacrilégio aberto e desavergonhado” (George B. Caird, in loc).
“Aos olhos de Davi, o regicidio não era apenas um crime político; ele tinha demonstrado em mais de uma ocasião de grande tentação (I Sm 24.6; 26.9,11,16), que considerava tirar a vida do “ungido do Senhor” uma ofensa religiosa da maior magnitude. Portanto, foi um crime especialmente grave para um estrangeiro, um amalequita, matar aquele a quem Deus ungira como monarca de Israel”. (Ellicott, in loc) Esse sentimento não foi mitigado na mente de Davi (como talvez seja mitigado em nossas mentes) pelo fato de que Saul já estava mortalmente ferido, e a execução final era tanto misericordiosa quanto salvara Saul de qualquer outra desgraça nas mãos dos filisteus

1.15 – Então chamou Davi a um dos moços.

Davi despachou o pobre amalequita por meio de um jovem soldado, que assim adicionou outra vítima a seus registros. Pessoalmente, parece-me difícil ver como essa ação pode ser considerada correta. Parece ter sido o produto de uma mente bem intencionada, mas primitiva, para a qual tirar a vida alheia era uma questão cotidiana e aprovada como ato de heroísmo ou mesmo de serviço prestado a Deus. Davi e seu bando de 600 fora-da-lei estavam acostumados a viver pela espada e, assim, alguém que fosse supostamente culpado de alta traição dificilmente teria oportunidade de continuar vivo após cair em suas mãos. É anacrônico discutir se tinha ou não o direito de ordenar a punição capital. Homens dotados de autoridade, real ou militar, não estavam sujeitos ao julgamento dos tribunais e dos juízes.

1.16 – O teu sangue seja sobre a tua cabeça.

O homem era culpado de alta traição e do ato de sacrilégio máximo – a morte do rei ungido de Israel. Suas palavras foram testemunho suficiente contra ele. Não foi nem mesmo necessário convocar testemunhas e nomear um tribunal. Davi ignorou qualquer apelo do amalequita, que necessariamente incluíram o fato de que o próprio Saul desejava morrer, antes que os filisteus o apanhassem vivo. Saul precisava morrer, mas o amalequita não tinha o direito de cumprir as horrendas profecias que pairavam contra o rei e sua casa. Para nós, um absurdo fazer deste texto um ponto de discussão sobre o problema da predestinação - livre arbítrio, conforme acontece com Mt 18.7: “Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é inevitável que venham escândalos, mas ai do homem pelo qual vem o escândalo”. Assim também Jesus precisou ser traído para que o plano divino de Sua Morte pudesse operar, mas ai de Judas! Deus prova Sua inclinação por fazer a ira dos homens louvá-lo. E de usar o egoísmo dos homens para realizar a sua vontade. (Ganse Little, in loc)

1.17 – O poema de lamentação de Davi.

O texto sagrado sintetiza a história das lamentações em favor de Saul e Jônatas, levando-nos de volta ao v. 12; ver as notas do v. 11 referências a artigos que tratam de costumes relacionados às lamentações. Segue-se um belo e breve poema que captura a consternação de Davi em choro por Saul e Jônatas. Até os críticos dizem que podemos atribuir “com segurança” este poema a Davi, o qual tinha altas qualidades como poeta, conforme demonstra o livro de Salmos. Também já sabemos que Davi era músico de elevada estirpe (ver I Sm 16.16). “Sobre os méritos desse breve trabalho poético, Davi tem o direito de ser colocado entre os maiores poetas líricos do mundo”. (George Caird) Davi “compôs a elegia que se segue por causa da morte de seus amigos, e cantou-as com uma música apropriada, ele e os homens que o acompanhavam” (John Gill, in loc). “essa é uma das mais excelentes odes do antigo Testamento, plena de nobres sentimentos e originada de uma emoção profunda e santificada, na qual, sem nenhuma alusão a sua própria relação para com o rei caído, Davi celebrou, sem o menor laivo de inveja, a bravura e as virtudes tanto de Saul como de seu filho, Jônatas, e lamentou amargamente a perda de ambos”. (Keil, in loc). Conforme II Samuel 3.33-34 (a lamentação pela morte de Abner) e II Crônicas 35.25 (a morte de Josias, lamentada por Jeremias), que foram poemas “seculares” similares no Antigo Testamento.

1.18 – O hino ao arco.

Davi, poeta e músico, Israel a usar a poesia e a musicá-la. O texto hebraico também diz como Davi ensinou até mesmo as crianças a usar o arco (habilidades militares), o que a Septuaginta omite, considerando-o deslocado do contexto. Essa omissão é seguida pela Revised Standard Version. Mas a tradução atualizada, em português, tem o Hino ao Arco entre as coisas que foram ensinadas por Davi. Todavia, a tradução da Imprensa Bíblica Brasileira também omite a referência militar. Davi, o herói militar, deixou os legados da poesia, da música e das artes militares, quanto aos quais ele era um especialista, e nada há de estranho em que todas as três artes sejam mencionadas juntas no presente versículo. Ellicott corta o nó górdio ao interpretar que a elegia que se segue foi chamada de “Hino ao Arco”, porquanto falava da guerra na qual Saul e Jônatas encontram a morte, e a tradução portuguesa que usamos está de acordo com isso. Presumivelmente, o pequeno poema que se segue foi chamado por esse nome. Nesse caso, há uma referência ao ensino das artes militares por parte de Davi. Mas a questão permanece em discussão. O poema pode ter sido uma “ode marcial”, conforme também sugeriu Ellicott.

No livro dos justos

Este livro foi, ao que tudo indica, antologia de poemas anteriores de Israel. Além do texto presente, o livro também é mencionado em I Rs 8.13. Muitas composições literárias não devem ter encontrado espaço no Antigo Testamento, tornando-se livros extras canônicos. Vendo Nm 21.14, quanto ao livro chamado “Guerras do Senhor”, no hebraico, temos aqui a palavra “Jasar”, que significa “o justo”, e algumas versões dão como título “ O livro do Reto”.

O poder transformador da Literatura.

Escreveu certo autor: “Todos os livros que tenho lido me transformaram pelo menos um pouco, preenchendo espaços vazios em meu cérebro com novas informações.” Esse mesmo autor prossegue dizendo como livros específicos ajudaram-no de formas específicas, começando com os livros infantis que ele leu quando ainda era um infante. Por certo o anti-intelectualismo é uma ideia pervertida, promovida por religiosos que dependem exclusivamente das experiências místicas para sua inspiração. O intelecto é guardião que permanece à porta e nos poupa de muitas veredas absurdas na vida religiosa. Há vários meios de desenvolvimento espiritual. O intelecto é uma parcela importante desse desenvolvimento, e a abordagem multifacetada do desenvolvimento espiritual é a mais frutífera.

O poema (1.19-27)

1.19 A tua glória, ó Israel.
Temos aqui uma referência a Saul e a Jônatas. Quão gracioso e generoso foi Davi ao incluir o violento Saul em suas referências a demonstração da glória de Israel. Seja como for Saul foi um homem valente que, a despeito de seus erros, cumpriu a essência de sua missão como rei, ou seja, debilitou os inimigos de Israel. Ficou a cargo de Davi a tarefa de realmente libertar Israel de todos os inimigos no território da Palestina. As ameaças passaram a ser, então, as potências externas (a Assíria e Babilônia) e a guerra civil interna, além dos fracassos morais que levaram a nação de Israel a um fim prematuro, tanto na porção norte (as dez tribos) quanto na porção sul (Judá).

Sobre os teus altos.

Em outras palavras, essa glória era vista elevada sobre as colinas de Israel. A expressão é metafórica.
“Vê-los glorificados ali, no alto! tão conspícuo e tão belo!” conforme os versículos 21 e 25. A glória de Israel, pois foi morta nos lugares elevados. Dois dos mais poderosos homens de Israel, o rei Saul e o seu general, Jônatas, foram derrubados nas alturas do monte Gilboa. O cântico de Davi começa e termina com o choroso refrão: “Como caíram os valentes!” (v. 19 e 27, que devem ser comparados a II Samuel 1.25).

1.20 - As noticias da temível vitória dos filisteus, que desgraçaram os homens mais fortes de Israel, espalhar-se-iam como fogo.

O poeta preocupava-se com que a questão permanecesse desconhecida das cidades filisteias, para que as filhas dos filisteus não saíssem às ruas cantando e dançando, celebrando a tremenda vitória. Essa celebração acrescentaria insulto à injúria. Os pagãos incircuncisos, que não respeitavam nem Israel e nem Yahweh, o Deus de Israel, mostrar-se-iam extremamente desgraçados em seus gritos de vitória, às expensas de Israel. “As mulheres dos filisteus, assim faziam como as mulheres de Israel, sairiam cantando e dançando para receber seus guerreiros de volta à casa, vitoriosos, após a batalha. Conforme I Samuel 18.6” (george B Caird, in loc). O poeta não queria ouvir os gritos de vitória do inimigo, nem mulheres exultando sobre a derrota de Israel, com seus cânticos e suas danças.

Filhas dos incircuncisos

Os “incircuncisos” eram pagãos que não participavam do sinal do pacto abraâmico, o que significa que eram estrangeiros e ímpios. (ver notas expositivas de Gn 15.18 sobre o pacto abraâmico). Nos livros históricos, o termo “incircuncisos” é usado para indicar exclusivamente os filisteus. Conforme Jz 14.3; 15.18; I Samuel 14.6; 17.26, 36, 31, 4; I Crônicas 10.4 – ver Gênesis 17.10-14 para a circuncisão como o sinal do pacto abraâmico. Havia cinco principais cidades entre os filisteus. As duas aqui mencionadas representam a totalidade. Ver I Samuel 6.17 quanto às cinco cidades.

1.21 - O lugar onde os poderosos tinham caído mortos foi amaldiçoado pelo poeta. Não mais seria um lugar frutífero. Tornar-se-ia estéril.

Foi ali que o escudo de proteção de Saul perdeu o valor. Foi lançado fora, inútil. Tinha-se mostrado ineficaz para proteção do rei. Tinha sido lançado fora vilãmente pelos inimigos, que dominavam a situação; Era como nada e deixara desprotegido o próprio ungido de Yahweh. O escudo tornou-se um símbolo de desespero. Tinha falhado em seus propósitos. A unção de Yahweh deveria ter sido suficiente para proteger o rei, mas suas próprias falhas haviam anulado essa proteção. Foi nos “Montes de Giboa” que Saul, Jônatas e muitos dos guerreiros de Israel foram mortos. (ver I Sm 31.1; II Sm 1.16) Esse lugar servira como “um estágio para Saul e Jônatas em sua defesa heroica mais infrutífera contra o inimigo, II Samuel 1.21-22”. (Eugene H. Merrill, in loc)

1.22 – O arco de Jonatas... a espada de Saul.

O poeta retratou a flecha e a espada como devoradoras de monstros, que bebiam o sangue e comiam a gordura dos adversários. Antes de Saul e Jônatas terem sido mortos, ambos haviam cumprido a contento suas respectivas missões: a flecha tinha bebido o sangue de muitos inimigos; a espada havia comido a gordura de muito dentre eles. Saul e Jônatas eram grandes matadores, e suas habilidades tinham sido aplicadas durante muitos anos, e novamente nas batalhas de Jezreel e de Gilboa, mais isso não impediu que se tornassem finalmente vítimas. Conforme II Samuel 2.26; 11.25. 18.8 e Dt 32.42. O mesmo simbolismo é usado acerca do fogo, em I Rs 18.38, bem como acerca da fome e da pestilência (ver Ez 7.15) e também acerca da seca. (Gn 31.40)

1.23 – Saul e Jonatas

Embora Saul e Jonatãs tivessem diferenças de opiniões a respeito de Davi (ver I Sm 20.30ss), de modo geral, estavam unidos em todas as suas realizações, permanecendo juntos até a morte. O poeta não poupa descrições de louvor quanto a ambos: eles eram “queridos”, “amáveis”, “ligeiros” (as águias) e “fortes” (os leões). Graciosamente, Davi não pronunciou nenhuma palavra negativa. Ele não falou sobre como fora odiado e perseguido sem descanso. Referiu-se a Saul como se fosse um homem impoluto e digno de encômios em todos os aspectos. “Estranhas foram essas palavras de tributo incandescente, proferidas por um homem mais nobre que Saul, mas que, apesar disso, foi incapaz de despertar, em qualquer de seus filhos, lealdade correspondente a de Jônatas. Em certo sentido, a casa de Davi nunca mostrou ser uma verdadeira casa real, pois nunca foi uma casa leal” (Ganse Little, in loc).

1.24 - Entre as suas realizações, Saul tinha enriquecido a Israel.

As filhas de Israel foram convocadas a chorar pelo homem que lhes trouxera excelentes trajes e jóias, e as beneficiara e ornamentara. Ele lhes dera muitos despojos de guerra. Ele havia participado de muitas campanhas militares bem sucedidas. Israel engordara com o saque. “Os filisteus, os amonitas, os amalequitas e outros tinham sentido o poder do braço de Saul e a relação, entre Israel e as nações circunvizinhas havia mudado admiravelmente para melhor durante o seu reinado” (Ellicott, in Loc). Conforme esse versículo com Is 3.18-23 e Ez 16.10-13 quanto a descrições das excelências da vida dos ricos, expressas sob a forma de vestes e joias.

1.25 - Este versículo Repete o refrão “Como caíram os valentes”, com o qual começou o cântico (v. 19) e que uma vez mais se repete no fim do poema. (v. 27)

E também repete a afirmação de que Jonatas (amigo de Davi) caiu nos lugares altos de Israel, o que já fora dito acerca tanto de Saul como de Jonatas nos versículos 19 e 21. Houve emeção especial e pungente no fato de que Jonatas não havia escapado ao terror em Gilboa. “Um grande tema foi tocado nesse clamor pungente de Davi, onde ele lamenta a morte do melhor amigo. A amizade é um dos mais preciosos dons de Deus. A vida prova, por vezes sem conta, essa gloriosa verdade.
“Mas há amigo mais chegado do que um irmão” (Pv 18.24).
“As experiências de guerra intensificam a convicção dos homens de que podem significar tudo e podem fazer tudo, incluindo morrer, uns pelos outros, sem um único pensamento quanto a si mesmos” (Ganse Little, In Loc - Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chamado Amigo, Amizade).

1.26 – “... foi Jonatas que Davi celebrou com emoção especial. Todos os anos de sua inquebrantável amizade foram capturados neste tributo imorredouro: “Excepcional era o teu amor, ultrapassando o amor de mulheres” (Eugene H. Merrill, in loc).

“Um amigo em uma vida é muito, dois é muito; três é dificilmente possível.” (Henry Adans);
“Nunca injuries a um amigo, nem mesmo de brincadeira.” (Cícero).
“A única maneira em que poderás ter um amigo, é sendo um” (Ralph Waldo Emerson)
“Se tens um verdadeiro amigo, tens mais do que tua partilha” (Thomas Fuller).
“Não há deserto como não ter amigos.” (Baltazar Gracian)
“Eles passaram juntos muitas horas agradáveis, mas agora não veriam mais um ao outro, face a face, neste mundo”. (John Gill, in loc)
Jonatas esperava estar com Davi quando este se tornasse rei de Israel, estar perto dele e ser seu melhor amigo. (I Sm 23.17) Seu destino não lhe concedeu o cumprimento desse desejo, mas a eternidade os reunirá novamente. Algum dia, Davi juntou-se a seu amigo. A morte só separa temporariamente.

1.27 – Este versículo reitera, pela terceira vez, as palavras: “como caíram os valentes”, com as quais o poema começara (v. 19) fé que se repetiu. (v. 25) Vejamos a exposição naqueles versículos.

Mas aqui o autor adiciona que as armas de guerra também tinham perecido, indicando, provavelmente, que elas deveriam ter protegido Saul e Jônatas da morte, mas falharam em sua tarefa e, assim, pereceram juntamente com eles. Ou então temos um paralelismo poético, que fazia de Jônatas e Saul as próprias armas de Guerra. “Os melhores elementos do país tinham sido mortos: a riqueza da nação foi consumida; os recursos naturais da nação foram desviados para um uso improdutivo, e coisa alguma isso resolveu. Restava agora os filisteus serem derrotados por Davi, e tanto a Filistia quanto Israel haveriam de curvar-se diante de exércitos ainda mais fortes, sendo absorvidos em maiores impérios” (Ganse Little, in Loc). O mesmo autor concluiu seus comentários do capítulo, ao dizer: “Para que a guerra seja abolida, precisamos mais do que da mente de Davi sobre a questão – precisamos da mente de Cristo”! Pereceram as armas de guerra! “O autor poderia estar pensando em Saul e Jônatas, os quais, visto serem os escudos do povo, por isso mesmo eram as verdadeiras armas e os instrumentos de guerra, e assim toda a gloria militar pereceu”. (John Gill, in loc)

Título: I Reis
Autor: Anônino
Data: Cerca de 560 – 550 a.C
Versículo Chave: I Rs 9.4-9 (E se tu andares perante mim como andou Davi, teu pai, com inteireza de coração e com sinceridade, para fazeres segundo tudo o que te mandei, e guardares os meus estatutos e os meus juízos, Então confirmarei o trono de teu reino sobre Israel para sempre; como falei acerca de teu pai Davi, dizendo: Não te faltará sucessor sobre o trono de Israel; Porém, se vós e vossos filhos de qualquer maneira vos apartardes de mim, e não guardardes os meus mandamentos, e os meus estatutos, que vos tenho proposto, mas fordes, e servirdes a outros deuses, e vos prostrardes perante eles, Então destruirei a Israel da terra que lhes dei; e a esta casa, que santifiquei a meu nome, lançarei longe da minha presença; e Israel será por provérbio e motejo, entre todos os povos. E desta casa, que é tão exaltada, todo aquele que por ela passar pasmará, e assobiará, e dirá: Por que fez o SENHOR assim a esta terra e a esta casa? E dirão: Porque deixaram ao SENHOR seu Deus, que tirou da terra do Egito a seus pais, e se apegaram a deuses alheios, e se encurvaram perante eles, e os serviram; por isso trouxe o SENHOR sobre eles todo este mal.)
Tema: A liderança irresponsável destrói nações


I – Caracterização Geral         

Os livros de I e II Reis, que formavam um único livro de acordo com o cânon hebreu, são livros históricos do Antigo Testamento, incluídos entre os profetas anteriores, ou seja, os livros de Josué até II Reis, que se seguem o Pentateuco. Esses livros narram a história de Israel desde a conquista da terra de Canaã (séc. XIII a. C.) até a queda de Jerusalém, em 586 a.C. A história sempre foi importante para os hebreus. Nesses livros há um autêntico material histórico, conforme admitem até mesmo os mais liberais eruditos. Os livros de I e II Reis fornecem-nos a história de Israel desde os últimos dias de Davi e da ascensão de Salomão (cerca de 970 a.C) até o aprisionamento do rei Jeoaquim, em uma prisão na Babilônia, por Amel-Marduque, em cerca de 581 a.C. Muitos estudiosos creem que esses livros, conforme os temos atualmente, incorporam duas edições, a primeira das quais teria sido publicada em cerca de 600 a.C., escrita por um historiador deuteronômico e a segunda que conteria material suplementar, relativo principalmente à nação do norte, Israel, que teria sido produzida cerca de 50 anos mais tarde. (vejamos sobre data, mais abaixo). Esses livros mencionam várias fontes informativas, pelo que o autor sagrado, mesmo que tenha sido contemporâneo de alguns dos eventos históricos, foi, essencialmente, um compilador. Ver abaixo, sobre fontes informativas. Os historiadores respeitam esses livros canônicos como obras mais sérias, embora supondo alguns que ali há um certo colorido, com propósitos pessoais e teológicos. Por serem complementares do livro de Deuteronômio, eles expõem os grandes ideais da doutrina deuteronômica, como a centralização de toda a adoração sacrificial no templo de Jerusalém, ou como a doutrina da retribuição divina segundo os feitos humanos, bons e ou maus. Esses livros recebem seu nome devido a palavra inicial, no texto hebraico, do livro I Reis, wehammelek, isto é, “e o rei” bem como devido ao fato de que essa porção das Escrituras trata principalmente da descrição dos feitos e do caráter dos monarcas de Israel e de Judá.

II – Antigas formas desses livros

Na Bíblia em hebraico, esses dois livros formavam um único volume, ou rolo. A divisão do livro em dois, ocorreu na Septuaginta, por razões práticas. O hebraico, que usa escrito somente com as consoantes, ocupa muito menos espaço do que o grego, que têm vogais como letras separadas. Quando esse livro foi traduzido para o grego, pois, ocupava tanto espaço que não era prático deixá-lo sob a forma de um só rolo ou volume. Por isso, foi dividido em duas porções. A divisão não apareceu na Bíblia hebraica, senão quando Bomberg imprimiu a Bíblia hebraica, em Veneza, em 1.516-1.517. Na Vulgata Latina e na Septuaginta, os livros de I e II Samuel, I e II Reis são tratados como uma história contínua, pelo que ali temos os livros de I, II, III e IV Reis. Embora a divisão entre I e II Reis seja totalmente arbitrária, têm sido preservada nas versões das línguas vernáculas. Essa arbitrária divisão corta bem pelo meio a narrativa sobre o reinado de Acazias. O primeiro capítulo de II Reis termina a narrativa sobre o seu governo. Ainda mais estranho é que a história do profeta Elias, e a unção de Eliseu, aparecem em I Reis; mas o final dramático do ministério de Elias aparece em II Reis.

III – Autoria

A tradição judaica piedosa, segundo é refletida no Talmude (Baba Bathra 14 b), diz que Jeremias foi o autor desses livros. Essa idéia é defendida por alguns estudiosos com base no fato de que parte desse livro (II Rs 25.27-30; atribuída por alguns a um outro autor, que teria começado a escrever em II Rs 23.26), poderia ter sido escrita por Jeremias, para nada dizermos sobre a primeira porção, porquanto a tradição judaica afirma que Nabucodonozor levou esse profeta para Babilônia, depois que aquele monarca conquistou o Egito, em 568 a.C. Na Babilônia, conforme prossegue a história, Jeremias morreu quando já tinha mais de noventa anos de idade. Segundo esse ponto de vista, a compilação em duas porções fica justificada (ver sobre fontes, quarto ponto). E a avançada idade de Jeremias teria sido suficiente para satisfazer a cronologia envolvida. Naturalmente, precisamos depender da tradição, a fim de encontrar apoio para essa posição. E muitos duvidam da precisão desta tradição. Por esse motivo, outros eruditos opinam que tenha havido dois distintos autores-compiladores, defensores das tradições teológicas do livro de Deuteronômio, pelo que foram chamados de autores deuteronômicos. A linguagem usada por Isaias, por Jeremias e pelo autor do livro de Deuteronômio assemelha-se a dos livros de Reis, por conterem um tipo comum de admoestação, de exortação, de reprimenda e de encorajamento, reiterando os mesmos grandes temas da centralização da adoração, no templo de Jerusalém, e da doutrina da retribuição divina, juntamente com uma rígida avaliação espiritual das personagens descritas nesses escritos. Os eventos ali registrados cobrem um período de 400 anos; mas sabemos, com base nas fontes informativas usadas, que tudo foi um trabalho de compilação, em sua maior parte, e que o autor sagrado foi contemporâneo apenas de uma pequena parte dos eventos registrados. Mesmo que Jeremias não tenha sido o autor, é perfeitamente possível que, pelo menos, uma parte dos eventos tenha ocorrido durante a vida do autor sagrado. Provavelmente esse autor foi um profeta, o que se reflete no espírito profético com que esses livros foram escritos. Em cada geração do povo de Israel, parece que os profetas mostraram-se ativos, sempre intervindo na política da nação, e não apenas no culto religioso de Israel. Houve um número muito maior de profetas que escreveram narrativas, do que aqueles cujos livros foram incluídos no cânon hebreu. (vejamos os comentários sobre fontes no quarto ponto).

IV - Fontes

Com base em informes nos próprios livros de Reis, sabemos que a porção maior de I Reis (pelo menos presumível primeiro auto-compilador), dependeu pesadamente de fontes informativas já existentes:
1 – O livro da história de Salomão (I Rs 11.41)
2 – O livro da história dos reis de Israel (I Rs 14.19)
3 – O livro da história dos reis de Judá (I Rs 14.29)
A primeira dessas obras era uma espécie de louvor a grandes homens, com o propósito de salientar a sabedoria, a magnificência e o resplendor do reinado de Salomão. Trata-se de algo similar às memórias dos reis persas. Todos os detalhes foram arranjados de tal modo que fazem os adversários de Salomão parecerem uns anões, em contraste com ele. As outras duas fontes informativas são mais históricas do que biográficas e religiosas, provavelmente representando anais oficiais reais. Os Hebreus sempre mostraram ser muito sensíveis para com a história, e esses anais foram cuidadosamente compilados.
4 – Alguns eruditos propõem que do capítulo sexto ao oitavo de I Reis constituam o reflexo de uma fonte informativa independente, provendo informações sobre a construção do templo de Jerusalém, sua forma de culto e sua dedicação, embora outros duvidem que isso corresponda à realidade dos fatos.
5 – Parece que o autor sagrado também tinha acesso a algum tipo de coleção de livros a respeito de Isaías, narrando o tempo quando ele era amigo e conselheiro de certos reis (II Rs 18.13-20 e capítulo 19).
6 – A história do reino sobrevivente de Judá, mediante a soltura, no exílio, do rei Jeoaquim (II Rs 18-25), que se alicerçaria sobre uma fonte ou fontes informativas distintas, embora não identificadas. Grande parte dessa fonte deve ter sido constituída por narrativas de testemunhas pessoais, compiladas pelo próprio autor sagrado ou por aqueles cujo material escrito foi aproveitado.

Os profetas e seus livros.

As diversas fontes informativas por trás dos livros dos Reis dizem-nos aquilo que também nos é dito em outras fontes, ou seja, que houve uma grande atividade de crônica em Israel, com o envolvimento de vários profetas, de cujos escritos o Antigo Testamento é apenas uma representação parcial.
Sabe-se da existência de vários livros de profetas como:
A – Crônicas registradas por Samuel, o vidente (I Cr 29.29);
B – Crônicas de Gade, o vidente (I Cr 29.29);
C – Livro da história de Natã, o profeta (II Cr 09.29).
D – A profecia de Aias, o silonita (II Cr 09.29);
E – Livro da história de Semaias, o profeta (II Cr 12.15);
F – Livro da história de Ido, o vidente (II Cr 13.22).
G – Os atos de Uzias, escritos por Isaías (II Cr 26.22);

V – Data

Como é óbvio, todo o material tomado por empréstimo foi escrito antes de ter sido usado na compilação que há nos livros dos Reis. Como uma unidade, a data não pode ser anterior a 562 a.C., quando ao que sabemos, Jeoaquim foi liberado de sua prisão, na Babilônia (II Rs 25.27-30). Esse informe histórico fala sobre os favores que lhe foram prestados no fim de sua vida, pelo que o autor sagrado estava escrevendo alguns anos após a soltura de Jeoaquim. É possível que a compilação final tenha ocorrido em cerca de 550 a.C. Entretanto, esse dado pode ter sido adicionado a uma composição escrita anterior. É possível que a porção maior desse livro tenha sido escrita durante o cativeiro babilônico, ou seja, entre 587 e 538 a.C. Alguns estudiosos, porém, acham que devemos pensar em uma data após a morte de Josias (609-600 a.C), pois supõem que o autor sagrado tenha sido o primeiro a usar o material histórico derivado do recém-descoberto livro de Deuteronômio que, ao que se presume, apareceu em 621 a.C. A lei, sem-par, do santuário central, que figura no décimo segundo capítulo de Deuteronômio, supostamente, seria o principio avaliador dos reis, conforme é salientado nos livros dos Reis. Esses eruditos também afirmam que um segundo escritor deutoronomista acrescentou a narrativa sobre a liberação de Jeoaquim que seria a seção de II Reis 25.27-30. Essas teorias, porém, não passam de especulações, não havendo maneira histórica, digna de confiança que nos permitam rejeitá-las.

VI – Proveniência

Já pudemos notar que os livros de Reis estão intimamente relacionados às atividades literárias dos profetas hebreus. Tendo sido esse o caso, é provável que esses livros tenham sido escritos em uma das cidades onde essa atividade aconteceu. Os centros proféticos estavam localizados nas áreas fronteiriças, entre as nações de Israel, ao norte, e Judá, ao sul. Lugares como Betel, Gilgal e Mizpa, eram centros de ensinos, nos dias de Samuel (I Sm 7.16). Essas cidades, além de Jericó, eram centros dessa natureza, nos dias de Elias e Eliseu. As duas capitais, Samaria (de Israel, ao norte) e Jerusalém (de Judá, ao sul), ficavam cerca de 65 km uma da outra, e as cidades das fronteiras eram suficientemente distantes para que um profeta pudesse expressar idéias, mas não tão distantes que não tivesse informações exatas sobre o que estava ocorrendo em ambas as capitais. Portanto, uma das cidades acima mencionadas pode ter sido o local da compilação de nossos livros de Reis. Entretanto, um lugar como a cidade da Babilônia também conta com pontos em seu favor, se os livros de Reis foram escritos durante o cativeiro babilônico.

VII – Motivos e propósitos

O autor da suposta primeira edição dos livros dos Reis era admirador do rei Josias, o modelo perfeito de rei aos moldes deuteronômicos. Ele também se entusiasmava diante da grandeza de Salomão, pelo que lançou mão da fonte que descrevia os resplendores do reinado salomônico. Porém, os livros de Reis não estão interessados em meros registros históricos. Há tentativas para avaliar a espiritualidade dos reis envolvidos e projetar aos leitores o tipo de líderes espirituais que convém ao povo. A espiritualidade sofreu um retrocesso, diante da divisão em duas nações, Israel e Judá. A correta adoração era aquela que se efetuava no templo de Jerusalém. As divisões e as hostilidades entre os homens servem como empecilhos aos propósitos divinos, felizmente transponíveis. Os homens têm que pagar um preço por causa disso, porquanto Deus é um rígido avaliador e juiz das ações humanas. O propósito do autor sagrado é claramente revelado em I Rs 2.3-4, nas instruções finais dadas por Davi a Salomão: “Guarda os preceitos do Senhor teu Deus, para andares nos seus caminhos, para guardares os seus estatutos, e os seus mandamentos, e os seus juízos, e os seus testemunhos, como está escrito na lei de Moisés, para que prosperes em tudo que fizeres, e por onde quer que fores, para que o Senhor confirme a palavra que falou de mim...”. Há um só Deus, como também um único santuário. Todos os homens são responsáveis diante de Deus. A lei da colheita segundo a semeadura haverá de prevalecer. A vida dos homens prova esses fatos. Contudo, a misericórdia divina e o destino da alma têm prosseguimento. A narrativa da soltura de Jeoaquim não deve ser considerada um mero apêndice. Antes, é uma nota de esperança. Deus, embora muito severo em seus juízos, nunca abandonou o seu povo. Ele exilou o seu povo em razão de seus pecados, mas não deixou de restaurá-los. A linha davídica não fora finalmente rejeitada. A história da redenção tinha prosseguimento.

VIII – Cronologia

O estudioso poderá consultar o artigo sobre a Cronologia do antigo Testamento. Ali fica demonstrado que as cronologias antigas não tinham a finalidade de serem exatas, historicamente falando. Haviam outras forças por detrás delas. Em primeiro lugar, há simetria. Anos foram adicionados ou subtraídos, a fim de emprestar simetria às listas cronológicas. Em segundo lugar, interesses pessoais, crenças, etc. podem ter alterado as listas. Um indivíduo ímpio, assim sendo, era eliminado de uma lista por razão de sua iniquidade. Em terceiro lugar, as cronologias, tal como as genealogias, eram apenas representativas, e não absolutas. No que diz respeito aos livros de Reis, o período da monarquia dividida é apresentado juntamente com um cuidadoso sistema de referências cruzadas, entre os reis de Judá e de Israel. Evidentemente está em operação a atividade simetrista, porquanto a soma dos anos de governo dos reis de Israel, em um dado período, não corresponde à soma dos anos de governo dos reis de Judá, durante o mesmo período. O período desde a subida ao trono de Reboão até a morte de Azarias aparece como 95 anos, mas o período correspondente em Israel, de Jeroboão até a morte de Jorão, aparece como 98 anos. Além disso, o total de anos de governo desde Atalias até o sexto ano do reinado de Ezequias é de 165 anos; mas, o mesmo período em Israel, de Jeú até a queda de Samaria, aparece 143 anos e sete meses. Parte dessa discrepância pode ser explicada pela contagem de parte de anos como se fossem anos inteiros. Também há o problema da co-regência, onde pai e filhos compartilhavam do trono por certo número de anos, embora esses anos fossem alistados em separado nos cálculos cronológicos. Ver os casos de Davi e Salomão (I Rs 1.34-35) e de Azarias e Jotão (II Rs 15.5). A isso podemos acrescentar o problema do uso de dois tipos de calendários em Israel, o civil e o religioso que eram diferentes um do outro. Ver calendário onde damos um gráfico sobre o calendário judaico, ilustrando a questão. Seja como for, as listas e as datas dos reis de Israel e de Judá, incluindo as comparações entre essas listas, aparecem no artigo sobre croonologia em seu quinto ponto, períodos bíblicos específicos.

IX – Cânon

Provemos no dicionário um artigo sobre o assunto, no caso do Antigo e do Novo Testamento, onde oferecemos detalhes. A questão é complexa, porquanto, em nosso cânon sagrado, há livros, de ambos os testamentos, que por muito tempo não foram universalmente aceitos. Porém, no que tange aos livros de Reis, que, originalmente, eram apenas um rolo ou um livro o cânon hebraico nunca os omitiu. De acordo com Josefo, o cânon dos judeus ficou completo por volta de 400 a.C., composto de vinte e dois livros, que correspondem exatamente aos trinta e nove livros do Antigo Testamento, de edição protestante, ainda que a ordem desses livros não seja a mesma na Bíblia hebraica e na Bíblia Cristã. Para os hebreus, os livros de Reis fazem parte dos escritos dos profetas. Nos arranjos posteriores, porém os nossos livros de Reis aparecem entre os livros históricos.

X – Conteúdo e Mensagem

1 – Salomão, o rei (I Rs 1.1 – 11.43)
a – Subida ao trono (1.1-53)
b – Recomendações de Davi (2.1-46)
c – Casamento e sabedoria (3.1-28)
d – Sua administração (4.1-34)
e – suas atividades como construtor (5.1 – 8.66)
f – Sua prosperidade e esplendor (9.1 – 10.29)
g – Sua apostasia (11.43)

2 – Reinados comparativos de reis em Israel e em Judá (I Rs 12.1 – II Rs 17.41)
a – Reboão-Josafa (I Rs 12-22)
b – Jeorão-Acaz (II Rs 8–16)
c – Ezequias-Amom (II Rs 18.21)
d – Josias-Zedequias (II Rs 22-25)

3 – Reis de Judá, após a queda de Samaria, até a queda de Jerusalém (II Rs 18.1 – 25.26)
a – Ezequias (18.1)
b – Manasses (21.1-18)
c – Amom (21.19-26)
d – Josias (22.1 – 23.30)
e – Jeoacaz (23.31-35)
f – Joaquim (23.36 – 24.7)
f – Jeoaquim (24.7-17 e 25.27-30)
g – Zedequias (24.18 – 25.26)

Julgamento de Valor e História.

O autor sagrado não temia fazer julgamento de valores. Mostrou-se sempre cônscio das operações de Deus entre os Homens, bem como da responsabilidade dos homens diante de Deus.
Há um só Deus.
Deus é severo e inflexível em relação ao pecado. Para o autor sagrado, devemos ter uma visão teísta de Deus, um Deus que galardoa e castiga. Deus é imanente em sua criação. Pecado é uma questão séria, que resulta em desastre para a alma, conforme a história dos livros de Reis o demonstra. A comunidade dos homens é considerada responsável, e não apenas o indivíduo. Há misericórdia divina e restauração, porquanto Deus está esperando para acolher àqueles que se voltam para Ele de todo o coração, de toda a alma. (I Rs 8.48)
O cativeiro foi revertido por meio do retorno. As realizações religiosas dos reis parecem mais importantes para o autor sagrado, do que seus feitos políticos e militares. Dois desses reis, Onri e Jeroboão II, que obtiveram o maior sucesso econômico e político, merecem breves comentários apenas. Os historiadores seculares, porém, ter-se-iam demorado mais sobre esses dois. Mas o autor dos livros de Reis não se interessou muito por eles. A Acabe e seus filhos foram dedicados várias paginas, não porque foram bons, como reis ou como homens, mas por causa de seus conflitos com Elias e Eliseu. E o autor sagrado anelava por contar essa história com pormenores. Reis como Josafá, Ezequias e Josias recebem descrições entusiasmadas, porquanto lideraram movimentos de reforma religiosa. Teologicamente falando, esses livros complementam a narrativa da história de Israel, sob a orientação divina, conforme vemos nos livros de Êxodo, Josué, Juízes e I e II Samuel. O autor sagrado deve ter sido um profeta-historiador, e o resultado de seus esforços foi uma história de forte cunho religioso.

XI – Subsídios

O estudioso sério que examinar o livro de I Reis preparará o caminho para seu estudo pela leitura da introdução ao livro. Ela aborda questões como caracterização geral, formas antigas, autoria, fontes informativas, data, proveniência, motivos e propósitos, cronologia, cânon, conteúdo da mensagem e um gráfico dos reis. Preparamos uma única introdução para os dois livros, I e II de Reis. Na bíblia hebraica, esses dois livros formavam uma única unidade. A divisão em dois livros começou na versão Septuaginta, e esse modo de manusear o material foi adotado pelas traduções modernas. Mas naquela versão, esses dois livros são III e IV Reis, ao passo que I e II Samuel são I e II Reis.

Título

Os dois livros foram chamados Reis porque registram e interpretam o reinado de todos os reis de Israel e de Judá, excetuando Saul. Os dias finais de Davi também foram registrados, ao passo que a sua história aparece em I e II Samuel. A maior parte dos eventos de seu reinado é apresentada nos capítulos 2.24 de II Samuel e nos capítulos 11-29 de I Crônicas. O título Reis apareceu primeiramente na tradução latina feita por Jerônimo, cerca de seis séculos após a Septuaginta.

Escopo
I e II Rs registram a história de Israel desde o começo do movimento para colocar Salomão no trono, até o fim do reinado de Zedequias, o último rei de Judá. Foi nos dias de Zedequias que ocorreu o cativeiro babilônico (597 a.C.). O Cativeiro assirio que levou cativo o reino do norte para um país estrangeiro, aconteceu em cerca de 1.722 a.C. Um remanescente voltou de Judá para começar tudo de novo, mas o cativeiro assírio pôs fim absoluto ao reino do norte, excetuando aqueles que porventura se tinham mudado para o reino do sul.

Narrativas paralelas

O autor sagrado dos dois livros de Reis apresentou relatos paralelos dos reis de Israel e de Judá, em uma ordem cronológica aproximada. Ele não apresentou todos os reis de Israel, e então todos os reis de Judá. O autor sacro aplicou esse método com considerável habilidade. II Rs continua a história dos reinos até os cativeiros. Inclui a translação de Elias e o ministério de Eliseu. Durante esse período, Amós e Oséias profetizaram em Israel; Obadias, Joel, Isaías, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias e Jeremias, em Judas... Os eventos registrados no livro (de acordo com Ussher) cobrem período de cerca de 308 anos (Scofield Reference Bible, na introdução ao livro) “I Reis registra a morte de Davi, o reinado de Salomão, a edificação do Templo, a morte de Salomão, a divisão do reino de sob Reoboão e Jeroboão, e a história dos dois reinos até o reinado de Jeorão sobre Judá e Acazias sobre Samaria. O livro inclui o poderoso ministério de Elias. Os eventos registrados no livro cobrem 118 anos. (Ussher) (Scofield Reference Bible, introdução)

Citações no Novo Testamento.

Lucas 4.26 (I Rs 17.9)
Atos 7.47 (I Rs 6.1,3); 13.36 (I Rs 2.10)
Romanos 11.3 (I Rs 19.10) 11.4 (I Rs 19.18)
Apocalipse 11.6 (I Rs 17.1) 11.19 (I Rs 8.1,6)

Titulo: II Reis
Autor: Desconhecido
Data: Cerca de 560 – 550 a.C
Tema: Reis de Israel e de Judá
Versículo Chave: II Rs 23.27 (E disse o SENHOR: Também a Judá hei de tirar de diante da minha face, como tirei a Israel, e rejeitarei esta cidade de Jerusalém que escolhi, como também a casa de que disse: Estará ali o meu nome.)


Ao Estudioso 
        
Na introdução de I a II, fornecemos ao estudioso informações sobre tópicos como autoria, formas antigas do livro, fontes de informação, data, proveniência, motivos e propósitos, cronologia, cânon, conteúdo e subsídios. O estudioso sério familiarizar-se-á com esses assuntos antes de começar o estudo desses livros. Na Bíblia hebraica, I e II de Reis formavam um único livro. Criamos para eles uma introdução única, pois, de fato, formam uma unidade que não foi sabiamente dividida. A divisão dos livros de Reis começou na versão da Septuaginta, e esse modo de manusear o material foi adotado pelas traduções modernas. Naquela versão, I e II Samuel são chamados de I e II Rs, e I e II Rs são chamados de III de IV Reis.

Título

Esses dois livros são chamados de Reis porque registram e interpretam os atos e os reinados de todos os reis de Israel (o reino do norte) e de Judá (o reino do sul), exceto o reinado de Saul. Os últimos dias de Davi estão registrados em I Reis, ao passo que a maior parte de sua história aparece em I e II Samuel. O titulo Reis apareceu a primeira vez na tradução latina de Jerônimo, que surgiu na cena pública cerca de seis séculos após a Septuaginta ter sido publicada.

Escopo

I e II Reis registram a história de Israel desde o começo do movimento para levar Salomão ao trono, até o fim do reinado de Zedequias. O último dos reis de Judá. Foi em seu tempo que ocorreu o cativeiro babilônico (cerca de 597 a.C.) O Cativeiro assírio, que levou cativos do reino do norte para um país estrangeiro, aconteceu em cerca de 722 a.C. Um remanescente voltou de Judá para começar tudo de novo, mas o cativeiro assírio pôs fim absoluto ao reino do norte, excetuando aqueles que porventura se tinham mudado para o reino do sul.

Narrativas paralelas

O autor sagrado dos dois livros de Reis apresentou relatos paralelos dos reis de Israel e de Judá, indo para Israel e depois para Judá, em uma ordem cronológica aproximada. Ele não apresentou primeiramente todos os reis de Israel, e então todos os reis de Judá. O autor sacro aplicou esse seu método com considerável habilidade;
“II Reis continua a história dos reinos até os cativeiros. Inclui a translação de Elias e o ministério de Eliseu. Durante esse período, Amós e Oséias profetizaram em Israel; e Obadias, Joel, Isaías, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias e Jeremias, em Judá. Os eventos registrados no livro (de acordo com Ussher) cobrem um período de cerca de 308 anos."  (Scofield Refewrence Bible, na introdução ao livro)
“A queda tanto de Israel quanto de Judá é interpretada em termos do julgamento do Senhor” (Oxford Annoted Bible, introdução)

Título: I Crônicas
Autor: Esdras
Data: 450 – 420 a.C
Versículo Chave: I Crônicas 17.21 (E foram os filhos de Sem: Elão, Assur, Arfaxade, Lude, Arã, Uz, Hul, Geter e Meseque. E Arfaxade gerou a Selá e Selá gerou a Éber. E a Éber nasceram dois filhos: o nome de um foi Pelegue, porquanto nos seus dias se repartiu a terra, e o nome de seu irmão era Joctã. E Joctã gerou a Almoda, a Selefe, a Hazarmavé, e a Jerá, E a Hadorão, a Usal, e a Dicla) Tema: A história de Israel sob o prisma da redenção

I - Declaração Geral         

I e II Crônicas são livros históricos do Antigo Testamento, continuados na terceira e ultima divisão do cânon hebraico, os escritos e os Hagiógrafos. Originalmente, esses livros formavam um único volume. Eles narram desde Adão até Ciro (538 a.C), dando atenção especial a Davi e aos reis subsequentes de Judá. Essas obras têm sinais de ser uma revisão de livros anteriores e canônicos do Antigo Testamento, sobretudo com base em I e II Samuel e I e II Reis, de acordo com os interesses e idéias do autor. O autor exibe interesse especial pelo templo de Jerusalém, com sua adoração e ritos. Também demonstra interesse especial pela doutrina da retribuição divina. A tradição judaica atribui a obra desses dois livros a Esdras; mas muitos eruditos modernos supõem que eles pertençam a um período posterior, isto é, a primeira metade do séc. III a. C., do mesmo autor que escreveu os livros de Esdras e Neemias. Se Esdras viveu na primeira metade do séc. IV, entretanto, não é impossível que ele tivesse sido, realmente, o autor sagrado. Além dos livros canônicos históricos (Gn a II Rs), parece que outras fontes também foram usadas. O valor especial dos livros de Crônicas reside nas explicações e avaliações feitas pelo autor sagrado acerca das idéias e instituições do judaísmo de sua época. Alguns estudiosos supõem que esses livros sejam escritos suplementares no espírito dos escritos sacerdotais, P (S), embora representem um estágio posterior. (ver fontes informativas do Pentateuco).

II - Título

O titulo “Crônicas” foi usado pela primeira vez já nos fins do século IV d.C., em seu equivalente latino, por Jerônimo. A Septuaginta (LXX), versão grega do Antigo Testamento compilada no século II a.C., emprega o nome Paralipomena, que significa “coisa omitida”, a saber, omitidas de outros livros do Antigo Testamento, e que o autor sagrado desejava suprir. O nome hebraico desses livros é Dibre Hayamim, que significa “anais” ou “ história”. Nas bíblias grega e latina e na maioria dos idiomas hebraicos, os livros de crônicas aparecem entre os livros de Reis e Esdras, ou entre os livros de Esdras e Neemias. Porém, na Bíblia hebraica, aparecem no fim dessa coletânea. Originalmente, eles formaram um único volume. A divisão retrocede a LXX, o que não foi adotado na Bíblia hebraica senão já na idade média. Entretanto, não há evidência de que, originalmente, os livros de Crônicas e Esdras-Neemias formavam um único livro.

III – A autoria

A tradição judaica atribui os livros de Crônicas a Esdras, o escriba que é personagem nos livros de Esdras e Neemias (Ed 7.6). A tradição talmúdica (Bab Bahthra 15ª) confirma essa opinião. O trecho de II Macabeus 2.2, 13-15 indica que Neemias reuniu uma extensa biblioteca, a qual provavelmente esteve a disposição de Esdras, para ser usada como fonte informativa. O relato de Esdras-Neemias cobre aproximadamente o primeiro século do estado judeu restaurado, após o retorno do exílio babilônico em 539 a.C., aludindo principalmente, as atividades de Esdras e Neemias, após uma breve narrativa sobre o retorno dos judeus e a reconstrução do templo de Jerusalém. É bem provável que Esdras tenha sido o autor de ambos os livros. Também é possível que ele tenha sentido que um relato atualizado da história de Israel seria útil para conscientizar a sua geração sobre a importância do templo e da tradição judaica em geral. Os livros de Crônicas, segundo parece, resultam desse desejo. O elo entre o final dos livros de Crônica e o começo do livro de Esdras, bem como a similaridade de ponto de vista desses livros, sugere que eles formam uma unidade. E isso, por sua vez, sugere uma autoria única. Adições de natureza histórica, muito tardias para Esdras, podem ser explicadas como obra de escribas posteriores, que atualizaram os livros. Assim, nas genealogias, em I Crônicas 3.19-25, os nomes dos descendentes de Zorobabel, até a sexta geração (na LXX até a décima primeira geração), e a lista dos sumos sacerdotes, em Ne 12.22, continuam até Jadua, que, conforme Josefo explica, viveu na época de Alexandre, o Grande, tendo falecido em 333 a.C., o que ultrapassa a época de Esdras, pelo que deve representar essas adições as quais acabamos de nos referir. Em favor da autoria de Esdras temos igualmente o fato de que nenhum dentre os demais nomes sugeridos adapta-se tão bem aos fatos, como um todo, como o nome de Esdras.

IV – Data

Esdras retornou a Jerusalém em 457 a.C. O templo de Jerusalém foi reconstruído em 520-515 a.C, mas a lassidão geral prevalecia no tocante à observância apropriada das instituições judaicas. Portanto, Esdras anelava por melhorar a situação. Neemias retornou a Palestina em 444 a.C, e novamente, em 432 a,C. como governador do novo estado judaico, provendo a liderança necessária no tocante à reconstrução das muralhas da cidade. Provavelmente, foi durante esse período de ajustamento e reorientação que Esdras escreveu os dois livros de Crônicas. O arqueólogo W.F. Albright defendeu a autoria de Esdras, datando a escrita desses livros entre 400 e 305 a.C. Porém, alguns estudiosos pensam em uma data tão tardia quanto 250 a.C., supondo que escribas posteriores tivessem feito uma compilação, incluindo algum material que obviamente dizia respeito a um período posterior ao de Esdras. No entanto, esse material pode ser justificado como adições feitas por escribas posteriores, com o intuito de atualizar a obra.

V – Autenticidade Histórica

O autor sagrado aventura-se a incluir material ainda não contido nos livros canônicos anteriores do Antigo Testamento. Os críticos tem posto dúvidas a historicidade desse material adicional. Todavia W.F. Albrightr dá-nos a seguinte garantia: “Os livros de Crônicas contêm grande quantidade de material que aborda a história de Judá e não se encontra nos livros dos Reis, sendo que o valor histórico desse material original está sendo confirmado pelas descobertas arqueológicas” (Bulletin Am. School of Oriental Research 100, 1945, pág. 18) É verdade que o autor sagrado usou muitas fontes informativas (ver o ponto sexto, abaixo), mas parece que ele se mostrou cuidadoso na seleção que fez. Acresça-se a isso que é bom lembrar que os hebreus eram muito sensíveis a história, e pelo menos desde 1.000 a.C. em diante os relatos apresentados por ele têm sido achados bastante exatos.

VI – Fontes informativas literárias

O próprio autor sagrado refere-se a vários escritos que contêm novas informações sobre a história de Israel; e, apesar de não afirmar especificamente que se utilizou deles, é isso o que se pode deduzir. Os livros de Crônicas distinguem-se por serem as obras do Antigo Testamento que mais alusões fazem a fontes externas aos livros sagrados. Muitas dessas fontes informativas estão agora perdidas.
As fontes informativas:
1 – Registros oficiais, talvez existentes na biblioteca de Neemias, incluindo outros livros do Antigo Testamento:
a – A história do rei Davi (I Cr 27.4)
b – Os livros canônicos dos reis (II Cr 16.11; 25.26; 27.7; 28.26; 32.27; 35.27; 36.8)
c – O livro da história dos Reis (II Cr 24.27)
d – A prescrição de Davi, rei de Israel, e a de Salomão, seu filho (II Cr 35.4)

2 – Escritos e registros proféticos:
a – Samuel (I Cr 29.29)
b – Natã (I Cr 29.29 e II Cr 9.29)
c – Gade (I Cr 21.9)
d – Ido (II Cr 9.29; 12.15 e 13.22)
e – Aias (II Cr 9.29)
f – Semaias (II Cr 20.34)
g – Jeú, filho de Hanani (II Cr 12.15)
h - Isaías (II Cr 26.22; 32.32)
i – Hozai (II Cr 33.19)

3 – Diversas outras fontes
a - Listas genealógicas e documentos oficiais (II Cr 32.10-15);
b - As cartas de Senaqueribe (II Cr 32.10-15);
c – As palavras de Asafe e Davi (II Cr 29.30);
d – O documento com planos para a construção do templo de Jerusalém (I Cr 28.19).

Essas fontes informativas não são, necessariamente, todas elas, documentos separados. Além dos escritos canônicos do Antigo Testamento, que contêm a essência da mensagem dos profetas, também há um número regular de escritos que lhes são semelhantes, mas nunca fizeram parte do cânon do Antigo Testamento.

VII – Motivos e propósitos

Esdras já vinha atuando ativamente em Jerusalém, como mestre da lei por mais de uma década, antes que Neemias chegasse como governador, em 444 a.C. A obra de Neemias renovou os interesses espirituais do povo judeu, o que pode ter sido aproveitado por Esdras como a ocasião apropriada para reforçar esse avanço, pondo em dia os escritos históricos de Israel. Se o povo judeu adquirisse maior orgulho a respeito de sua história e de suas tradições religiosas, sentir-se-ia mais fortalecido em uma época de renovação. Alianças foram renovadas, festas religiosas foram celebradas. (Ne 8-10) O livro não declara especificamente o seu propósito; mas, com base em seu conteúdo, podemos obter uma boa ideia sobre ele. O autor sagrado não queria meramente repetir a história. Porém, por trás dessa nova narração da história, ele tinha certo propósito teológico e filosófico. Por exemplo: ao descrever o reinado de Davi, ele demonstrou a supremacia militar e os interesses religiosos desse grande rei de Israel. Relatou com abundância de detalhes, as coisas que Davi realizou, como se estivesse dizendo obviamente ao povo: “É chegado o tempo de restaurar as coisas, em consonância com o estilo davídico”. Ele retratou Salomão sob luzes favoráveis, visto que foi Salomão quem construiu o templo de Jerusalém. Sem duvida é significativo que a apostasia de Salomão, tão cuidadosamente delineada no décimo primeiro capítulo I Reis, seja inteiramente omitida nas Crônicas. O autor sagrado queria projetar um exemplo positivo, que pudesse ser seguido; e ele não queria obscurecer esse ponto, narrando os aspectos negativos do relato. O autor sagrado usou do mesmo esquema ao relatar os atos de outros reis. As virtudes deles foram enfatizadas para que pudessem servir de bons exemplos.

VIII - Filosofia e Teologia.

A fim de transmitir a sua mensagem, o autor sagrado teve a inspiração de apresentar pontos de vista e propósitos específicos. Ele tinha uma filosofia a comunicar.
a – A lei da colheita segundo a semeadura. Deus ocupa-se da retribuição, de uma maneira ativa. A história não é algo de meramente acontece. Há uma reconhecida relação entre causas e efeitos, e essas causas e efeitos estão baseadas em condições morais. O vigésimo primeiro capítulo de II Reis que é a base de II Crônicas 33, diz muita coisa má a respeito de Manassés. Porém, nas mãos do autor sagrado dos livros de Crônicas esses atos errados não foram relatados, porquanto isso seria incompatível com o longo e pacifico reinado de Manassés. E o autor também teve o cuidado de narrar o exílio e o arrependimento de Manassés, mostrando como ele retornou a Israel a fim de levar uma vida caracterizada pela piedade. (II Cr 33.11-13)
b – A questão da autoridade. A fim de que a vontade de Deus seja cumprida entre o povo, é mister que haja uma autoridade apropriada, estabelecida entre os homens, com lideres legítimos. Os primeiros 405 versículos dos livros de Crônicas enfatizam esse lema.
c – O davidismo. Davi é o grande herói que o autor sagrado pintou com, cores brilhantes, a fim de que pudesse ser o grande exemplo heroico para o povo judeu seguir. As questões éticas sempre foram importantes. O autor sagrado diz que Davi traçou planos cuidadosos para a construção do templo, algo que não é revelado em outras fontes informativas. No entanto, isso era importante para o propósito do autor sagrado. Ele precisava de exemplos claros sobre o uso apropriado do templo e de seus rituais. Davi e Salomão servem de exemplos sobre a preocupação apropriada a respeito dessas coisas. Precisamos estar interessados em cumprir a vontade de Deus.
d - Uma ênfase exclusiva. Os lances mais antigos do Antigo Testamento, como a história dos patriarcas, o Êxodo, a conquista da Palestina, etc, quase não são mencionados. Isso se harmoniza com o propósito do autor sagrado de salientar o templo de Jerusalém. Por essa razão, a sua narrativa não é proporcional, e, quanto a esse aspecto, deixou de ser historia, para tornar-se muito mais uma crônica. Poderíamos chamar essa narrativa de história selecionada, compilada para servir a um propósito religioso e prático. Alguns eruditos fazem objeção a essa distorção, acusando o autor sagrado de ter reescrito a história. Porém, parece melhor supormos que essa porção do livro não tivesse o propósito especifico de ser história, no seu sentido comum. Há porções dos livros de Crônicas que são mais tratados religiosos, baseados historicamente.

IX – Canonicidade

Desde que se completou o cânon do Antigo Testamento ou Bíblia hebraica, os livros de Crônicas foram adicionados. Esses livros foram incluídos por Josefo dentro dos vinte e dois livros em que se consistia o cânon hebreu. Mas então a arrumação dos livros era outra, e esse número correspondia aos nossos mesmos 39 livros. Segundo se pode depreender de seus escritos, parece que Josefo acreditava que o cânon do Antigo Testamento se havia completado por volta de 400 a.C. Os livros de Crônicas ficavam dentro da classe dos Escritos, a terceira divisão do cânon hebraico. Aparecem em último lugar dentro da coletânea da Bíblia hebraica original; mas isso parece estar de acordo com um arranjo histórico, não servindo de indicação de prioridade canônica.

X – Alguns problemas

a – A questão da data e da autoria é criada pelo problema que cerca o trecho de I Cr 3.19-24, bem como a lista dos sumos sacerdotes, em Neemias 12.22. Ambas as passagens à época de Esdras. Podemos encarar isso como indicação de que os livros foram escritos após Esdras ou então como indicação de que a obra original foi expandida por escribas posteriores. 
b – Alguns críticos não se satisfazem com a implicação dos livros de Crônicas de que Davi fez todos os planos relativos ao templo de Jerusalém e estabeleceu as guildas de cantores. Eles supõem que isso promova uma espécie de davidismo, segundo o qual Davi seria manipulado como uma espécie de herói, a fim de inspirar o povo a interessar-se pelo templo e seu ritual. Porém, o arqueólogo W.F. Albrighjt descobriu evidências em prol da assertiva de que essas guildas musicais não somente remontam aos dias de Davi, mas até mesmo aos tempos dos cananeus, muito antes da época de Davi (The Old Testamentd and Archeology, conforme citado por alteman e Flack, em Old Testament Commentary, pág.63). E há fontes informativas egípcias que se referem a músicos cananeus durante o segundo milênio a.C.; e os fundadores das guildas musicais nos registros do Antigo Testamento tem nomes cananeus.
c – Novos informes históricos. Nos pontos em que os livros de Crônicas vão além da história canônica do Antigo Testamento, têm sido levantadas algumas dúvidas. Sobre tais questões, entretanto, Albright declara que as descobertas arqueológicas têm confirmado coerentemente a historicidade dos livros de Crônicas. 

XI – Conteúdo

1 – Genealogia de Adão a Saul (I Cr 1.1 – 9.44)
a – De Adão a Noé (1.1-4)
b – Dos filhos de Noé a Jacó e Esaú (1.5-54)
c – Os filhos de Jacó (2.1-9.44)
c – 1 – Judá, a linhagem real (2.1 – 4.23)
c – 2 – Outras tribos (4.24 – 8.40)
c – 3 – Levi (6.1-81)
c – 4 – Oficiais do templo (9.1.-34)
c – 5 – Saul (9.35-44)

2 – Davi, o grande exemplo (I Cr 10.1 – 29.30)
a – Morte de Saul ( 10.1-14)
b – A captura de Sião e os guerreiros de Davi (11.1 – 12.40)
c – Davi como rei (13.1 – 21.30)
d – Contribuição de Davi para o templo (22.1 - 29.30)

3 – História de Salomão (II Cr 1.1 – 9.31)
a – Sua sabedoria e prosperidade (1.1-17)
b – Construção do templo (2.1 – 7.22)
c – Sua obra e sua morte (8.1 – 9.31)

4 – Os reis de Judá (10.1 – 36.23)
a – De Reoboão a Zedequias (10.1 – 36.21)
b – O decreto de Ciro, o exílio e o retorno (36.22, 23)

XII - Subsídios

Na introdução provimos ao estudioso informações sobre os tópicos tais como caracterização geral, titulo, autoria, data, autenticidade histórica, fontes literárias, motivos e propósitos dos livros (I e II Crônicas), filosofia e teologia, canonicidade, problemas especiais e conteúdo. O estudioso sério não começará a estudar a unidade literária de I e II Crônicas sem se informar, primeiramente, quanto a esses tópicos gerais. Uma única introdução foi provida para ambos os livros, visto que eles formam uma só unidade literária, e, de fato, na Bíblia hebraica original, formavam um só livro. Ao que tudo indica, foi a versão grega, a Septuaginta que separou pela primeira vez o material em dois livros, visando mais fácil manuseio. Esse arranjo tem sido seguido pelas traduções modernas.
”I e II Crônicas deveriam ser lidos juntos a fim de ser apreciada a unidade e o desenvolvimento progressivo do argumento dos livros” (Eugene H. Merrill, in loc).
Relações para com I e II Samuel e I e II Reis.
Mais da metade de I e II Crônicas apresenta paralelos diretos com os quatro livros mencionados. É provável que esses livros não sejam citados diretamente. Antes, tem fontes informativas comuns, que cada autor compilador utilizou em consonância com os seus propósitos. O principal entre eles foi o livro não-canônico da História dos Reis de Israel e de Judá. Esse livro é citado por 32 vezes em I e II Rs. (Ver a introdução ao capítulo 24 de II Rs quanto ao comentário a respeito.) Vários outros livros informativos foram utilizados para compilar I e II Crônicas , e apresentamos uma discussão detalhada sobre essa questão na introdução a sexta seção, intitulada fontes informativas literárias. (ver também a exposição sobre I Crônicas 29.29, onde várias obras informativas são identificadas pelo autor sagrado.

Uma filosofia da História.

O texto de I e II Crônicas é mais de que uma simples narrativa histórica. O estudioso que suponha estar lendo somente uma história pode achar esses livros embotados e repetitivos. Mas, quando se reconhece que eles representam um esforço de expôr a filosofia da história dos hebreus, combinada com profundas afirmações teológicas, então os livros adquirem vida e, de fato, tornam-se uma produção literária ímpar do cânon hebraico. O autor sacro escreveu depois do cativeiro babilônico e quis demonstrar que a tribo de Judá (que sobreviveu àquele evento) tinha autoridade tanto política quanto espiritual para dar continuação ao povo de Israel. A dinastia davídica provia a continuação política legal, e os ministros levíticos proviam a continuação espiritual. Tanto a dinastia davídica quanto o ministério levítico sobreviveram ao cativeiro.

Cinco princípios normativos da filosofia da História:

1 – Deus controla a existência humana e intervém na história da humanidade. Deus pôs o Homem sob uma obrigação moral. Isso reflete o teísmo.
2 – Deus havia estabelecido formas de adoração que promoviam o yahwismo. Seguir o que era espiritualmente apropriado resultava em uma vida de bençãos, ao passo que negligenciar a espiritualidade apropriada (governada pela legislação mosaica) acarretava a síndrome do pecado-calamidade-julgamento que, ao manifestar-se, era sempre destrutiva.
3 – Deus se manifestava através da revelação. Ele assim se manifestou no passado e continua a fazê-lo no presente. Esse é um importante aspecto do teísmo, em contraste com o deísmo. Deus faz intervenções contínuas entre os seres humanos.
4 – Por toda a parte nos livros de Crônicas, a dinastia davídica é exaltada, porquanto foi com base nessa autoridade, após o cativeiro, que Israel pode continuar como unidade política, a despeito do fato de que a única tribo, Judá, provia a continuação. Além disso, visto que um número suficiente de levitas retornou do cativeiro, havia autoridade espiritual investida na tribo isolada de Judá, de modo que a história de Israel pode continuar através dessa tribo. Assim, revestido de autoridade política e espiritual, Judá pode continuar a história de Israel, a despeito de os dois cativeiros, o assírio e o babilônico, terem reduzido Israel a quase nada.
5 – A lei moral da colheita segundo a semeadura. A obrigação moral operava através da legislação mosaica. Essa lei fazia de Israel um povo distinto (anotado em Dt 4.4-8), e esse povo foi considerado responsável por todos os seus atos. As calamidades, bem como os cativeiros, podiam ser explicadas com base na síndrome da colheita-semeadura. Os sucessos e as bençãos também podiam ser explicados sobre essa mesma base.

Um contraste.

Os livros de I e II Reis apresentam a história dos reinos de Israel e de Judá. Mas a unidade formada por I e II Crônicas limita-se ao reino unido (Saul-Davi-Salomão) e então aos reis de Judá.

Escopo

A unidade de I e II Crônicas cobre o período da morte de Saul (cerca de 1050 a.C) até o cativeiro babilônico (597 a.C). Esses livros oferecem um relato mais completo sobre os reis de Judá do que os livros de I e II Reis, a despeito de muito material repetido. Naturalmente, as genealogias (capítulo 1-9) retrocedem até Adão, mas dificilmente isso pode ser considerado parte do escopo histórico dos livros de Crônicas.

Título: II Crônicas
Autor: Esdras
Data: 450 – 420 a.C
Versículo chave: II Crônicas 7.14 (E se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e buscar a minha face e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus, e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra.)
Tema: Adoração verdadeira, Avivamento e Reforma

Capítulo 01        
 
Introdução

Na introdução a unidade literária, formada por I e II Crônicas, imediatamente antes da exposição a I Crônicas, provemos informações sobre tópicos como caracterização geral, titulo, autoria, data, autenticidade histórica, fontes literárias, motivo e propósitos dos livros, filosofia e teologia, canonicidade, problemas especiais e conteúdo. O estudioso sério não começará o estudo desses livros sem primeiro informar-se sobre esses tópicos em geral. Uma única introdução foi provida para os dois livros. I e II Crônicas eram, de fato, um único livro na Bíblia hebraica. A divisão apareceu primeiramente na Septuaginta, a versão grega desses livros, a fim de facilitar a leitura, porquanto manusear um volume do tamanho de I e II Crônicas não seria uma tarefa fácil. A divisão foi bem feita. Fazia a história de Davi ser a conclusão do primeiro livro, e a história de Salomão ser a introdução ao segundo. Davi trouxe paz e prosperidade mediante a derrota dos oito inimigos (ver as notas a respeito em II Sm 10.19). Assim sendo, Salomão teve paz e capacidade para conduzir Israel a uma prosperidade sem precedentes em sua época áurea. Parte dessa época áurea foi a construção do templo, que visava unificar a adoração em Jerusalém. Imediatamente antes do inicio de nossa exposição em I Crônicas, adicionamos algumas informações além dos materiais da introdução. Essas adições também se aplicam a II Crônicas .
Discutimos ainda a relação entre I e II Samuel, I e II Reis e I e II Crônicas. Mais da metade de I e II Crônicas tem paralelos diretos com esses quatro livros. Além disso, há a questão da filosofia da história, um aspecto importante da unidade que discutimos pouco antes da exposição sobre I Crônicas. Cinco princípios orientadores foram observados nessa Filosofia da História, e eles são analisados nos comentários. Em II Crônicas 18.28 chegamos a marca da metade do antigo Testamento. Ou seja, de Gn 1.1 a II Crônicas 18.28, há 11.574 versiculos, sendo essa metade do total de 23.148 versículos no Antigo Testamento.

História de Salomão (1.1 – 9.31)

Devido aos despojos de guerra que Davi tomou, obteve recursos materiais imensos, grande parte dos quais entregou a Salomão para edificação do templo. (I Cr 29.2-5) Em face das realizações e contribuições de Davi, Salomão estava devidamente posicionado para construir o templo e assim unificar o culto divino em Jerusalém. Salomão, pois, prosperou materialmente muito mais do que Davi, e assim, foi capaz de dar a Israel sua época áurea. Salomão edificou o templo de Jerusalém no estilo dos monarcas orientais. Acumulou riquezas para o templo e deu-lhe um estilo magnificente (II Cr. 22.5). O reinado de Salomão esteve em paz e foi forte; suas riquezas materiais foram imensas. Houve alguns aspectos tenebrosos em Salomão, e seu reinado, que o cronista preferiu ignorar (em sua maior parte) os defeitos e pecados de Davi. O propósito do autor sacro era exaltar a dinastia davídica, um fragmento da qual retornou a Israel, terminado o cativeiro babilônico, que dava a Israel a legitimidade de continuar, a despeito de essa continuação ter ocorrido através da tribo única de Judá. A legitimidade espiritual foi provida pelos poucos levitas que retornaram do cativeiro babilônico. Em consonância com o seu propósito, o autor omitiu os materiais dos capítulos primeiro e segundo de I Reis, onde vemos Salomão assassinar seu meio irmão, Adonias, e eliminar Joabe.

Caracterização geral

O paralelo do primeiro capítulo de II Crônicas é I Reis 3.3-15, cujas notas expositivas também se aplicam aqui. Cerca de metade de I e II Crônicas tem paralelo em I Samuel e I e II Reis. Salomão estabeleceu controle absoluto sobre o reino unido de Israel. Ele dispunha das benções especificas e da ajuda de Yahweh. Para mostrar sua devoção e boas intenções e para buscar ajuda divina, Salomão, juntamente com certos lideres de Israel, fez uma peregrinação ao tabernáculo que estava em Gibeom. Ali chegando, eles ofereceram sacrifícios sobre o grande altar de bronze que havia sido feito por Bezalel, sob orientação de Moisés (Ex 31.11 e 38.1-7). A arca da aliança, entretanto tinha sido transportada para Jerusalém, e estava abrigada no tabernáculo provisório de Davi (anotado em II Sm 6.17). (ver I Cr 16.39,40 e II Cr 1.4) Salomão exprimiu sua devoção e sérias intenções como novo rei de Israel, ao oferecer mil holocaustos no tabernáculo de Gibeom. (II Cr 1.6)

01.01 - Salomão, filho de Davi, fortaleceu-se no seu reino.

Esse fortalecimento verificou-se primeiramente através de Davi, que derrotou os inimigos de Israel. E então ultrapassou qualquer coisa que Davi tinha conseguido fazer. O autor sagrado começou a dizer que a vontade divina está arranjando as coisas de modo que elas contribuíssem para a glória e o poder de Salomão. O cronista exaltou a dinastia davídica através da qual, em seus dias, terminado o cativeiro babilônico, Israel continuou existindo, mediante a única tribo sobrevivente: Judá. O autor sagrado não maculou a descrição da grandeza de Salomão ao dar-nos os fatos desgostosos registrados nos capítulos primeiro e segundo de I Reis. Além disso, ele ignorou a história de todas as esposas que desviaram Salomão para a maldita idolatria e apostasia. Conforme o presente versículo com I Rs 2.46. (I Cr 29.25, um paralelo quase direto com o presente versículo)

01.02 - Falou Salomão a todo Israel.

Salomão convocou os homens poderosos de Israel, os líderes das várias categorias sociais. Conforme I Cr 28.1, onde temos uma lista extensa de lideres. (I Cr 29.22)
Estavam incluídos os cabeças das tribos e os governantes militares e civis. A narrativa do livro de I Reis usa apenas um versículo para referir-se aos sacrifícios, e assim omite qualquer menção aos príncipes que participaram da cerimônia. (I Rs 3.4) Estavam presentes os governantes, os cabeças dos clãs que tinham autoridade sobre as diversas tribos (Nm 7.10; I Rs 8.1); e também estavam presentes os cabeças das famílias paternas, sendo esta, provavelmente, apenas outra denominação para os governantes que tinham acabado de ser mencionados. Os juízes também não foram esquecidos e, naturalmente, o exército estava bem representado.

01.03 - E foi com toda a congregação ao alto.

Os representantes de Israel (escolhidos entre os listados no versículo anterior) foram com Salomão em sua peregrinação a Gibeom, para os ritos e sacrifícios que ali seriam oferecidos. O trecho paralelo de I Rs 3.4 deixa de mencionar os conselheiros de Salomão, que também o acompanharam. O tabernáculo erigido por Moisés ainda existia. Tinha vagueado para um lado e para o outro no deserto, mas finalmente repousara em Gibeom. No tabernáculo estava o grande altar de bronze que era o lugar do sacrifício. A arca da aliança estava no tabernáculo provisório de Davi, em Jerusalém. (II Sm 6.17) As coisas estavam confusas. Israel passava por um processo de transição, e assim continuaria até que Salomão unificasse as coisas no templo de Jerusalém.

Ao alto.

O texto parece dizer que Gibeom era um dos lugares altos, e ali o tabernáculo tinha sido posto. Conforme I Rs 3.4. Não é provável que Salomão tenha ido a um lugar alto separado, distinto do tabernáculo.

01.04 - Mas Davi fizera subir a arca de Deus

O tabernáculo provisório fora preparado por Davi (em Jerusalém) para abrigar a arca da aliança. Quanto as notas expositivas a respeito ver II Samuel 6.17. (I Cr 15.1) Quando o templo estava terminado, a arca foi levada para repousar naquele lugar. Até então, seguiu um curso de vagueações.

01.05 - Também o altar de bronze que fizera Bezall.

Quanto a história que narra como Bezalel preparou o grande altar de bronze. (sob a direção de Moisés) Ali naturalmente, seria o lugar dos sacrifícios que Salomão utilizaria em seus ritos. Salomão preparava-se para tornar-se rei e buscava o favor de Yahweh. A principal preocupação de Salomão era adquirir sabedoria para a tarefa sua frente. Sua busca estava mesclada com o agradecimento por tudo quanto Yahweh fizera por Israel, até aquele ponto, especialmente através de sue pai, Davi.

01.06 - Salomão ofereceu ali sacrifícios perante o Senhor

Salomão subiu ao tabernáculo que tinha sido erguido em um lugar alto, em Gibeom e terminou defronte do altar de bronze, o local dos sacrifícios. O Zelo de Salomão levou-o a oferecer o tremendo número de mil animais. Os sacrifícios, naturalmente, foram realizados por sacerdotes devidamente constituídos. Por seu muito sacrificar, Salomão esperava atrair a atenção e a ajuda de Yahweh. Essas ele recebeu, mas provavelmente não porque tivesse exagerado em seus sacrifícios rituais. (conforme os exageros de Salomão quanto aos muitos animais sacrificados, e as repetitivas orações dos pagãos, que, segundo Jesus declarou, eram ineficazes para os propósitos tencionados. (Mt 6.7)

O sonho – visão de Salomão. (1.7-12)

Esta parte da história é diretamente paralela a I Rs 3.5-13, onde são oferecidas notas detalhadas.
Adicionamos aqui algumas observações:

1 – O trecho paralelo chama esta experiência de sonho, mas o presente relato não se mostra assim tão específico. Alguns sonhos especiais são na realidade como visões. Existem sonhos espirituais que são diferentes de sonhos ordinários. Conforme At. 2.17. O versículo 7 (II Cr) é paralelo a II Rs 3.5, com pequenas variações.
2 – Versículo 8 (II Cr). Este versículo é paralelo a I Rs 3.6, com pequenas variações. O relato do capítulo 3° de I Reis geralmente é mais detalhado do que a versão do presente capítulo. A benção de Elohim sobre Davi foi tão significativa que Salomão pediu que esse tipo de ajuda divina continuasse em seu reinado.
3 – O versículo 9 (II Cr) é um tanto diferente do seu paralelo em I Reis 3.8. Aqui Salomão orou pela continuação da dinastia davídica que tinha caído sobre os seus ombros. Isso estaria em acordo com a promessa feita a Davi, de continuação da dinastia davídica. Conforme I Crônicas 17.23, onde são dadas notas sobre o conceito envolvido. Aqui, o grande número de pessoas é ilustrado com o pó da terra. No paralelo, a simples palavra multidão é usada sem essa metáfora.
4 – O versículo 10 (II Crônicas) é, essencialmente, paralelo de I Reis 3.9. A palavra usada aqui para conhecimento (no hebraico, madda) é uma palavra recente, ocorrendo somente neste versículo, em Dn 1.4,17 e Ec 10.20. Isso poderia indicar para os livros de Crônicas uma origem posterior à dos livros de Reis. Em lugar da palavra governar (usada no trecho paralelo) temos aqui a imagem de pastor, que entra e sai para cuidar de suas ovelhas. (Conforme I Rs 3.7; Nm 27.17 e Dt 31.2).
5 – O versículo 11 (II Cr) é, essencialmente igual ao seu paralelo, I Reis 3.10. As palavras “bens ou honras” foram adicionadas pelos cronistas. Ver em, Ec 6.2, as palavras “riquezas, bens e honras”.
6 – O versículo 12 (II Crônicas) é, essencialmente, igual ao seu paralelo, I Reis 3.12-13;
Além da mente discernidora que Yahweh (Elohim) haveria de conferir a Salomão, ele receberia também “riquezas, bens e honras”, e isso em tal quantidade que Salomão faria sombra a qualquer outro rei de Israel, antes ou depois dele. Salomão, pois, deveria receber mais do que buscara, algo típico da maneira como a graça e a misericórdia divina operam. Salomão pediu o essencial, e obteve todos os benefícios paralelos de ser um rei orientado por Deus. Conforme as palavras de Jesus, em Mateus 6.33 “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e sua justiça, e todas estas cousas vos serão acrescentadas”. Portanto, pedimos e recebemos com maior abundância do que tudo quanto pedimos ou pensamos. (Ef 3.20) O trecho paralelo, no versículo 14, adiciona graficamente a promessa de uma longa vida para Salomão. Ele teria tempo de completar a sua missão.

01.13 - Voltou Salomão para Jerusalém;

Ele saiu do lugar alto onde estava localizado o tabernáculo, e continuou seu reinado sobre o reino unido de Israel. O Texto hebraico diz que ele subiu “para o lugar alto”, após ter oferecido sacrifícios; mas isso foi corrigido para “do lugar alto”, pela Septuaginta e pelas versões latinas, e essa correção é seguida pela maior parte das traduções modernas. A versão portuguesa também diz “da” e não “para o”. O cronista omite a questão de outros sacrifícios feitos por Salomão em Jerusalém, quando ele chegou ali (I Rs 3.15), e ele não registrou o caso do primeiro notável uso de sua sabedoria especial. (I Rs 3.16-28) “Que ele não depreciava o santuário no monte Sião, como lugar de sacrifício, evidenciava-se através de I Crônicas 21.18 - 22.1” (Ellicott, in loc).

01.14-17

O trecho paralelo destes 04 versículos é I Rs 10.26-29, onde são oferecidas notas expositivas detalhadas.
Acrescentamos aqui algumas poucas observações:

1 – Salomão tinha paixão por cavalos e carros de combate. Isso pôs em igualdade com os de outros monarcas orientais. Ordinariamente, o exército de Israel compunha-se de infantaria, e isso por ordem expressa de Yahweh. Desse modo, se Israel obtivesse alguma vitória, então Yahweh, e não as armas superiores ou um superior equipamento de guerra ganharia crédito pelo triunfo.

2 – Os breves comentários do autor sagrado ilustram a força e as riquezas de Salomão. Sua força militar foi possibilitada por suas riquezas materiais grandemente multiplicadas. Embora Davi tivesse promovido paz ao derrotar oito nações inimigas de Israel, era um fato de que elas sempre tinham uma maneira de voltar, para servir, uma vez mais, de praga para Israel. Mas Salomão fez-se tão forte que se tornou imune aos ataques estrangeiros por toda a sua vida.

3 – Dt 17.16-17 proibira a multiplicação de cavalos, principalmente por aquilo declarado no primeiro ponto, acima. Salomão desconsiderou as regras aplicadas a reis secundários. Ele se tornou uma lei para si mesmo. Uma de nossas fontes informativas fala da “fidelidade de Deus, por trás do aumento de riquezas e da força militar de Salomão”, e isso, em princípio, diz a verdade. Mas Salomão exagerou.

4 – Salomão, tendo violado a lei sobre os cavalos, em breve violaria a lei sobre o casamento, desposando muitas mulheres estrangeiras. Isso o desviaria para as veredas da idolatria e do paganismo. Assim sendo, aquilo que um exército não conseguiria fazer contra ele e contra Israel, mediante a invasão e a destruição, Salomão fez contra si mesmo, por meio de maus casamentos. A antiga síndrome do pecado-calamidade-julgamento encontra muitas maneiras de exprimir-se. Salomão obteve carros de combate no Egito, mas também obteve como esposa uma filha de Faraó. Ela seria tão destrutiva para Salomão e para a nação de Israel quanto um exército. (capítulo 11 de I Reis)

Capítulo 02

Construção do Templo 

Davi não teve permissão para construir o templo de Jerusalém. (ver as razões I Crônicas 17.1) Ele, entretanto fez grandes contribuições para o projeto, o que é longamente ilustrado no capítulo 22 de I Crônicas. Davi também recebeu instruções detalhadas sobre como o projeto deveria ser realizado. Ele comprou o local para a construção e reuniu operários e materiais (I Cr 21.18 - 29.19; 28.29). Mas foi deixado a cargo de seu filho Salomão realizar o trabalho de construção. Este segundo capítulo de II Crônicas fornece-nos descrições dos preparativos de Salomão para a tarefa de construção do templo. Os versículos 1-10 deste segundo capítulo parecem ser uma versão reescrita de I Reis 5.1-6, cujas notas expositivas também se aplicam aqui. “Salomão tencionando edificar um templo para Deus e um palácio para si mesmo, apelou para Hirão, rei de Tiro, para fornecer-lhe materiais e operários especializados. (v. 1-10) E recebeu uma resposta favorável (v. 11-16). Para essa tarefa, Salomão numerou todos os estrangeiros que havia em Israel (v. 17 e 18 - John Gill, in loc).

02.01 - Resolveu Salomão edificar a casa ao nome do Senhor.

Davi tinha sido divinamente conduzido em seus preparativos. Foram-lhe dados os planos para o templo, incluindo instruções especificas para a edificação. Supõe-se que Salomão também tenha sido apanhado pela inspiração divina que circundava o projeto. Tudo deveria ser feito “ao nome de Senhor”, pelo também Yahweh deu-lhe instruções especificas sobre o templo divino. Em outras palavras, a construção do templo foi um empreendimento divinamente inspirado. Um palácio real também fazia parte do projeto de construções. Salomão foi um grande monarca oriental, e sua habitação real teria que ser equivalente a sua grandeza. Conforme o caso de Davi, em I Crônicas 14 e 17.1ss. A residência real de Salomão é mencionada novamente no versículo 12 e também em 7.11 e 8.1; mas a construção dessa residência não foi registrada em II Crônicas. Quanto a essa questão vejamos I Reis 7.1-12.

02.02 - Designou Salomão.

Conforme I Reis 5.15-16, os números são parcialmente conflitantes. A maioria dos homens aqui mencionados, os estrangeiros, constituía uma equipe de labor forçado, podemos ter certeza. Isso estava em harmonia com os projetos de construção da época. Um labor barato fazia-se necessário, e os reis não exitavam em escravizar pessoas para obter a conclusão de seus projetos. Demos detalhes na passagem acima mencionada.

02.03 - O tratado de Hirão rei de Tiro

Hirão (cujo nome é grafado como Hurão em algumas versões, mas não em nossa versão portuguesa), era um antigo amigo de Israel. Davi tinha empregado a ajuda dele para construir seu próprio palácio e ajudá-lo a recolher materiais para o templo (I Crônicas 14 e 22). Quanto a detalhes sobre esse rei, I Reis 5.1. A passagem paralela é I Reis 5.2-18, onde há notas expositivas mais abundantes. O trecho paralelo informa-nos que Hirão primeiramente enviou uma carta a Salomão, congratulando-o por sua subida ao trono de Israel. Portanto, houve boa vontade da parte de Hirão, de forma que Salomão tirou vantagem da situação para fomentar o seu projeto. Lembremo-nos de que Israel não tinha conhecimento suficiente sobre ciências (incluindo a metemática) para poder efetuar um grande projeto arquitetural, assim precisava depender de operários habilitados. Como resultado, o templo de Jerusalém foi bastante similar a outros templos fenícios, embora, sem dúvida, mais rico em sua decoração interior.

02.04 - Eis que estou para edificar a casa ao nome do Senhor.

O templo haveria de centralizar a adoração de Israel em Jerusalém. Incorporaria os elementos essenciais do culto divino no tabernáculo, conforme ilustra este versículo. Tem também um Santo Lugar e um Santo dos Santos, e teria idênticos móveis, porém, em maior número. A ideia do tabernáculo seria transferida para o templo. Os santuários dos lugares santos, em Betel e Gibeom, não seriam fechados, embora esse fosse, provavelmente, o ideal. A importância desses santuários, contudo, diminuiria drasticamente, Jeroboão, na época de Reboão, filho de Salomão, fortificou a adoração em Betel, a fim de fortalecer sua própria causa cismática. O autor sacro numerou os processos rituais do tabernáculo, certificando-se de que compreenderíamos que esses mesmos processos seriam incorporados ao culto do templo.

Ao nome do Senhor meu Deus.

A construção do templo seria um projeto divino, com vistas a promover a causa do Yahwismo. Yahweh seria exaltado entre as nações. Haveria dedicação e consagração especial do local (Lv 27.14; I Rs 9.3, 7). Fariam parte do culto os pães da proposição e os holocalustos (Lv 24.5, 8; Nm 28.4), bom como os sábados e as festividades solenes. (I Cr 23.31) A coisa toda repousaria sobre a ordenança do Senhor. (Ex 12.14; 29.9 e I Cr 23.31)

02.05 - A casa que edificarei há de ser grande.

O templo de Jerusalém seria uma grande casa para um grande Deus, a saber, o Deus que esta acima de todos os deuses. Este versículo tenciona ensinar o monoteísmo, embora sua declaração pareça fazer-nos compreender o henoteísmo. O templo não era muito grande, a exemplo de outras grandes estruturas, mas deveria ser ricamente decorado com metais preciosos. Seria o mais rico templo na Palestina, se não o maior. Hirão, o homem politeísta, seria um ajudante e, de fato, o homem que supriria grande parte dos materiais de construção e dos arquitetos e operários especializados. A ele e a todos os outros que veriam o lugar, seria dada uma grande lição: a grandeza de Yahweh. Talvez isso tenha constituído um esforço “evangelístico” da parte de Salomão. No entanto, dentro de pouco tempo, Salomão cairia na idolatria, sobre a influência de suas mulheres pagãs, conforme versículos como Ex 18.11; Dt 10.7; Sl 77.13 e 95.3.

02.06 - Uma casa para Deus?

O conceito de Deus tinha avançado a ponto de Salomão reconhecer que uma casa material não poderia contê-lo. O templo era apenas o escabelo dos pés da presença de Deus. Ninguém pode erigir um edifício comparável a Deus e Sua gloria (Is 66.1-2). Deus é transcendental e, no entanto, condescende conosco quando nos dá vestígios de Sua presença entre nós. “O templo perfeito não é edificado com mãos. Pode-se entrar nele em qualquer lugar, em qualquer tempo, por aqueles que buscam honestamente a Deus. (Jo 4.21-23) (W. A. L; Elmsilie, in loc) Em Cristo, no Novo Testamento, o próprio crente torna-se templo de Deus (I Co 3.16). A igreja, coletivamente considerada, é templo espiritual de Deus (Ef 2.20-22). Quanto à natureza impar e incomparável do Deus de Israel, Is 40.18-26; 46.3-7. Os próprios céus não contém Deus, portanto é claro que um edifício terrestre só pode ser um lugar de manifestação, e não de residência. A mesma ideia está contida em I Reis 8.27 e II Crônicas 6.18, onde oferecemos notas expositivas mais completas.

02.07 - Manda-me, pois, agora um homem.

Vejamos I Crônicas 22.15 quanto a um trecho paralelo. Davi tinha feito preparativos acerca daqueles operários, e Salomão deveria utilizar-se daqueles homens, fazer adições e prosseguir no trabalho. “Pedreiros e carpinteiros não foram solicitados. Aqueles que Davi havia conseguido (I Cr 14.1), provavelmente continuavam em Jerusalém e tinham ensinado a outros as suas artes. Mas eles precisavam de um mestre de obras, uma pessoa habilidosa, como Bezalel. (Ex 25.31) As coisas especificadas nas quais os operários precisavam ser habilidosos relacionavam-se não ao próprio templo, mas aos seus móveis e utensílios: o ferro, que não podia ser obtido no deserto, mas agora, devido ao intercurso com a planície costeira, era abundante e muito usado. Os tecidos que seriam utilizados nas cortinas foram preparados nas cores púrpura, carmesim e azul; havia também obras de entalhes, nas quais muitos judeus eram habilidosos; e havia, finalmente, necessidade de operários capazes de trabalhar na madeira, na manufatura de vários objetos e na tintura, que tinham tornado os tírios famosos. “As obras de entalhe provavelmente referem-se a figuras ornamentais como os querubins, ou, a trabalhos com agulhas, bem como o entalhe, em madeira, de romãs e de outros ornamentos.” (Jamieson, in loc).
Púrpura (Ex 25.4) ...carmesim (que ocorre aqui e no versículo 13 e 3.14) ...azul (ex 25.4).
Portanto, detalhes típicos do tabernáculo foram duplicados no templo. Acreditava-se que Moisés havia recebido instruções divinas quanto a todos os detalhes. Dessa forma, tais detalhes não podiam ser ignorados. Mas Salomão precisava de um mestre de obras que supervisionasse os vários aspectos da decoração. Essa é a questão abordada, especificamente, nesse versículo.

02.08 - Manda-me também madeira.

Salomão também precisava de madeiras nobres, os cedros, os ciprestes e o sândalo do Líbano. Salomão teria que enviar seus próprios homens a Tiro para ajudar a cortá-las e transportá-las até Jerusalém. Salomão possuía muito dinheiro. Era um Homem fabulosamente rico. Grande parte de suas riquezas resultara dos despojos que Davi adquirira de seus oito inimigos, aos quais ele havia derrotado. (II Sm 10.19) Mas ao rei Salomão faltavam homens e materiais de construção. Portanto, ele pagaria por gente habilitada, e Hirão haveria de suprí-los. E cada homem faria o que pudesse, visando a vantagem da obra. Todos os grandes projetos são esforços de cooperação, em que cada um contribui com a sua especialidade;

02.09 - Muita madeira... grande e maravilhosa.

A palavra-chave era abundância. Salomão necessitava de grande quantidade de madeira, porquanto tinha idéias grandiosas. Seu templo seria uma edificação “grande e maravilhosa”, e todos se maravilhariam e dariam glorias a Yahweh, de quem era o templo de Jerusalém. “Salomão precisava de grande quantidade de madeira para esteios, tetos, paredes e assoalhos, visto que a casa que estava prestes a ser construída seria grande e maravilhosa, tanto em sua estrutura como em sua ornamentação” (John Gill, in loc). A septuaginta diz aqui “grande e gloria”. A versão siriaca fala em “um espanto”.

02.10 - Aos teus servos... darei.

A troca de serviços por mercadorias. Salomão daria dinheiro pelos materiais de construção e pelos homens. Ele também supriria alimentos para a corte real de Tiro, como parte do pagamento pelos materiais recebidos e pelos serviços prestados. As medidas envolvidas. O coro valia cerca de 189 litros; o bato era dez vezes menos, ou seja, 18,9 litros (Lc 16.6-7). Presumimos que esses produtos alimentícios tenham sido supridos anualmente, enquanto o templo estivesse sendo construído. As medidas, entre os hebreus, foram variando com a passagem dos anos, e só podemos tentar adivinhar quanto a seus valores relativos. O verbete citado anteriormente fornece detalhes. John Gill, (in loc), fala sobre a escassez de trigo em Tiro, e isso significa que o oferecimento de Salomão parecia atrativo. A resposta de Hirão. Esta seção deve ser comparada com I Reis 5.7-9.

02.11 - Hirão, rei de Tiro, respondeu por uma carta.

Este versículo é essencialmente paralelo a I Reis 5.7. Mas temos aqui uma demonstração do amor de Yahweh por Seu povo, enfatizado como a razão pela qual Salomão ungido seu rei. O Trecho paralelo enfatiza a sabedoria de Salomão, que lhe havia sido conferida por Deus. Conforme também I Reis 10.9 e II Crônicas 9.8. Hirão reconheceu Yahweh, mas talvez apenas como mera cortesia, por causa de Salomão.

02.12 - Bendito seja o Senhor Deus de Israel.

Essa é a típica linguagem da piedade e pode dar a entender que Hirão tomara Yahweh em seu panteão. Ou então, são palavras que o autor sagrado pôs na boca de Hirão, tendo ele idealizado a situação de um ponto de vista espiritual. Conforme a expressão mais simples do trecho paralelo de I Reis 5.7. Arqueólogos encontram uma inscrição bastante similar a este versículo, mas dirigida ao deus Ahuramazda.

02.13-14 - Agora, pois, envio um homem sábio.

O sétimo versículo deste capítulo mostra-nos que Salomão havia solicitado que Hirão enviasse um mestre de obras para encabeçar a obra da feitura de móveis e utensílios do templo de Jerusalém. O rei de Tiro atendeu, pois, ao pedido e enviou Hirão-Abi, um meio-israelita que tinha conexões com a tribo de Dã pelo lado materno. De fato, a mãe dele era danita, portanto Hirão-Abi representava o elemento ideal para encabeçar o trabalho. Tais relações familiares naturalmente davam ao homem um interesse pessoal no trabalho. I Reis 7.14 informa-nos que sua mãe era viúva da tribo de Naftali. Talvez Dã tenha sido a tribo de nascimento dela, porém, ela viveu mais tarde em Naftali, ou vice-versa. O versículo 14 atribui a Hirão-Abi uma larga variedade de habilidades: em metais, em pedras, em madeiras e em tecidos. Em outras palavras, ele podia realizar e dirigir qualquer tarefa que fosse requerida pela construção do templo e de sua decoração interior. Vejamos a plena prestação de contas do trabalho de Hirão-Abi, I Reis 7.13-51, que o cronista não se incomodou em copiar. Hirão-Abir foi realmente um mestre artífice e realizou serviços memoráveis na construção do templo. O livro de I Reis descreve seus feitos e suas obras admiráveis. Ele era capaz de resolver qualquer problema de construção ou decoração, inventando toda forma de objetos artísticos. As palavras nos relembram os trechos de Ex 35.32, que alguns eruditos pensam que o autor sagrado copiou para o presente texto, visto que estava tratando com um trabalho similar ao que fora feito no tabernáculo. Em nossos dias de produção de artigos em massa, o artesão habilidoso quase desapareceu. W.A. Elmslsie, in loc, vê uma lição nessa circunstância: “Na fé religiosa há grande perda quando as crenças que afirmamos sustentar são aceitas em forma de produção em massa. Faz um mundo de diferença se aplicarmos nossa própria individualidade. Então as crenças tornam-se (por assim dizer), “feitas a mão”, o trabalho do nosso próprio espírito”. (Fl 2.12-13)

02.15 - Agora, pois, mande o meu Senhor.

Hirão aceitou alegremente as condições do acordo, pedindo para Salomão enviar imediatamente aqueles cobiçados produtos agrícolas. Ele muito se alegraria em receber suas porções anuais, enquanto o templo estivesse em construção.

Para os seus servos

O rei de Tiro falava sobre si mesmo e sobre sua corte real, que estaria recebendo os produtos alimentares. Humildemente, chamou a si mesmo de servo de Salomão, não porque estivesse sujeito a tributo (conforme alguns estudiosos supõem), mas meramente por demonstração de cortesia oriental e respeito.

02.16 - E nós cortaremos tanta madeira no Líbano.

Hirão era homem de ação, já tendo baixado ordens para cortar as madeiras nobres e mandá-las por via marítima até Jope. Dali, a madeira seria transportada por via terrestre até Jerusalém. Hirão, homem do mar, cuidaria do transporte marítimo; e Salomão, homem da terra, cuidaria do transporte terrestre. Conforme I Reis 5.9. E I Rs 5.8 menciona especificamente as madeiras nobres a serem derrubadas: cedro e cipreste.

02.17 - Salomão levantou o censo de todos os homens estrangeiros.

Salomão mandou fazer um recenseamento imediato dos estrangeiros que residiam em Israel. Muitos dos quais, sem dúvida, eram ex-prisioneiros de guerra. Esses seriam reduzidos à posição de trabalhadores em regime de escravidão (v. 10 deste capítulo). Alguns daqueles escravos também eram povos indígenas que, em vez de serem mortos, passaram a trabalhar como escravos, prática comum nas guerras antigas. (Gn 23.4; Ex 22.21; Lv 17.8) Davi tinha feito um recenseamento anterior dessa gente (I Cr 22.2 e II Sm 20.24) ”...essa população sujeitada estava no risco de ser empregada no labor forçado, sob Davi. Cf também I Reis 4.6; 5.14 e 12.4-18” (Ellicott, in loc). O número deles, nos dias de Salomão, foi de 153.600, que é a soma das cifras de 70.000 + 80.000 + 3.600, conforme se lê no próximo versículo I Reis 5.13 parece indicar que até elementos israelitas foram incluídos no recenseamento, embora isso fosse contrário a legislação mosaica, que proibia a escravização de qualquer hebreu, exceto por motivo de dívida.

02.18 - Designou deles.

Designação de tarefas. Para transportar cargas foram designados 70.000, enquanto 80.000 tinham de talhar pedras nas montanhas. E 3.600 serviriam como supervisores dos outros trabalhadores. O total é dado no versículo 153.600. O que não fica claro neste versículo é quantos homens em Tiro estavam envolvidos. Seriam somente os supervisores enviados de Tiro, enquanto os operários comuns teriam sido enviados por Salomão para fazer o trabalho duro? O versículo 17 parece identificar esse número total com homens de Israel, incluindo os supervisores. Sem duvida, os operários especializados de Tiro eram bem pagos, mas aqueles pobres escravos recebiam somente trabalho e mais trabalho. As coisas pouco mudaram hoje em dia, nos países do terceiro mundo, onde encontramos uma escravidão oficializada, por causa de salários baixos.

Tipologia.

John Gill (in Loc) encontra nesse versículo 18 um tipo e uma lição espiritual. Os operários estrangeiros falam dos “gentios empregados na construção do templo espiritual." (Zc 6.15) Vejamos também Ef 2.20-22. W.A. Elmslie, in loc, vê outra lição para a igreja no presente versículo: “Nosso perigo é errar em duas direções. Inclinamo-nos por pensar que alguma outra gente deveria fazer o trabalho necessário para a igreja ou, então, insistimos demais em que ninguém pode fazer devidamente o trabalho, senão nós mesmos.”

Capítulo 03

A construção do templo é descrita em, II Crônicas 2.1 - 5.1.
Os capítulos 2 e 3 falam sobre os preparativos e o começo do trabalho de construção do templo propriamente dito. Os capítulos 3 e 4 de II Crônicas são iguais, em todos os pontos essenciais, a I Reis 6 e 7. A exposição é oferecida nesses capítulos de I Reis. A seguir acrescentamos algum material.

03.01 - Começou Salomão a edificar a casa do Senhor.

A narrativa da construção do templo no trecho paralelo de I Reis 6 e 7, não nos fornece esse tanto de informação, isto é, que o templo foi construído sobre o monte Moriá. O local ficava imediatamente ao norte da antiga cidade Jebuséia de Ofel, no local marcado pela eira de Araúna (Hebraico, Omã). Davi comprou o local como lugar de sacrifício (ver capítulo 21 de I Crônicas). Foi um lugar santo para Abraão e os patriarcas, como o lugar onde Abraão pretendeu oferecer Isaque. (ver capítulo 22 de Gn) Atualmente, o local é assinalado pela muçulmana mesquita de Omar, mas escavações recentes sugerem que o local do templo ficava ligeiramente mais ao norte que a Mesquita de Omar. Somente no presente versículo é dito que Sião é idêntico ao Monte Moriá. Devemo-nos lembrar de que a grandiosidade do templo não consistia tanto em seu tamanho e estrutura eterna, antes em sua decoração interior, com aquela imensa quantidade de metais e pedras preciosas. Além disso, vastos átrios e edifícios acompanhavam o próprio templo, adicionando maiores dimensões ao projeto todo.

03.02 - Começou a edificar.

Este versículo é paralelo (porém menos detalhado) a I Reis 6.1, onde são dadas notas expositivas completas. O ano que corria era cerca de 966 a. C. Em I Reis nos é dito que isso se passou a 480 anos após o êxodo do Egito, o que, portanto, poderia ser datado em cerca de 1.446 a.C.

03.03 - Foram estas as medidas dos alicerces que Salomão lançou

Este versículo é paralelo a I Reis 6.2, mas aqui o cronista certifica-se de que compreendemos que Salomão fora instruído para a tarefa, e que isso foi feito de acordo com as informações dadas por Yahweh a Davi, e também ao próprio Salomão. Tudo consistia num projeto divino, e não numa invenção humana. (I Cr 28.11-12 e I Rs 6.11) O tabernáculo foi construído dessa maneira, e depois o templo, conforme demonstram as nossas notas expositivas.

03.04  - O pórtico diante da casa media.

O paralelo deste versículo é I Reis 6.3. Com adição do pórtico, o edifício inteiro ficou com 32 metros de comprimento, por 9,15 metros de largura. A altura do templo era de 9.15 metros (I Rs 6.2), mas o pórtico tinha 6,10 metros de altura. Uma cobertura de ouro decorava todo o interior do pórtico. Oferecemos a exposição maior no trecho paralelo, no que diz respeito a todos esses versículos.

03.05 - Também fez forrar de madeira de cipreste a casa grande.

Este versículo fala sobre a “casa grande”, ou seja, o Lugar Santo. (I Cr 28.11 ver Ex 26.33) Todo o interior do Lugar Santo era forrado com madeira de cipreste (ou pinho, conforme alguns eruditos supõem), recoberta com ornamentos de ouro. Os ornamentos consistiam em desenhos gravados de palmeiras e cadeias. Talvez, simbolicamente, a continuação da vida tenha sido ali retratada, pois a figura seria semelhante a árvore da vida. (ver Gn 2.9; 3.20; Ap 2.7 e 22.2, 19) Ver paralelo em I Reis 6.15

03.06-07 - Também adornou a casa de pedras preciosas.

Pedras preciosas foram incrustadas aqui e ali, para obter um efeito decorativo. Os artesãos forraram toda a superfície interior do templo com ouro precioso (v. 07) e então gravaram querubins nas paredes. Aquelas criaturas celestes simbolizavam a tremenda presença de Deus, com glória e majestade acompanhantes. Elas eram chamadas “cobertores”, visto que tinham as asas estendidas e retratavam a carruagem do Senhor em voo. O Senhor (Yahweh) declaradamente habitava entre os querubins (ver Nm 7.38; II Rs 19.5; Sl 80.1 e 99.1). Ver I Reis 6.21-23,29, quanto a mais detalhes sobre os ornamentos.

03.08 - Fez mais o Santo dos Santos.

Ver o trecho paralelo em I Reis 6.5, 10, 20. O versículo 20 é quase idêntico ao presente versículo. I Reis diz-nos que a altura do Santo do Santo era também de 6,10 metros, de maneira que formava um cubo. O trecho paralelo não nos dá o custo (peso) do ouro usado para forrar o interior do santuário, a saber, 600 talentos, isto é, cerca de 23 toneladas. Os críticos vêem nessa maciça quantidade de ouro uma impossibilidade”. (W. A. L. Elmslie, in loc)

Título: Esdras
Autor: Incerto (pela tradição Esdras)
Data: 450 - 420 a.C.
Versículo-Chave: Ed 7.10 (Porque Esdras tinha preparado o seu coração para buscar a lei do SENHOR e para cumprí-la e para ensinar em Israel os seus estatutos e os seus juízos.)
Tema: A restauração espiritual do coração do povo de Deus.


I – Pano de fundo histórico.         

O ataque dos exércitos assírios resultara na queda de Samaria, capital do reino do Norte, em 722 a.C. Disso proveio o cativeiro assírio. A denominação assíria de Judá começou em 721 a.C. quando caiu o reino do norte. Mas Judá nunca se tornou realmente uma província assíria. Todavia, Judá teve que pagar tributo aos monarcas assírios. Com o surgimento da Caldéia, sob Nabucodonozor (605-562 a,C.), a situação de Judá deteriorou-se rapidamente. Em 592 a.C., Nabucodonozor invadiu Judá e levou para o cativeiro o seu rei, Jeoaquim, e os principais líderes da nação. O trecho de II Reis 24.15 mostra-nos que Ezequiel estava entre os cativos. Presumivelmente, uma deportação anterior já ocorrera. Então veio a deportação na qual Ezequiel esteve envolvido. Na Babilônia ele predisse a destruição de Jerusalém e de seu templo, o qual seria seguido por uma terceira deportação. Em 586 a.C. Nabucodonozor, segundo Ezequiel havia predito, deixou Judá em ruínas, abafando a revolta nacionalista que havia ocorrido ali. Isso completou a destruição de Judá, e mais habitantes de Jerusalém foram levados para a Babilônia. Após relatar das história da monarquia e do templo, até o exílio, o autor do livro de Esdras passa por cima do período em que o templo ficou arruinado, quando os principais homens de Judá encontravam-se na Babilônia, e registrou o retorno predito, o que, finalmente, levaria a reconstrução do templo, sob as ordens de Zorobabel (linhagem de Davi) fé de Josué (da linhagem de Arão). Em seguida, o autor sagrado descreveu o estabelecimento da nova comunidade judaica, durante o período de 538-433 a.C. A sorte mudou, e os judeus, no cativeiro, caíram sob o domínio da Pérsia, quando Ciro conquistou a Babilônia, em 539 a. C. O livro de Esdras alista certo número de reis persas. Se considerarmos os livros de Esdras e de Neemias como uma unidade, então acharemos ali os nomes de Ciro (539-530 a.C), que permitiu que alguns cativos judeus retornassem a Palestina; Cambises (530-522 a.C.); Gaumata (pseudo Esmerdis, 522 a.C.), que foi usurpador; Dario I (522-486 a.C.), citado nos capítulos 5° e 6° do livro de Esdras; Xerxes I (486-465 a.C.), referido em Esdras 4.6; Assuero, da rainha Ester; Dario e Xerxes invadiram a Grécia, mas sem sucesso (a história narrada por Heródoto); Artaxerxes I (464-424 a.C.), aludido em Ed 4.7-23 e 7.1; 10.44. O ministério inteiro de Neemias cabe dento desse último período. Mas alguns estudiosos situam Esdras na época de Artaxerxers II, o que transferiria as suas atividades para 50 anos mais tarde.

II – Esdras, o homem e sua história.

Este tópico é manuseado em um artigo separado. Este artigo, além de mostrar ao estudioso o que se sabe acerca de Esdras, também presta informações sobre o passado histórico do livro, suplementando a primeira seção do presente artigo.

III – Relações e características literárias.

O livro de Esdras fazia parte original de uma obra literária mais extensa, que incluía os dois livros de Crônicas e o livro de Neemias. Por isso, os eruditos falam sobre o cronista como o autor ou compilador de todo esse material. (ver sobre autoria) É evidente que a unidade de Esdras-Neemias tem o intuito de dar prosseguimento à narrativa iniciada nos livros de Crônicas. Comparar os versículos finais de II Crônicas com os versículos iniciais do livro de Esdras. Esdras-Neemias foi preparado para suplementar os livros de Crônicas, com base em documentos arâmicos e hebraicos então existentes. Esses documentos continham as memórias de Neemias e as de Esdras. Os livros de Crônicas terminam com a destruição de Jerusalém e a consequente deportação dos judeus para a Babilônia. Esdras dá prosseguimento a esse propósito, narrando como um remanescente retornou, a fim de restabelecer a nação judaica em torno de Jerusalém. O cronista, pois, via aqueles pioneiros como um remanescente piedoso, dotado de uma missão espiritual. E a história tem confirmado essa avaliação. Os intérpretes vêem algumas deslocações cronológicas na unidade Esdras-Neemias, pelo que a leitura continua desses dois livros não fornece a devida seqüência dos acontecimentos. O livro apócrifo de I Esdras com freqüência preserva melhor a ordem histórica dos eventos. Se alguém ler as porções seguintes na ordem aqui apresentada, obterá melhor seqüência cronológica: Ed 1.1 – 2.70; Ne 7.7 – 73ª; Ed 3.1 – 4.6; 4.24–6.22; 4.7-23; Ne 1.1 – 7.5, 11–13; 9.38; 10.39; Ed 7–10; Ne 08.01; 09.37. Certo editor, ao tentar evitar essa confusão cronológica, procurou melhorar a situação mediante varias inserções, como aquela em que colocava o nome de Neemias em Ne 8.9, e o de Esdras em Ne 12.26 e 36. O livro de Esdras é complexo, constituído por uma porção em aramaico (Ed 4.7; 6.18; 7.12-26) e uma porção em hebraico. (7.1; 10.7.27; 10.44) Alguns eruditos supõem que as duas porções antes existissem separadas, mas um editor qualquer as reuniu; ou então a porção hebraica foi unida a porção aramaica, a fim de compor uma única narrativa. O decreto real (Ed 7.12-26) provavelmente consistia em um documento separado, que foi anexado a história. A própria narrativa é complexa, porquanto parte dela consiste em autobiografia (Ed 7.27 – 9.15), ao passo que a outra parte é biográfica (7.1-26; capítulo 10). Além disso, parte do material pertencente a Esdras foi transportado para o livro de Neemias, como porções do capítulo 7°, até o 9°. Nos tempos antigos, vários livros circularam sob o nome de Esdras. Para maior análise seria interessante pesquisar I e II Esdras, apócrifos em matérias. O livro canônico de Esdras faz parte da terceira divisão do cânon hebraico, chamado de Escritos ou Hagiógrafos. No hebraico, aparecia originalmente combinado com Neemias, formando uma unidade. A tradição judaica atribui o livro de Esdras a Esdras. Pelo menos, suas memórias estão incluídas no livro.

IV – autoria e datas

Questões como estilo, abordagem, propósito comum e repetição de usos verbais apontam para um compilador que trabalhou sobre os livros de Crônicas, Esdras e Neemias, como se formassem uma só unidade. Várias fontes informativas podem ser percebidas; portanto, se Esdras foi o autor, então ele atuou quase sempre como mero compilador de materiais já existentes. Precisamos reunir em um único bloco os seguintes materiais:

1 – As memórias de Esdras (Ed 7.27 – 9.15) O emprego da primeira pessoa do singular nessa seção não significa, necessariamente, que Esdras, e somente ele, tenha, tenha escrito a unidade inteira, conforme alguns pensadores tem dito.
2 - As memórias de Neemias (Ne 1.1 – 7.5; 11.27-43; 13.4-30).
3 – Os documentos em aramaico (sendo esse o idioma diplomático da época, Esdras 4.8-24), que evidentemente, pertencem, em ordem cronológica, a um período um pouco anterior ao primeiro capítulo do livro de Neemias. Cfm. Ed 4.21 com Ne 1.3. No aramaico, temos a carta a Dario I e a sua esposa. (Ed 5.1 – 6.18) Além disso, nesse idioma, temos a autorização de Artaxerxes para que os judeus retornassem do cativeiro à sua terra. (Ed 7.12-26).
4 – Em seguida várias listas de nomes foram inseridas com certa variedade de propósitos:
a – Os exilados que retornaram (Ed 2; comparar com Ne 7);
b – Aqueles que se tinham casado com mulheres gentias e tiveram de divorciar-se delas quando da reforma religiosa de Esdras (Ed 10.18-43);
c - Os construtores das muralhas de Jerusalém e os trechos onde eles trabalharam (Ne 3);
d - Os líderes que apuseram seu selo ao pacto estabelecido em torno da restauração de Israel e de seus novos começos (Ne 10.1-27);
e – Alocação do povo, em Jerusalém e vizinhanças (Ne 11);
f – As listas de sacerdotes e levitas, até Jadua (Ne 12.1-26). Talvez esse tenha sido o Jadua que foi sumo sacerdote durante o reinado de Dario II. (338-331 a.C.) Supomos que listas como essas estivessem guardadas nos arquivos do templo. Um autor qualquer dificilmente poderia tê-las arranjado sozinho.
5 - Depois disso, temos a porção narrativa do próprio autor-compilador, procurando reunir todo esse material e unificar as diversas inserções feitas. A tradição judaica piedosa atribui a obra inteira a Esdras, mas a maioria dos eruditos modernos pensa que algum compilador desconhecido se mostrou ativo. O próprio livro é anônimo pelo que não há como negar as conclusões indubitáveis sobre a questão da autoria.

Data

As várias datas atribuídas ao livro dependem da identidade do rei Artaxerxers, referido no livro, isto é, se foi Artaxerxers I ou o II. Isso cria uma diferença de 50 anos, de 458 a.C. para 397 a.C. Alguns estudiosos supõem que a escrita real pudesse ter ocorrido 100 anos ou mais após eventos os descritos. Se o Jadua de Ne 12.11,22 fosse identificado com o sumo sacerdote desse nome, do reinado de Dario III (338-331 a.C), então o livro de Esdras, em sua forma final, poderia datar dessa época. Uma cópia atualizada, entretanto, pode ter sido feita com base nessa adição, e o restante pode ter sido preparado algum tempo antes.

V – Cânon

A canonicidade de Esdras-Neemias nunca foi posta seriamente em dúvida. Esdras, uma espécie de segundo Moisés, foi o fundador da segunda república judaica, por assim dizer, pelo que também tinha enorme prestígio dentro das tradições judaicas. A unidade Esdras-Neemias aparece no terceiro grupo do cânon hebraico, intitulado escritos ou Hagiógrafos. Ilogicamente antecede os livros de Crônicas, naquela coletânea hebraica; mas, provavelmente, isso se deve ao fato de que os livros de Crônicas são paralelos aos livros históricos de Samuel e Reis, pelo que poderiam ser lidos como um suplemento, e não como uma continuação histórica desses escritos.

VI – Alguns problemas

Os informes históricos existentes no livro de Esdras nem sempre concordam com aquilo que se sabe, através da história secular. Além disso, alguns estudiosos vêem certas discrepâncias internas entre as várias fontes informativas incorporadas pelo livro. Consideremos os três pontos seguintes:
1 – Ciro, em Esdras 1, reconheceu o Deus dos judeus, Yahaweh. Mas um monarca pagão faria tal coisa? Qualquer político teria o cuidado de tratar respeitosamente as crenças religiosas de um povo. Os registros contemporâneos que envolvem Ciro ilustram isso, por parte dos decretos reais.
2 - Em Ed 3.8, lemos que Zorobabel lançou os alicerces do templo de Jerusalém, mas em Ed 5.16 isso é atribuído a Sesbazar, referido ali como alguém que já havia falecido. Alguns estudiosos pensam que a construção se processou em dois estágios: um iniciado por Seszabar, e outro por Zorobabel. Ou então, Seszabar foi o líder oficial, ao passo que Zorobabel foi um entusiasta ativo, tanto em 536 a.C., como posteriormente; em 520 a.C.
3 – Com base em Ageu 2.18, aprende-se que os alicerces do templo foram lançados em 520 a.C.; mas Ed 3.10 parece indicar que isso aconteceu em 536 a.C. Alguns supõem que ambos os informes digam a verdade, e que o intervalo de dezesseis anos, entre a primeira e a segunda arrancadas, seja considerado um começo. É possível que isso tenha acontecido, e que mais de uma pedra oficial de fundação tenha sido lançada, cada qual assinalando um esforço específico de reconstrução. Explicações como essas são apenas conjecturas, embora não se revelem questões importantes para a fé, mesmo que sejam encontradas algumas discrepâncias. Os próprios livros sagrados não reivindicam perfeição. Essa é a reivindicação de teólogos, que injetam nas Escrituras idéias que elas mesmas não exprimem. Já vimos que a compilação da unidade Esdras-Neemias foi feita com algum defeito de arranjo cronológico. As deslocações cronológicas também formam um problema nos evangelhos; mas isso não envolve questões de fé, exceto para os harmonizadores que querem obter perfeição a qualquer preço.

VII - Esboço do conteúdo.

O livro de Esdras divide-se em duas partes principais, a saber:

I – Retorno dos exilados sob Zorobabel (1.1 – 6.22)
1 – Retorno dos primeiros cativos (1.1 – 2.70)
a – Ciro favorece os Judeus com seu decreto (1.1-11)
b – A lista dos exilados (2.1-70)
2 – A adoração judaica é restaurada (3.1 – 622)
a – O templo é reconstruído (3.1 – 6.15)
b – A dedicação do templo (6.16-22)

II – Reformas de Esdras – O Reinicio de Israel (71 – 1044)

1 – A segunda leva de exilados (71 – 836)
2 – Divórcio forçado das esposas estrangeiras: a purificação (91 – 1044)

VIII - Subsídios

O estudioso sério, ao examinar o livro de Esdras, preparará o caminho para o seu estudo lendo a Introdução do livro. A introdução aborda as seguintes questões: pano de fundo histórico; Esdras, o homem e sua história; relações e características literárias; autoria e data; cânon; alguns problemas; esboço do conteúdo.

Características Gerais:

Esdras, o primeiro dos livros dos tempos do pós cativeiro (Esdras, Neemias, Ester, Ageu, Zacarias e Malaquias), registra o retorno à Palestina, sob Zorobabel, por decreto de Ciro, de um remanescente judeu que lançou os alicerces do templo em cerca de 536 a.C. Mais tarde ainda (458 a.C.) Esdras também voltou à Terra Prometida e restaurou a lei e o ritual. Mas a grande maioria da nação, bem como a maioria dos príncipes, permaneceu, por preferência pessoal, na Babilônia e na Assíria, onde estavam prosperando. Os livros do pós-cativeiro tratam do débil remanescente que tinha o coração voltado para Deus”. (Scofield reference Bible).

Cronologia:

1 – O retorno do primeiro destacamento de Judeus foi feio sob a liderança de Zorobabel e Josué (Esdras 1 – 6; 536 a.C.). Os livros de Zacarias e Ageu foram escritos durante esse período.
2 – A expedição de Esdras (458 a.C.) setenta e oito anos mais tarde. (Ed 7 – 10)
3 - A comissão de Neemias (444 a.C.) catorze anos após a expedição de Esdras. (Ne 21-5)
A unidade: Esdras e Neemias, na bíblia hebraica, formam um único volume. A separação em dois livros ocorreu primeiro na tradução da septuaginta, e esse arranjo foi seguido por traduções posteriores em outras línguas. A literatura de Esdras: Esdras e Neemias são, vez por outra, intitulados I e II Esdras. Além desses há entre os não canônicos e apócrifos o livro chamado I Esdras, também conhecido como III Esdras; e então há II Esdras, também denominado IV Esdras. O livro II de Esdras, além de receber o nome de IV Esdras, também é citado como Apocalipse de Esdras. Como é claro, Esdras não escreveu nenhum desses livros, mas os materiais históricos, genuínos saídos da pena de Esdras sem dúvida estão contidos no livro original de Esdras-Neemias.

A coletânea canônica

Os livros de I e II Crônicas, Esdras e Neemias podem ter sido escritos por um mesmo autor-compilador, que os eruditos chamam de cronista. As tentativas de fazer de Esdras o autor dos livros de Esdras e Neemias não tem sido bem acolhidas, mas isso não significa que ele não tenha contribuído com materiais que o autor-compilador empregou em seus livros. Note que o trecho de II Crônicas 36.22-23 é essencialmente reproduzido em Esdras 1.1-3. Para a maioria dos eruditos, isso indica um autor comum. Entretanto, questões como estilo, abordagem, propósito comum e repetição de usos verbais apontam para um único compilador, que trabalhou nos livros de Crônicas, Esdras e Neemias, como se formassem uma só unidade literária.

Fontes de material.

Cerca de metade do volume de I e II Crônicas baseou-se em I e II Samuel e em I e II Reis. Quanto ao restante do material, o autor sagrado contou com várias fontes informativas que identificamos com as seguintes referencias: I Reis 14.19 e II Crônicas 9.29; 12;15; 20.34; 26.22 e 32.25.

Uma filosofia da História

A unidade literária formada por I e II Crônicas e Esdras-Neemias foi, em certo sentido, uma história idealista e didática, e não meramente uma história de eventos. O cronista tinha uma filosofia da história toda especial. Ele acreditava que a história é guiada teísticamente: Yahweh estaria por trás de tudo, recompensando os bons e punindo os maus e guiando as nações à seus destinos, sobretudo a nação escolhida: Israel-Judá. Quanto às notas adicionais sobre a questão ver os comentários de introdução a I Crônicas, após a introdução principal, imediatamente antes dos comentários de I Crônicas 1.1. Vejamos os cincos princípios normativos usados na história narrada pelo cronista. Como Israel-Judá foi preservado pelo minúsculo fragmento de Judá que retornou do cativeiro babilônico. Embora minúsculo em números, um fragmento de Judá foi capaz de continuar a história de Israel. O autor sacro começou a chamar esse fragmento de Israel, desprezando o fato de que houvera antes Israel (as tribos do norte) e Judá (as tribos do sul). Em 722 a.C. as dez tribos do norte perderam-se para sempre no cativeiro assírio. Outro tanto poderia ter acontecido ao sul, Judá, por ocasião do cativeiro babilônico (597 a.C e posteriormente). O minúsculo fragmento de Judá que voltou tinha autoridade politica porquanto Zorobabel pertencia à linhagem de Davi, de maneira que a dinastia davídica foi preservada. E a autoridade espiritual foi garantida na minúscula nova Israel no retorno de levitas e sacerdotes (da família de Arão) qualificados. Embora Zorobabel não fosse rei, era o governador oficialmente nomeado pelo governo babilônico, pelo que tinha uma espécie de autoridade real sobre os remanescentes dos judeus que retornaram.

Livros separados?

A bíblia hebraica, bem como Josefo (contra Apion 1.8) e Jerônimo, além do Talmude consideravam os livros de Esdras e Neemias um único volume. As listas similares, embora levemente diferentes, apresentadas no segundo capítulo de Esdras e no 7° de Neemias, poderiam significar que esses livros foram originalmente volumes separados. Mas é difícil entender porque um mesmo autor-compilador teria apresentado ambas as listas. Por outra parte, um autor-compilador pode ter incluído ambos os trechos de fontes informativas separadas, não querendo sacrificar o material, a despeito de isso ter criado possíveis problemas de harmonização.

O Texto.

Quase uma quarta parte do livro de Esdras foi escrita em aramaico, o idioma semita irmão do hebraico. As seções escritas em aramaico constituem 27 dentre duzentos e oitenta versículos. Essas seções são Esdras 4.8 - 6.18 e 7.1,2-26. O material desses versículos foi copiado principalmente da correspondência oficial, em que o aramaico era a linguagem padrão (língua franca) da época. Naturalmente, o povo hebreu acabou adotando esse idioma como sua própria língua, que talvez fosse tão próxima do hebraico quanto o espanhol é parecido com o português.

Escopo histórico

A unidade de Edras-Neemias cobre o período de 538 a.C. até cerca 30 a.C. Quanto ao restante dos materiais introdutórios, o estudioso deveria consultar a introdução geral.

Livro: Neemias

Autor: Neemias
Data: 430 A 420 a.C.
Versículo chave: Ne 2.17 (Então lhes disse: Bem vedes vós a miséria em que estamos, que Jerusalém está assolada, e que as suas portas têm sido queimadas a fogo; vinde, pois, e reedifiquemos o muro de Jerusalém, e não sejamos mais um opróbrio.)

I – Neemias, o autor.        
 
Tudo quanto sabemos acerca de Neemias, cujo nome, em hebraico, significa “Yahweh consola”, pode ser derivado do livro que tem o seu nome, bem como de algumas tradições que circundam a sua carreira. Não é dada a sua genealogia, mas é dito que ele era filho de Hacalias (Ne 1.1) e tinha um irmão de none Hanani (Ne 7.2). Também ficamos sabendo que, durante o cativeiro babilônico, ele ocupava a honrosa incumbência de ser o copeiro do rei Artaxerxes Longimano, em Susã (Ne 2.1). Isso ocorria por volta de 446 a.C. Tendo ouvido falar sobre as deploráveis condições de vida que prevaleciam na Judéia, ele foi à Jerusalém procurar melhorar tais condições. Para tanto, teve que apresentar petição a fim de que fosse dada permissão de ir a Jerusalém para reconstruí-la. Esse pedido lhe foi concedido e do rei ele recebeu o titulo persa de Tirshatha, “Governador”, que era sua carta branca para agir. Neemias foi enviado com uma escolta de cavalaria e munido de cartas, da parte do rei, endereçadas a diversos sátrapas das províncias pelas quais ele teria que passar. Uma dessas missivas era para Asafe, que cuidava das florestas do rei, e que recebeu ordem para suprir a madeira necessária para Neemias, em sua tarefa de reconstrução. Neemias prometeu ao rei que voltaria, terminada a sua tarefa. (Ne 2.1-10) Chegando a Jerusalém, Neemias realizou notável tarefa de restaurar as muralhas de Jerusalém no breve espaço de 52 dias. (Ne 6.15) Naturalmente, Neemias encontrou quem lhe fizesse oposição, aqueles que não queriam que Judá se reerguesse.

Os principais opositores: Sambalaque e Tobias.

Esses dois chegaram a planejar apelar para a violência, se necessário fosse, para impedir a reconstrução, e assim, os que reconstruíam a cidade tiveram de fazê-lo armados, a fim de afastar a ameaça. (Ne 04) Além das reedificações, Neemias tomou medidas que visavam a reforma, tendo introduzido a lei e a boa ordem, e restaurado a adoração a Yahweh, em consonância com as antigas tradições judaicas. (Ne 7 e 8) Mas os seus adversários, ao insinuarem que Neemias queria tornar-se um monarca independente em Judá, conseguiram impedir temporariamente o trabalho de reconstrução e de reformas. (Ed 4.2) Contornada essa dificuldade, o trabalho teve prosseguimento, contando com a cooperação de Esdras, o sacerdote, que havia chegado antes dele em Jerusalém e se tornara importante figura política e religiosa em Jerusalém (Ne 8.1,9,13 e 12.36). Após 12 anos de trabalho profícuo em Jerusalém, Neemias retornou à corte de Artaxerxes (Ne 5.14; 13.6), em cerca de 434 a.C. Não nos é informado por quanto tempo ele permaneceu ali; mas, após algum tempo, ele voltou a Jerusalém. Isso posto, podemos apresentar a seguinte cronologia:
Neemias foi noeado governador em 445 a.C. (Ne 2.1).
Voltou a corte de Artaxerxes em 433 a.C (Ne 5.14).
Então voltou a Jerusalém, “ao cabo de certo tempo” (Ne 13.6).
Seu retorno a Jerusalém foi assinalado por novas reformas, incluindo a questão da rejeição às mulheres estrangeiras com quem os judeus se tinham casado, durante o tempo do cativeiro babilônico. Além disso, o amonita Tobias foi expulso do templo, onde estava residindo, foi restaurada a observância do sábado, e, de modo geral, as coisas foram postas em ordem. (Ne 13) É provável que Neemias tenha permanecido em Jerusalém até cerca de 405 a.C, que teria sido o fim do reinado de Dario Noto. (Ne 12.22) Contudo, não temos nenhuma informação certa sobre o tempo e a maneira da morte de Neemias. O livro de Neemias, de acordo com os estudiosos conservadores, foi escrito pessoalmente por ele, embora muitos suponham que suas tradições tenham sido incorporadas ao livro por algum autor posterior. O trecho de Ne 1.1 afirma que o livro é de autoria de Neemias; mas isso poderia significar que os pontos essenciais de sua história foram ali incorporados. O que é seguro é que a autobiografia de Neemias foi a principal fonte informativa do livro, mesmo que ele não o tenha composto pessoalmente. Alguns dentre os especialistas que pensam que o autor que compilou a obra viveu após o tempo de Neemias, creem que o autor do livro também escreveu I e II Crônicas e Esdras, e viveu ou no século IV ou no século III a.C. Seja como for, a autobiografia de Neemias acha-se principalmente nos seguintes trechos: Ne 1-7; 12.27-43; 13.4-31. E, se essa teoria de outra autoria está com a razão, então outras porções do livro foram compiladas com base em diversas fontes informativas. Na Bíblia Hebraica, os livros de Neemias e Esdras compõem um único volume. E o livro de Esdras também não envolve reivindicação de autoria. É provável que um único autor-editor tenha escrito a unidade inteira, e, na porção que alude a Neemias, aquele autor-editor tenha vinculado esse nome, porque, na realidade, estava ali incorporando a autobiografia de Neemias. No entanto, apesar de Esdras ter sido a personagem principal daquilo que, atualmente, se chama de livro de Esdras, este não deixou a sua autobiografia, pelo que o seu nome não aparece vinculado à unidade. Mas, de fato, Esdras e Neemias compõem um único livro, que foi preparado como suplemento de I e II Crônicas. E assim, a idéia de um autor-editor haver trabalhado com essa coletânea, como um todo, não é destituída de razão. Na Sepetuaginta, os livros de Esdras-Neemias ainda aparecem unidos; mas, nas modernas Bíblias hebraicas, os dois livros são separados, a partir da edição chamada de Bomberg, de 1.525 d.C. Essa edição seguiu o arranjo alemão, no qual os dois livros aparecem separados. Eusébio de Cesaréia tinha conhecimento de apenas um livro, “Esdras-Neemias”, chamado de livro de Esdras, que, sem dúvida incluía a porção que hoje foi separada como o livro de Neemias. No entanto, nos dias de Orígenes, pelo menos em algumas coletâneas dos livros sagrados, esses dois livros apareciam distintos um do outro. A unidade Esdras-Neemias pertence a terceira divisão da Bíblia Hebraica, a divisão chamada de Escritos ou Hagiógrafos.

II – Data e autoria

Se aceitarmos a ideia de que Neemias escreveu pessoalmente o livro inteiro de Neemias, ou, pelo menos, uma porção essencial, então teremos que pensar em uma data posterior a 433 a.C. Mas, se algum autor-editor (cronista) esteve envolvido, então essa data poderia ser esticada até cerca de 100 anos depois disso. Alguns eruditos do hebraico afirmam que o tipo de hebraico envolvido na obra é posterior, pertencendo talvez cem anos após a época de Neemias, período durante o qual houve algumas significativas mudanças de linguagem. Um dos argumentos em favor de uma data posterior é a suposta confusão que teria ocorrido com a incorporação de material do livro de Esdras, na parte da unidade que veio a ser conhecida, mais tarde, como livro de Neemias. A ordem dos eventos parece ter sido perturbada nesse material. Fica pressuposto que uma pessoa que tivesse vivido mais perto dos acontecimentos, que tivesse tido a vantagem de poder consultar testemunhas oculares, não teria feito tais deslocamentos de material. A despeito do problema de autoria (ou de editoração), o livro de Neemias sempre desfrutou do caráter de canonicidade entre os judeus palestinos e alexandrinos. Alguns críticos pensam que, pelo menos quanto a certas porções da narrativa, o editor dependeu de informes fictícios, os quais passaram a ser reputados como autênticos. E quanto ao material canônico, o autor teria dependido de I e II Crônicas. Todas as investigações nesse campo deixam a questão no ar, visto que os argumentos que têm sido apresentados contra ou a favor, não são conclusivos. A grande verdade é que a unidade literária de Esdras-Neemias é praticamente a única fonte informativa autorizada de que dispomos quanto ao período histórico que envolve a restauração de Judá a cidade de Jerusalém. Isto posto, é impossível averiguar exatidão histórica dessa narrativa, exceto por meio da arqueologia, que ainda não apresentou coisa alguma obviamente contraria a ela. E, apesar de talvez ser verdade que certas porções desse material pareçam estar deslocadas do lugar certo, isso não milita contra a exatidão geral do relato bíblico. Sabemos que os hebreus sempre foram historiadores cuidadosos; e, apesar do adjetivo “cuidadoso” não ser idêntico a “perfeito”, isso não envolve nenhuma inexatidão essencial. Outrossim, o período histórico ali coberto reveste-se de importância especial. Aquela foi a ressurreição histórica da nação hebréia, em sua cultura e em sua fé. É difícil acreditar que algum judeu piedoso tivesse manuseado desonestamente essa ressurreição histórica, e outros judeus, da Palestina ou de qualquer outro lugar, tivessem aceito sem protestar as supostas distorções históricas.

III – Pano de fundo histórico

Quanto a isso, seria interessante consultar um dicionário sobre o cativeiro babilônico; bem como a introdução ao livro de Esdras já comentado, e a primeira seção desta introdução, que trata especialmente sobre Neemias.

IV - Propósito do livro

A teologia ensina-nos que Deus está interessado no destino dos indivíduos e das nações. Os cativeiros assírio e babilônico, como é óbvio, tiveram motivações meramente humanas, com base na ganância e na violência dos homens, ou na desumanidade dos homens contra os homens. No entanto, ambos os cativeiros também foram castigos bem merecidos que receberam as nações de Israel (do Norte) e de Judá (do Sul), em face de seus pecados e apostasias, “que formavam multidão”. Os juízos divinos sempre são também remediais e restauradores, e não meramente vindicativos. O propósito de Deus, pois, operou através de nações como a Assíria, a Babilônia e a Pérsia. Mas também operou por meio de restauradores da nação de Israel, como Esdras, Neemias, Zorobabel, Josué, Ageu e Zacarias, além de outros profetas que haviam advertido e instruído as nações de Israel e de Judá em tempos críticos, como Jeremias, Isaias e os profetas menores, como uma classe. Ora, a unidade literária Esdras-Neemias faz parte desse quadro maior, relatando-nos os anos críticos durante os quais Judá teve um novo inicio histórico em Jerusalém, tendo sido assim preservados a identidade e o destino do povo hebreu. As catástrofes posteriores, como as do tempo dos macabeus, da dominação romana e da grande dispersão mundial, foram capazes de anular os propósitos de Deus. As profecias bíblicas falam de significativos eventos futuros que porão Israel à testa das nações da terra. Neemias faz parte espinha dorsal do grandioso propósito divino, que tem prosseguimento apesar dos obstáculos quer ocasionalmente parecem diminuir o ímpeto ou mesmo desviar a direção do seu fluxo.

V – Problemas especiais do livro

1 - Autoria

Essa questão já foi discutida, na segunda seção, acima.

2 – A presença de Esdras no livro. Problemas cronológicos.

Esdras chegou a Jerusalém no sétimo ano do governo de Artaxerxes II (Ed 7.7), e Neemias ali chegou no vigésimo ano do governo do mesmo rei (Ne 2.1), isto é, em cerca de 445 a.C. Portanto, tanto Esdras quanto Neemias estiveram envolvidos nos acontecimentos do período. O problema que envolve Esdras – no livro de Neemias – é o da ordem dos acontecimentos que as inserções daquele material parecem criar. O ponto nevrálgico do argumento dos críticos é que Esdras deve ter chegado a Jerusalém após Neemias, e não antes, ou seja, no vigésimo sétimo ano de Artaxerxes, então no seu sétimo ano, ou seja, 428 a.C., e não 408 a.C. Três passagens bíblicas estão envolvidas nessa questão:

a – Esdras 10.1 – Temos aqui a afirmação de que houve grande ajuntamento em Jerusalém; mas, na época de Ne 7.4, presumivelmente a cidade estava esparsamente habitada. Contra isso, afirma-se que a multidão que se reuniu a Esdras proveio de fora da cidade, de outras partes do território de Judá, pelo que a própria cidade de Jerusalém teria poucos habitantes, ao passo que no território de Judá, em geral, já haveria bastante gente.

b – Esdras 9.9 – Este trecho apresenta-nos Esdras a agradecer pelos muros reconstruídos de Jerusalém. No entanto, esses muros só teriam sido reerguidos mais tarde, nos dias de Neemias. Em resposta a essa critica, alguns aceitam a palavra “muro” de forma metafórica, traduzindo-a por “segurança” e removendo assim a dificuldade. Nossa versão portuguesa encontra um ponto de compromisso, traduzindo por “muro de segurança”. No entanto, a verdade é que Esdras 4.12 mostra que a reconstrução das muralhas de Jerusalém havia começado antes mesmo da chegada de Neemias, pelo que uma interpretação metafórica da palavra “muro” torna-se desnecessária.

c – Esdras 10.6 – Este versículo menciona Joana como contemporânea de Esdras, chamando-o de “filho de Eliasibe”. Mas Eliasibe foi sumo sacerdote nos dias de Neemias (Ne 3.1). Contudo o trecho de Ne 12.10-11 faz de Eliasibe avô de Jonatas, e os papiros de Elefantina mostram que esse neto de Eliasibe foi sumo sacerdote em 408 a.C. Para que Esdras tivesse conhecido esse homem como sumo sacerdote, precisaria ter chegado a Jerusalém em data bem posterior. Em resposta a isso, tem sido mostrado que Joana não foi a mesma pessoa que Jônatas, apesar da semelhança dos nomes, sem contar o fato de que Eliasibe pode ter sido um filho que nunca se tornou sumo sacerdote, embora tivesse tido um neto que chegou a sê-lo, e que nomes comuns podem ter estado em jogo. Um reforço a esse argumento é que esse sumo sacerdote, Jonatas, foi culpado de ter assassinado o próprio irmão, no templo de Jerusalém (ver Josefo, Anti. 11+7.1), sendo improvável que Esdras tivesse querido associar-se a um assassino.

3 – Problemas de casamentos mistos.

Tanto Esdras como Neemias (em diferentes períodos de tempo) tentaram solucionar o problema dos casamentos mistos, forçando os judeus a se divorciarem de suas mulheres estrangeiras, com quem eles se tinham casado durante o cativeiro babilônico? Isso significaria que houve duas reformas, e não uma só. Ou, de fato, a questão só sucedeu uma vez, mas foi mencionada por duas vezes, uma em relação a Esdras e outra em relação a Neemias? (Ed 9+1-2 e 10+2 em comparação com Ne 13-23 ss.) Quanto a esse terceiro problema, não há como solucioná-lo, a menos que se diga que tanto Esdras quanto Neemias tiveram de enfrentar o problema, que não ficou resolvido na tentativa feita por Esdras. Ou, então, temos de confessar que houve deslocamento de material, por parte de um editor. Contudo, mesmo em face dessa última possibilidade, o problema não é de natureza gravemente insuperável, não atingindo a exatidão histórica geral.

4 - Quando a lei foi lida diante do povo?

Esdras tinha a incumbência de ensinar a lei ao povo (Ed 7.4,25,26), o que se requeria que ela fosse lida aos ouvidos do povo. No entanto, o oitavo capítulo do livro de Neemias mostra que essa leitura foi feita treze anos depois da presumível leitura feita por Esdras. É significativo que o livro não-canônico de I Esdras vincule esse relato à leitura da lei, diante do povo, no fim do livro de Esdras, ou seja, tenha feito retroceder o acontecimento a um tempo anterior. Os críticos, pois, acreditam que essa é a verdadeira ordem cronológica do relato, e que o oitavo capítulo do livro de Neemias constitui um deslocamento de material, que se fez a leitura da lei ter locorrido mais de um decênio depois. Apesar disso, alguns eruditos pensam que o livro de Neemias é que está certo. Na verdade, não há como solucionar esse quarto problema, porque todas as soluções propostas são influenciadas por preferências subjetivas. E nem a questão se reveste de maior significação, a não ser para aqueles que dão valor a questões assim, tendo em vista satisfazer seu gosto pela controvérsia.

VI – Esboço e conteúdo

01 – Notícias sobre condições adversas em Jerusalém impelem Neemias a voltar a Jerusalém, para prestar ajuda (1.1-11);
02 – A permissão para tanto lhe é dada pelo rei, isso incluiu o direito de reconstruir a cidade de Jerusalém (2.1-12);
03 – Lista de construtores e de suas áreas de trabalho (3.1-32);
04 – Adversários tentam parar a obra, mediante o ridículo e a violência (4.1-23);
05 – Problemas entre ricos e pobres, que ameaçavam a estabilidade dos restaurados (5.1-19);
06 – Neemias é acusado de querer tornar-se rei, em mais uma tentativa de impedir o trabalho de reconstrução (6.1-14);
07 – As muralhas da cidade são terminadas em 52 dias (6.15 – 7.4);
08 – Registro dos exilados que retornaram (7.5-73)
09 – A lei de Moisés é lida diante do povo (8.1-18);
10 – Arrependimento nacional e estabelecimento de um novo pacto (9.1 – 10.39);
11- Registro dos habitantes de Jerusalém e das circunvizinhanças (11.1-36);
12 – São relacionados os sacerdotes e os levitas, incorporando o tempo desde o retorno da Babilônia a Jerusalém até o fim do império persa (12.1-26)
13 – Dedicação das muralhas de Jerusalém e regras acerca da adoração pública (12.27 – 13.3);
14 – Outras reformas, incluindo a questão dos casamentos mistos (13.4-31).

VII – Subsídios

O estudioso sério, ao examinar o livro de Neemias, preparará o caminho para seus estudos lendo a introdução ao livro. Esta introdução trata das seguintes questões: Neemias, o autor; data e autoria; pano de fundo histórico. Propósito do livro; problemas especiais do livro. Esboço do conteúdo. Na Bíblia hebraica, Esdras-Neemias formavam um único livro, de modo que a introdução a Esdras e notas expositivas adicionais, dadas imediatamente antes da exposição em Esdras 1.1, também se aplicam ao livro de Neemias. A separação da unidade literária em dois livros ocorreu pela primeira vez, na versão grega do Antigo Testamento, a Septuaginta, e esse arranjo foi seguido por traduções posteriores para outros idiomas. Provavelmente I e II Crônicas, Esdras, e Neemias, foram compilados pelo mesmo autor-compilador, a quem os eruditos chamam de “cronistas”. As tentativas de fazer de Esdras o autor do livro de Esdras, e de Neemias o autor do livro de Neemias, não tem sido bem aceitas pelos estudiosos modernos. Pelo menos temos as memórias de Esdras (Ed 7.27 – 9.15) e as de Neemias (Ne 1.1 – 7.5; 11.27-43; 13.4-30), e essas seções provavelmente representam narrativas de testemunhas oculares que o cronista incorporou em sua compilação-composição. Ne 1.1, que fala sobre “as palavras de Neemias”, não apresenta Neemias como o autor do livro inteiro, mas somente a fonte informativa das partes incorporadas pelo cronista. Fazer de Neemias o autor do conjunto todo equivale a torná-lo autor da coletânea inteira: I e II Crônicas, Esdras, Neemias, pois é perfeitamente evidente que o mesmo autor-compilador foi o responsável pelo grupo inteiro dos livros. A coletânea é uma unidade distinta no Antigo Testamento, porque não é mera história. É antes, uma espécie de filosofia da história sobre o qual comentamos nos parágrafos quarto a sétimo das notas introdutórias a I Crônicas, imediatamente antes da exposição em I Crônicas 1.1. O cronista fez-nos que essa história é teisticamente controlada. Deus guia as atividades humanas; intervém na história da humanidade; recompensa os bons e pune os maus. O homem é moralmente responsável diante do Poder Supremo. Perturbações cronológicas. Os materiais de Esdras e Neemias se interpõem, e a ordem dos eventos, de acordo com o cronista, nem sempre representa a verdadeira cronologia histórica. Quanto a uma tentativa de por os materiais na ordem cronológica histórica, ver as anotações introdutórias a Esdras, imediatamente antes da exposição a Ed 1.1, o quinto parágrafo a contar do fim. ”Catorze anos após o retorno de Esdras a Jerusalém, Neemias liderou um grupo de judeus que retornou a Judá (444 a.C) e restaurou as muralhas de Jerusalém e a autoridade civil. Este livro é o registro desses acontecimentos. O estado moral da época é desvendado pelo profeta Malaquias. Este livro fornece muitas instâncias de fé individual, agindo sobre a palavra escrita: como exemplos, ver Ne 1.8-9 e 13.1. Esse é o principio que domina o capítulo 2 da segunda epístola a Timoteo. “Os eventos do livro, de acordo com Usher, cobrem um período de onze anos” (Scofield Reference Bible, introdução ao livro de Neemias). “Em 444 a.C, catorze anos depois do retorno de Esdras a Jerusalém, Neemias também retornou, e Deus o usou para guiar Judá na reconstrução das muralhas na cidade de Jerusalém e no registro da vida social e econômica do povo. O que ele realizou em um breve período de tempo foi um feito incrível.
“Como ele conseguiu esse alvo, é um dos grandes ênfases do livro que traz o seu nome”. (Gene A. Getz, introdução do livro)
Neemias havia sido levado a uma posição de responsabilidade em seu meio ambiente pagão. Ele era o copeiro pessoal do rei Artaxerxes (Ne 1.11; cf Ne 2.1). Essa posição na Babilônia deu-lhe a oportunidade de exercer influência sobre o rei e de favorecer o seu povo de maneira eficaz. A posição dele na Babilônia revelou suas qualidades intelectuais e pessoais. Mas ele também tinha uma boa posição espiritual, e foi isso que o inspirou a fazer o que fez.

Livro: Ester
Autor: desconhecido
Data: 460 - 400 a.C
Tema: O cuidado Providencial de Deus com seu povo.
Versículo-chave: Et 4.13-14 (Então Mardoqueu mandou que respondessem a Ester: Não imagines no teu íntimo que por estares na casa do rei, escaparás só tu entre todos os judeus. Porque, se de todo te calares neste tempo, socorro e livramento de outra parte sairá para os judeus, mas tu e a casa de teu pai perecereis; e quem sabe se para tal tempo como este chegaste a este reino?)

Introdução         

O livro de Ester conta-nos a história de Ester, jovem judia que substituiu Vasti, como rainha do rei persa, Assuero. Esse livro propõe-se a fornecer-nos as circunstâncias históricas do estabelecimento da festa judaica do Purim. Trata-se da história de uma heroína judia, por conseguinte. Embora não contenha o nome de Deus, e nem seja citado uma vez sequer no Novo Testamento, tem desfrutado de grande popularidade entre os judeus. Hino de louvor aos heróis da fé, em Eclesiástico 44.49, não menciona Ester. Nos fins do século I d.C., os rabinos judeus continuavam disputando sobre a canonicidade do livro. Lutero emitiu o desejo de que o mesmo nunca tivesse sido escrito. Também não figurava entre os rolos dos Manuscritos do Mar Morto. Esses fatos dão ao livro uma posição curiosa, dentro do cânon sagrado. Mas, a corrente principal do judaísmo sempre lhe deu um grande valor.

I – A heroína e certas dificuldades históricas

O nome hebraico dessa mulher era Hadassah, que significa “murta”, o nome de uma planta. Ester era o nome (provavelmente persa) que foi dado, quando ela tornou-se parte do harém real. É possível que este último nome esteja ligado a Istar, nome de uma das principais deusas babilônicas. Há um targun que revela que ela foi assim chamada em honra à estrela Vênus, no grego Áster, vinculada a palavra portuguesa estrela. Alguns estudiosos supõem que essa troca de nomes tenha seguido uma imitação da palavra hebraica, não tendo havido troca genuína de um apelativo por outro. Ester pertencia a tribo de Benjamim. Seu nome tem sido imortalizado no livro que foi escrito para decantar seus atos heroicos. Ela tinha um primo chamado Mardoqueu, que a adotou quando da morte de seus pais (Et 2.5-7), tendo-a criado na Pérsia. Ali também foi o instrumento na salvação dos judeus, quando as autoridades do império persa queriam destruí-los. Isso foi possível somente porque Ester tornou-se a rainha do rei persa, em lugar de Vasti. Desse modo, Ester ficou em uma posição em que pôde interceder em favor de seus compatriotas judeus. Muitos eruditos liberais não crêem na historicidade do livro de Ester. Preferem pensar que se trata de um romance histórico, porquanto, contém vários erros históricos evidentes. O principal desses erros é que não é possível identificar com certeza qualquer rei da Pérsia chamado Assuero. Assuero tem sido identificado por outros como Xerxes. (485-465 a.C.) Mas Mardoqueu, primo de Ester, teria sido levado para o exílio por Nabucodonosor, mais de um século antes da subida de Xerxes ao trono da Pérsia. Assuero também tem sido identificado como Artaxerxes II (404-358 a.C.), mas há várias dificuldades cronológicas que acompanham essa identificação. Ester, por sua vez, tem sido identificada com Amestris, de Xerxes, mas sabemos que o pai de Amestris era um general persa, o que significa que Amestris não era uma donzela judia. O problema da avançadíssima idade de Mardoqueu só poderia ser explicado se pensássemos que, em Et 2.5-6 há menção a Quis, o bisavô de Mardoqueu, e não a este último. Menos grave é a questão do nome Ester, que não figura nos registros históricos. Isso deve-se à circunstância de que os monarcas antigos tinham muitas esposas e concubinas, cujo nomes apenas em um caso ou outro são mencionados. Contudo, alguns estudiosos pensam que o livro é uma peça pseudo-histórica, usada para simbolizar o conflito entre os deuses babilônicos e elamitas. Neste caso, Ester é Istar, e Mardoqueu é Marduque. A similaridade de sons, entre esses nomes, é impressionante, mas poucos estudiosos pensam que essa teoria possa ser defendida com êxito. Outras objeções giram em torno de coisas subjetivas, como a indagação se Hamã teria coragem de tentar um genocídio. Ele anunciaria a data do massacre com tanta antecedência? Uma jovem judia teria o poder de exercer qualquer influência sobre um poderoso monarca persa? Alguém construiria uma forca com vinte e cinco metros de altura? Isso equivaleria a um moderno prédio de oito andares. Porém, visto que a vida real por muitas vezes é mais estranha que a ficção, essas objeções não tem peso. Também não precisamos supor que todos os detalhes da história sejam exatos, mesmo que o livro de Ester seja essencialmente histórico.

Outras dificuldades históricas dignas de serem mencionadas:

1 – O trecho de Ester 1.1 menciona cento e vinte e sete províncias persas. Mas Heródoto (3.89) alude somente a vinte satrapias. As inscrições de Dario variam entre 21 e 29 satrapias. A resposta dada a essa objeção é que as satrapias maiores eram divididas em unidades menores, e que o livro de Ester refere-se a essas divisões todas. Todavia, não há como provar se o argumento está certo.
2 – Heródoto (3.84) diz-nos que os reis da Pérsia eram obrigados a escolher sua rainha dentre as sete principais famílias da nação. Essa objeção é respondida dizendo-se que essa regra não era necessariamente permanente e absoluta, e que em um sistema onde havia pluralidade de esposas, tal regra facilmente podia ser desobedecida. Provavelmente, seria aplicável somente às esposas principais, que servissem de rainhas. Mas na verdade, Ester aparece como rainha. A rainha de Xerxes, conforme se sabe, foi Amestris, que era uma princesa persa. Portanto, deve-se supor que outra rainha tenha entrado em cena. Esse problema, nem por isso, fica resolvido, porque Vasti também não era Amestris. Ou seria?
3 – Se a festa de Purim foi instituída por Mardoqueu, por que isso não é mencionado senão quando ocorre como o dia de Mardoqueu, em II Macabeus 15.36? A resposta a essa objeção é que a festa de Purim só se tornou proeminente na época em que o livro de II Macabeus foi escrito, pelo que não teria sido mencionada, juntamente com as outras festas nacionais dos judeus. O próprio livro de Esdras não menciona todas as festividades judaicas, incluindo algumas mais antigas que as festa do Purim. A lista de heróis, em Eclesiástico, não menciona nem Ester e nem Mardoqueu. Pelo que, pegunta-se: teriam sido eles figuras históricas? Essa objeção é respondida supondo-se que aquela lista seja incompleta. Pois o autor da lista também omitiu Esdras – que, sem dúvida alguma, foi uma personagem histórica.

II – Conteúdo
1 – A história da rainha Vasti (1.1-22)
2 – Ester, substituta de Vasti (2.1-23)
3 – Hamã conspira para aniquilar os judeus (3.1-15)
4 – Intervenção corajosa de Ester (4.1 e 7.10)
5 – Os judeus vingam-se (8.1 e 9.19)
6 – Instituição da festa de Purim (9.20-32)
7 – Mardoqueu em Posição de autoridade (10.1-3)

III – Propósito geral

Embora o nome de Deus não seja mencionado, o livro, evidentemente, tem o intuito de demonstrar como a providência de Deus opera entre os homens, podendo reverter qualquer situação difícil. Outrossim, a narrativa tem a finalidade de explicar como veio a ser instituída a festa de Purim. Essa festa judaica é mencionada pela primeira vez em II Macabeus 15.36. Ao preservar o seu povo, muitos dos quais se mostravam laços em sua conduta, Deus demonstra o poder do seu pacto com eles. Purim é a palavra que vem do assírio, Puru, que indica um pedregulho apropriado para ser lançado como se fosse um dado, em sortilégios. (Et 3.7; 9.24,26) Esse Puru, pois, representa o lestino. Hamã lançou sortes para ver qual seria o melhor dia para tentar destruir totalmente os judeus. Mas Deus reverteu esse destino. Se, por ventura, o livro só foi escrito na época dos Macabeus, então o seu propósito foi o de encorajar a fidelidade a Deus, em consideração a fidelidade histórica do Senhor.

IV – Autoria e data

O livro é anônimo, mas a tradição judaica tem procurado fazer algumas indicações. Alguns supõem que o próprio Mardoqueu tenha sido o seu autor ou, pelo menos, tenha sido uma das principais fontes informativas. Admite-se que a história contém um autêntico colorido da vida e dos costumes persas, o que significa que o autor tinha conhecimento desses costumes em primeira mão, ou então, que teve acesso aos registros apropriados. Agostinho atribuía o livro de Ester a Esdras; mas os eventos ali registrados ocorreram depois do seu tempo. O pseudo-Filo e o rabino Azarias afirmaram que o livro foi escrito por Jioiaquim, filho do sumo sacerdote Josué, no décimo segundo ano do reinado de Artaxerxes, a pedido de Mardoqueu. Mas, tudo isso não passa de conjectura.

Data

A mais antiga referencia pós-bíblica a festa de Purim fica em II Macabeus 15.36, com data de depois de 161 a.C. Refere-se ao dia de Mardoqueu, o que quer dizer que o livro deve ter sido escrito antes desse tempo. É comumente datado no séc. II a.C. Se foi uma história genuína, e se foi escrito perto, quanto ao tempo, dos acontecimentos ali descritos, então foi escrito em cera de 500 a.C. Muitos estudiosos supõem que o livro reflita os conflitos dos Macabeus e que foi escrito como uma espécie de novela romântica, a fim de encorajar os leitores a fidelidade a Deus, mediante a confiança em sua providência. Isso o colocaria dentro do séc. II a.C. Se foi escrito durante o governo de Artaxerxes Longânimo, então deve ter sido escrito por volta de 450 a.C.

V – Posição no Cânon

A canonicidade do livro de Ester foi longamente disputada entre os judeus. Essa disputa prosseguiu até o fim do século I d.C. Seja como for, aparece na terceira divisão das Escrituras Hebraicas, entre os livros de Rute, Cantares, Eclesiastes e Lamentações, como um dos rolos. Os rabinos, em Jamia (cerca de 100 d.C.) deram atenção especial a questão de sua canonicidade. Contra a sua canonicidade eles argumentavam que o livro instituía, como obrigatória, uma nova festa religiosa, que ultrapassava a lei de Moisés, que, presumivelmente, havia instituído todas as festas obrigatórias. Mas essa objeção foi afastada mediante a invenção de que o livro fora revelado a Moisés no Monte Sinai, embora só tivesse sido escrito na época de Mardoqueu. (Talmude de Jerusalém, Megillah, 70d) Isso serve de triste demonstração de como a mente religiosa pode chegar a qualquer conclusão, a priori, que uma pessoa ou um grupo de pessoas queiram fazê-lo. Sua suposta natureza não-religiosa (por não mencionar nem uma vez o nome de Deus), sem dúvida alguma, fora a grande razão que levou Lutero e outros a rejeitarem tão violentamente o livro. O livro de Ester tem desfrutado de grande popularidade entre os judeus, o que é muito compreensível. Ele é lido anualmente, por ocasião da festa do Purim. O livro notabiliza-se por seu ardoroso nacionalismo, de mistura com a atitude de repúdio aos pagãos e ao paganismo. Não precisaria mais nada para ganrantir a sua preservação.

VI – Subsídios

O estudioso sério, ao examinar o livro de Ester, preparará o caminho para o estudo lendo a introdução ao livro. Essa introdução aborda os seguintes assuntos: a heroína e certas dificuldades históricas; conteúdo; propósito geral; autoria e data; posição no cânon. A estes assuntos gerais, adicionamos alguns poucos comentários que se seguem:

Característica geral

A significação do livro de Ester é que ele testifica a respeito da vigilância secreta de Yahweh sobre o povo disperso de Israel. O nome de Deus não ocorre neste livro nem uma vez sequer, mas em nenhum outro livro da Bíblia a Sua providência é mais conspícua. Terminado o cativeiro babilônico, um mero remanescente retornou a Jerusalém e a Judá. A grande massa da nação de Judá preferiu a vida fácil e lucrativa sob o governo persa. Mas Deus não se esqueceu deles. Os eventos historiados no livro de Ester cobrem um período de doze anos. (Ushér) (Scofield Reference Bible) Assim como o livro de Jó especializou-se em tentar informar acerca do Problema do Mal, por que os homens sofrem e por que sofrem como sofrem. O livro de Ester especializou-se em contar sobre a providência de Deus. “O livro de Ester foi escrito a fim de encorajar o remanescente dos exilados judeus, lembrando-os da fidelidade de Deus, que cumpriria Suas promessas, feitas à nação. O autor sacro estava descrevendo infalível preservação, por parte de Deus, a Seu povo (mesmo os desobedientes, que não quiseram retornar a Jerusalém, como Ester e Mardoqueu). O autor sagrado também explica como começou a festa do Purim. Essa festa, cada vez que fosse celebrada, encorajaria o remanescente.” (John A. Martin, na sua Introdução ao livro de Ester). “Na Bíblia Hebraica, Ester aparece em último lugar nos cinco rolos (megilloth), os quais eram lidos nas grandes festividades do ano judaico. É o rolo de Purim, uma festa secular que celebrava o livramento de um plano sutil de anti-semitismo. Os rabinos disputaram sua aceitação ao cânon das Escrituras por longo tempo, pois ele não contém nenhuma referência as coisas mais preciosas da religião judaica, nem mesmo menciona, uma vez sequer, o nome de Deus. Na Bíblia Grega, o livro de Ester ocupa lugar entre os livros históricos e também tornou-se mais longo pela adição de passagens que tencionavam torná-lo mais religioso (Oxford Annotated Bible, introdução)”

CONCLUSÃO

Em razão da impossibilidade de analisar as fontes informativas que foram utilizadas como base dos estudiosos para emitirem suas opiniões, trabalhamos acreditando serem estas informações as mais próximas do real apurado até então. A complexidade das opiniões formadas e as diferenças de fontes que alegam analisadas, não nos dão certeza absoluta dos fatos, como estudiosos que também pretendemos ser. É evidente que, para que possamos ter nossas pesquisas credibilizadas, seja necessário analisar aqueles documentos e buscar outras fontes, estudando-as sempre e procurando não envolver a fé que professamos, mas sim como teólogos, buscarmos a razão. Como cristãos que somos, e crentes no cânon, não é fácil estudar evidências ou fatos que nos pareçam contrários.

Nelson Martins Filho